Acórdão nº 934/11.7TBOAZ.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, LDA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS.

Pediu que:

  1. Se decida que os factos alegados nos artigos 51º a 65º da petição inicial configuram um contrato-promessa de permuta celebrado entre a A. e o R., nos termos, condições e com o objecto referidos nos artigos 52º, 62º e 65º a 68º, e o R. condenado a reconhecer a existência e validade desse contrato promessa; b) Se decida que o R. se encontra em situação de mora quanto ao cumprimento e formalização, através da realização da competente escritura de permuta a que aquele contrato obriga, e o mesmo R. condenado nesses termos; c) Se profira sentença que substitua as declarações negociais a que o contrato promessa obriga e que nessa conformidade: - declare transmitida, da A. para o R., a propriedade do terreno identificado no art. 62 e, em troca desse terreno, a que é atribuído o valor de 2.634.000,00 €, transmitida, do R. para a A., a propriedade do terreno identificado no art. 65º-A, a que é atribuído o valor de 1.494.018,52 €, condenando-se o R. a aceitar a permuta resultante daquelas duas recíprocas transmissões e, ainda, a pagar à A. a quantia de 1.139.981,48 €, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares as empresas comerciais por força do disposto no art.s 102º, § 3 do Cod. Comercial.

    Subsidiariamente, para a hipótese de se vir a entender e decidir que os factos articulados não configuram o invocado contrato promessa de permuta, nas condições anteriormente peticionadas, pede que: - seja o R condenado a pagar à A, a título de indemnização pelos prejuízos que lhe causou como consequência necessária, directa e adequada, dos factos alegados na petição inicial, a quantia de 2.634.000,00 €, acrescida de juros a contar da citação e à mesma taxa anteriormente reclamada.

    Como fundamento, alegou ser proprietária do seguinte prédio: "terreno para construção com a área de 31.500 m2, situado no lugar da ..., da cidade de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz urbana sob o art. ..., descrito na CRP de Oliveira de Azeméis sob o nº ....

    Numa 1ª fase, em 1988, requereu o loteamento de uma sua parcela, a norte, com 24.546 m2, que foi destinada à criação de 17 lotes para a construção de outros tantos edifícios de habitação colectiva e comércio e, bem assim, à construção da Rua ... e respectivos passeios laterais e demais infra-estruturas.

    Numa segunda fase, a A. promoveu também e submeteu à apreciação da Câmara Municipal do R., em 25/03/92, a coberto do Processo nº …, a urbanização e o loteamento do resto do terreno, em 9 lotes igualmente destinados a habitação colectiva e a comércio.

    A Câmara Municipal do R. aprovou tal operação nas suas reuniões realizadas nos dias 11 e 25 de Maio de 1993, e para ela emitiu o alvará de licenciamento de loteamento urbano com obras de urbanização nº …, de 10/12/93.

    Sucede que, no ano de 2000, o R. decidiu construir sobre o terreno e os referidos 9 lotes uma nova via rodoviária com dupla faixa de rodagem, ligando a Rua ..., a nascente, à Rua ..., a poente, por si designada como Troço 03. Tal via passaria sobre a praceta existente no loteamento, ocupando-a, pelo meio dos 9 lotes, ocupando o Lote 4, e a uma cota superior em cerca de 8 metros em relação à cota de superfície do terreno, desenvolvendo-se portanto, ao nível dos 2º ou 3º andares dos edifícios previstos para construir nos restantes lotes e constituindo uma barreira na frente das lojas e habitações desses lotes.

    Logo no ano 2000, ao saber de tal intenção, a A. opôs-se veementemente à construção dessa via sobre o seu terreno e os seus lotes.

    Entretanto, de 2001 até 2009, o anterior Vice-Presidente, KK, foi eleito, ocupou e desempenhou o cargo de Presidente da Câmara Municipal do R. e já no desempenho desse cargo, continuou inflexível no propósito de construção da via sobre os terrenos da A. e acabou por tomar a decisão, que anunciou como definitiva e irredutível, de avançar com a construção da dita via sobre os terrenos da A.

    Face à oposição da A., o R., por intermédio do seu referido Presidente de Câmara, confrontou mesmo a A. com a inevitabilidade da expropriação dos seus terrenos caso continuasse a opor-se à construção da via por ele desejada.

    Na execução do seu propósito, o R. acabou por organizar o concurso da obra de construção da nova via e iniciou a sua construção, ocupando para o efeito os terrenos da A. e de outros vizinhos e concluiu tal construção, em 23/10/2008, data em que inaugurou e abriu ao trânsito público a referida via.

    No entanto, o R., por intermédio do Presidente da sua Câmara Municipal, prometeu e garantiu à A. que a indemnizaria devida e justamente "pela ocupação dos respectivos terrenos, quer pela área directamente ocupada quer pelos efeitos negativos laterais da nova via nos lotes restantes e nos edifícios para estes aprovados".

