Acórdão nº 6723/09.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - Relatório AA, S.A. intentou acção sob a forma ordinária contra BB, S.A., pedindo que se declare que a ré relativamente ao direito de preferência da autora na venda do referido lote ... incumpriu o acordo (doc. n° 3), bem como violou, quer nos preliminares da sua celebração, quer na sua formalização e na sua execução, o dever geral de boa-fé, nomeadamente os deveres de protecção, informação e lealdade e que a ré seja condenada, por não ter respeitado o direito de preferência da autora na venda do lote ..., a indemnizar a autora pelo incumprimento do acordo (doc. n.° 3), bem como por ter violado, quer nos preliminares da celebração, quer na formalização e na execução do acordo o dever geral de boa-fé, nomeadamente os deveres de protecção, informação e lealdade e que tal indemnização seja para liquidar em execução de sentença por ora não ser possível à autora quantificar os danos causados pelo comportamento ilegal e violador dos deveres da ré.

Em abono da sua pretensão alega que celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda de um terreno sito na zona da área urbanística da E…. Todavia, por força da revisão do planeamento da referida zona, a ré ficou impossibilitada de cumprir o contrato promessa, pelo que as partes procederam a um acordo de revogação, tendo como contrapartida a venda de um lote à ré e a preferência da autora na venda do lote 3.01.01, com a obrigação quanto a este de a ré não tomar qualquer iniciativa ou parecer favorável de alteração do plano de pormenor em vigor (PP3). Mais refere que em 30/11/2000, a ré por carta informa a autora da venda do lote 3.01.01, bem como da possibilidade de exercer a sua preferência, tendo ainda a ré proposto a possibilidade de a autora transferir o seu direito de preferência para outras parcelas, ao que a autora respondeu, dizendo que não pretendia exercer o seu direito de preferência, mas que acordava em transferir o mesmo para os lotes 1.06.1.3, 1.07.1.2, 2.07.02 e ..., mantendo-se os demais termos contratuais estabelecidos no acordo de revogação, nomeadamente de não alteração do plano urbanístico. A autora só deu o seu consentimento à modificação do objecto da preferência, devido à localização do Lote ..., a qual foi determinante para a aceitação da transferência do direito de preferência, correspondendo o seu objecto - restauração e comércio - a uma desejada diversificação dos investimentos da autora. Refere, porém, que a ré procedeu à venda do lote 1.07.1.2 sem lhe comunicar a mesma, pelo que a autora, por carta de 21/3/2003, comunicou à ré que deveria informar quando é que se previa a colocação para venda dos demais lotes, ainda que prescindisse da preferência do lote em causa, ao que a ré respondeu dizendo que em relação ao lote ..., face aos condicionalismos contratuais, prevemos a sua venda no ano de 2004, e nessa carta confirmou a preferência da autora na compra desse mesmo lote. A autora diz que apesar do acordo, a ré alterou o lote ..., dividindo-o em duas parcelas e não informou a autora da realização de contratos de arrendamento nas fracções que constituiu numa das parcelas, pois as construções aí existentes eram estruturas temporárias e amovíveis. A ré comunicou à autora, para efeitos de preferência, as vendas das fracções da parcela ....01, não tendo a autora aceite por não ser o quadro contratual acordado.

Conclui a autora pela violação dos ditames da boa fé, pois a ré não a informou da existência dos ónus da parcela aquando da transferência do direito de preferência, nem do reparcelamento feito, o que impossibilitou a autora de exercer o direito de preferência que tinha sobre o lote ..., entendendo a autora que só depois de se aferir da capacidade construtiva de tal lote é que é possível aferir dos danos que lhe foram causados.

A Ré contestou alegando, em suma, que não existe qualquer incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e, a existir a falta de cumprimento, esta ficou a dever-se a uma impossibilidade objectiva da prestação. Impugna, também, a existência de um outro direito de preferência distinto do previsto no acordo de revogação, e a ter existido foi constituído ex novo e sem os condicionalismos previstos no acordo de revogação. Alega, ainda, que o reparcelamento do lote ... não representou qualquer violação do acordado, nem o direito de preferência invocado se poderia sobrepor ao direito de propriedade da ré, que nessa medida poderia reparcelar o lote, como fez. Diz ainda que antes do reparcelamento do lote ... já uma das parcelas do mesmo se encontrava ocupada por serviços de restauração e lazer, facto que era do conhecimento de toda a gente, dado que a zona é conhecida como "os bares da E...", existindo contratos onerosos com as pessoas que exploram tais serviços, e com a entrada em vigor do NRAU passaram a vigorar contratos de arrendamento com preferência legal na venda que se sobrepõe. A ré refere ainda que o interesse público prevalece perante o interesse meramente económico da autora, dado inclusive o escopo da ré. Refere ainda que a ter comunicado à autora a venda das fracções, bem como do lote ....02, este disponível para construção, não tendo a autora preferido na compra dos mesmos, pelo que a ré não incumpriu o direito da autora, pois comunicou a venda, obrigação que advinha do direito de preferência. Alega, ainda, a ré que a autora não concretiza quaisquer prejuízos, danos ou lucros cessantes, pelo que não se pode relegar o seu cálculo para execução de sentença, por ausência de factos consubstanciadores dos danos. Em relação à violação dos ditames de boa fé e do dever de informação, afirma que os factos em causa eram do domínio público, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição.

