Acórdão nº 179/14 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 179/2014

Processo n.º 575/12

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorridos A., S.A. E B., CRL, o primeiro vem interpor recurso obrigatório ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação em 3 de julho de 2012 (cfr. fls. 1225-1248), que considerou procedente a apelação (interposta por uma das ora recorridas, a B., CRL), decidindo «1.º Declarar as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas, do procedimento a 86.388,00 €, do incidente a 86.304,00 € e do recurso a 91.968,00 €), materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República); (…)» e «2.º mandar que se proceda à reforma da conta de custas (v fls. 1207 e 1208), tendo em conta o máximo de 250.000,00 € fixado na tabela do anexo I ao código das custas (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro) e desconsiderando-se o remanescente (…)» (cfr. III – Decisão, 1.º e 2.º, fls. 1247-1248).

  2. O recorrente Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal nos termos e com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 1254):

    O Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do, aliás, douto Acórdão de fls. 1225/1248, com fundamento nos arts. 70º, n° 1, a) e 72°, nº 1, a) e 3 da Lei do Tribunal Constitucional.

    Justifica-se a interposição do presente recurso dada a recusa de aplicação pelo douto Tribunal das normas dos arts. 14°, n°1, al. n) e 18°, n° 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro), com o fundamento de que tais normas, na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite, são materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do principio da proporcionalidade (art. 20°, n° 1 da CRP).

  3. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 01/08/2012 (cfr. fls.1258) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 1268), o recorrente alegou e concluiu no sentido da improcedência do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público e, assim, pela inconstitucionalidade da interpretação normativa, acolhida pela decisão recorrida, dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), tal como foi sustentado na mesma decisão, nos termos seguintes (cfr. VIII, Conclusões, fls. 1336-1337):

    Por todo o exposto nas presentes alegações, crê-se de concluir:

    a) pela improcedência do recurso obrigatório, interposto pelo Ministério Público, nos presentes autos;

    b) confirmando, assim, este Tribunal Constitucional, o Acórdão recorrido, de 3 de julho de 2012, do Tribunal da Relação de Lisboa; e, consequentemente,

    c) julgando, este Tribunal Constitucional, nessa medida, materialmente inconstitucionais as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (art. 20º, nº 1 da CRP)”.

    Para alcançar tal conclusão, o recorrente desenvolveu os fundamentos do seu pedido de julgamento de inconstitucionalidade da interpretação normativa dos preceitos invocados, nos termos seguintes (cfr. Alegações VII) quanto ao tema a decidir:

    (…)

    VII. Apreciação do thema decidendum

    33º

    Vejamos, então, as conclusões que se poderão retirar da jurisprudência, deste Tribunal Constitucional, citada ao longo das presentes alegações, tendo em vista concluir pela apresentação de uma solução para o recurso em apreciação.

    Ora, crê-se que tais conclusões serão, fundamentalmente, as seguintes:

    a) na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem seguido o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral, mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, mesmo que este seja de procura obrigatória;

    b) tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder, economicamente, ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão, ou seja, que tenha que existir tal correspectividade económica, para se poder afirmar a bilateralidade da receita, enquanto taxa;

    c) na verdade, através da imposição de uma taxa, podem prosseguir-se finalidades de interesse público conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo, correspondendo, ainda, nesta hipótese, ao pagamento da taxa, a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado;

    d) apenas a manifesta desproporcionalidade entre o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público (o caráter «completamente alheio» a este), poderá levar a que o tributo em questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, uma vez que, desse modo, e nessa medida, se afetaria a sua correspectividade;

    e) no que respeita à “taxa de justiça”, o Tribunal Constitucional tem considerado que se trata de uma verdadeira taxa e não de um imposto, encontrando-se, na sua origem, a prestação do serviço de administração da justiça, que apenas pode ser prestado pelo Estado (dado o monopólio público do uso da força);

    f) o legislador nacional dispõe, porém, de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas de justiça;

    g) essa liberdade não implica, todavia, que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição);

    h) a fixação das custas, em proporção direta ao valor da causa, sem qualquer limite máximo, pode conduzir a situações em que tal taxa se revele manifestamente desproporcionada ao custo do serviço ou à utilidade tirada do meio judicial empregue, pelo que ficará posta em causa a relação de correspondência entre o serviço e o tributo, o qual, assim, dificilmente poderá ser qualificado como verdadeira taxa;

    i) o que está em causa, nesta dimensão normativa, não é tanto – ou não é apenas – a bondade constitucional do critério elegido para a fixação das custas em função do valor da causa, mas, tendo em conta os demais elementos do critério de tributação, ou seja, os concretos escalões quantitativos fixados e o modo como operam, a ausência de qualquer limite máximo para o valor da causa, e, consequentemente, para os resultados da aplicação daquele critério na determinação do valor da tributação em custas, independentemente da complexidade do processo, ou, mesmo, da sua concreta e efetiva utilidade para o recorrente;

    j) por outras palavras, a aplicação de um tal critério poderá conduzir a que, a partir de um certo limite, não possa o montante de taxa devida encontrar justificação seja no princípio da equivalência, seja no princípio da cobertura de custos;

    l) ora, havendo uma “desproporção intolerável” entre “o montante do tributo e o custo do serviço prestado”, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado em função da mesma norma, ocorrerá também uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais;

    m) o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça, podendo, pois, o legislador fixar o montante das custas com grande liberdade e exigir o respetivo pagamento sem que, com isso, esteja necessariamente a restringir o direito de acesso aos tribunais;

    n) essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite – limite, esse, que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos, sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário;

    o) ou seja, assegurar a garantia do acesso aos tribunais, subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça, não podendo o legislador adotar soluções, de tal modo onerosas, que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça;

    p) nessa medida, quando o valor da causa se revele manifestamente excessivo e desproporcionado, por as custas judiciais serem fixadas em proporção ao valor da causa, sem qualquer limite máximo ao respetivo montante, estar-se-á perante uma situação de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, na medida em que tal norma não permite, ao...

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