    Propondo para o efeito a aquisição, pelo R., da totalidade do terreno correspondente aos 9 lotes e à praceta, pelo valor que tivesse em conta a capacidade de edificação para eles aprovada no respectivo processo de loteamento, valor esse que seria encontrado em avaliação a efectuar pelos Técnicos da sua Câmara Municipal, promessa e garantia que reafirmou várias vezes e com firmeza perante o gerente da A.

    Ao longo dos anos seguintes, quer enquanto decorria a construção da via quer após a sua inauguração e abertura ao trânsito público, a A., por intermédio do seu referido gerente, foi sempre insistindo, inúmeras vezes, com o Presidente da Câmara Municipal do R. para que o mesmo concretizasse o referido acordo.

    Em 14/09/2009, e na sequência de várias reuniões, a A. dirigiu e entregou ao Presidente da sua Câmara Municipal uma proposta final a qual veio a obter resposta afirmativa por parte deste por carta com data de 25/09/2009, na qual este comunica que aceita a proposta da A., nos termos que ali melhor constam.

    Com o supra referido, a A. e o R. quiseram comprometer-se e tiveram por intenção, da parte daquela, prometer dar ou vender os seus terrenos, e da parte deste, vir a adquiri-lhos, nos termos de condições por ambas as partes acordadas nas suas referidas trocas de comunicações escritas.

    Sucede que após tais missivas e apesar das insistências da A. no ano de 2009 foi-lhe comunicada que a quantia não podia ser paga nessa ano.

    Posteriormente, já em 2010, a R. levou a A. a aceitar novo acordo de pagamento, aconselhando e impondo à A. que loteasse o terreno em 3 novas parcelas, à medida dos seus interesses e, assim, eliminando definitivamente os 9 lotes e a praceta referidas, mas voltou a não cumprir sem razão ou motivo justo.

    O R., contra a vontade, os interesses e a oposição veemente da A. impôs a esta a ocupação dos seus terrenos com a construção da dita via.

    Ao ocupar os terrenos e neles construir a nova via, o R. sabia que os mesmos tinham dono e eram propriedade da A..

    Sabia também que só deles podia tomar posse, como fez, ocupando-os e construindo neles uma nova via, mediante a prévia aquisição da respectiva propriedade, designadamente por compra, por meio de escritura pública e pagamento de um preço.

    Não o fazendo, e não se entendendo que existe um contrato-promessa entre as partes, sempre o R deverá indemnizar a A, nos termos da responsabilidade civil por facto ilícito.

    Contestou o R., arguindo desde logo a excepção dilatória da incompetência material porquanto o alegado contrato-promessa de permuta constitui um acto de gestão pública e, consequentemente, um acto administrativo.

    Mais alegou que a assinatura do Presidente da Câmara Municipal no aludido "contrato promessa" não vinculou o Município, dado extravasar as suas competências, pelo que o mesmo é ilícito.

    Alegou ainda que a A consentiu e autorizou que a nova via fosse construída pela forma que o foi, isto é, atravessando o loteamento aprovado e ocupando a praceta que o servia.

    Tanto assim, que apresentou estudos alternativos para a construção nas novas parcelas de terreno que resultaram do atravessamento da nova via, e apresentou aos serviços da Câmara a pretensão de que fosse criada uma via de acesso a estas parcelas, e de que fosse construído um túnel ou passagem sob a nova via para ligação dessas parcelas, no que o R. acordou, tendo no projecto de construção da via e na sua execução previsto e executado uma passagem ou túnel sob a nova via para comunicação e serviço das parcelas em que ficaram divididas a área sobrante loteada pela A. sob o alvará 53/93.

    Que, para satisfazer e viabilizar a pretensão da A. de viabilizar de outro modo a construção naquelas duas parcelas, o projecto e construção da nova via foram efectuados através do recurso a tecnologia adequada por forma a reduzir a área de terreno ocupada, com substituição de taludes em declive por taludes perpendiculares.

    A construção daquele túnel ou passagem e o recurso aos meios técnicos de construção da via sem taludes em declive acarretou um substancial aumento do custo quer do projecto quer da construção em quantia não inferior a € 1.000.000,00.

    Mais impugnou parte da matéria factual alegada pela A., no que respeita aos valores invocados por esta.

    Concluiu pela sua absolvição do pedido ou, caso assim se não entenda, pelo apuramento do valor do terreno ocupado e outros eventuais prejuízos da A., efectuando-se a sua compensação com o acréscimo de despesas suportadas pelo Município, a ser apurado em execução de sentença.

    Na réplica, a A, pugnou pela qualificação do contrato como sujeito ao regime de direito privado, atendendo a que, no contrato celebrado e durante a relação contratual mantida, o Município nunca teve uma posição de autoridade, de ius imperii. Entende a Autora que o contrato outorgado entre as partes encontra-se sujeito ao direito privado, concluindo pela improcedência da excepção.

    No saneador foi julgada improcedente a referida excepção.

    Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença, em que se...

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