O autor respondeu, mantendo o alegado em sede de petição inicial.

Procedeu-se à elaboração do saneador e julgamento nos presentes autos.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

A autora, inconformada, recorre para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da sentença.

O Tribunal da Relação de Lisboa, através de acórdão datado de 20 de Dezembro de 2012, decide julgar improcedente a apelação e confirmar, nos seus precisos termos, a sentença recorrida.

Novamente inconformada, interpõe a autora revista excepcional para este Supremo Tribunal, invocando como pressuposto de admissibilidade o previsto na alínea a) do art. 721.º-A do Código de Processo Civil, recurso que foi admitido por acórdão de 2 de Junho de 2013.

Na sua alegação de recurso, apresentou a autora as seguintes conclusões: «1. A primeira questão de Direito que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, é a de saber se a declaração da A., ora Recorrente, consubstanciada na carta de 28 de Dezembro de 2000, juntamente com a carta da R., ora Recorrida, de 26 de Março de 2003, e posteriores cartas da R., ora Recorrida, no mesmo sentido, a que acresce a confissão judicial e reconhecimento expresso da existência de tal pacto de preferência, é bastante para se considerar existir um pacto de preferência relativo ao lote ..., ou seja, que tal pacto de preferência assumiu a forma escrita legalmente exigida pelo art. 410.º, n.º 2, ex vi o art.º 415º, ambos do Código Civil.

2. Esta questão, numa altura em que na celebração de contratos as comunicações assumem grande relevo em detrimento do contacto pessoal e da outorga pessoal dos contratos, assume, salvo melhor opinião, clara importância e a sua decisão levará a uma melhor aplicação do Direito.

3. A segunda questão de Direito que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, é a de saber se a alteração substancial e unilateral, pela parte que atribui a preferência, das características do objecto do pacto de preferência contratado - no caso presente, traduzida no reparcelamento do imóvel em dois sub-lotes, na constituição de propriedade horizontal num deles, e na substancial redução da respectiva capacidade construtiva, com a consequente redução do respectivo valor económico - conduz, ou não, à inutilidade da notificação para exercer a preferência sobre o respectivo “objecto”, resultando de tais alterações que essa notificação não corresponda ao cumprimento da obrigação de dar a preferência na transmissão do acordado objecto da preferência, agora com características totalmente diferentes e díspares das anteriormente patentes, à data da constituição da obrigação da preferência, alterações resultantes das acções do concedente da preferência, a R., ora Recorrida, ao abrigo do conteúdo do seu, aparente, direito de propriedade.

4. O esclarecimento desta questão parece à A., ora Recorrente, importante em termos de Direito, e levará a uma melhor aplicação do Direito.

5. A terceira questão de Direito, que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, consequente, e directamente relacionada com a anterior, consiste em saber se a R., ora Recorrida, ao alterar o objecto do direito de preferência, violou os princípios de confiança, protecção, informação e lealdade, consubstanciados na obrigação de boa fé na execução do contratado, a que a R., ora Recorrida, estava obrigada (Código Civil, art.º 762º, n.º 2).

6. Também aqui entende a A., ora Recorrente, salvo melhor opinião, que uma decisão sobre tal matéria, dadas as possíveis e gravosas consequências da defesa do entendimento expresso na decisão ora recorrida, e dos riscos associados para o Direito, do entendimento em causa, além de necessária e importante, levará indubitavelmente a uma melhor aplicação do Direito.

7. Por isso, deve o presente recurso de Revista extraordinário e excepcional ser admitido, ao abrigo do previsto na al. a) do nº 1 do art.º 721º-A do Código de Processo Civil.

8. A A., ora Recorrente, nos termos do Acordo de Revogação a que se refere a al. D) da Matéria Assente e Título II – Fundamentação de Facto – pontos 4. a 7. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ficou titular de um direito de preferência sobre o...

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