Acórdão nº 812/05.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2014
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I A ASSOCIAÇÃO DOS COMERCIANTES DO PORTO, e outros, identificados a fls. 2 a 4 dos autos, vieram propor acção declarativa com processo ordinário, contra CASA DA MÚSICA/PORTO 2001, SA, tendo, após extinção desta, prosseguido contra o Estado Português, pedindo que a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia total de 1.989.139 euros, distribuída na forma descrita sob o artigo 163º da petição inicial, a título de prejuízos causados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Alegaram para o efeito e em síntese que a execução por parte da Ré, enquanto dona da obra, das obras efectuadas na Baixa da cidade do Porto nos anos de 2000 a 2002, zona onde se encontram inseridos os estabelecimentos comerciais das empresas Autoras, resultaram prejuízos ao nível do respectivo comércio – queda acentuada do respectivo volume de negócios e consequentes perdas de proventos (lucros cessantes).
Invocaram os Autores que as ditas obras ocorreram por um larguíssimo período de tempo (tendo sido ultrapassados todos os prazos previstos e contratualizados), ocorreram sem a prévia e exigível organização, planeamento ou direcção, com desrespeito pelos interesses dos comerciantes que ali levavam a cabo a sua actividade, gerando graves restrições ou limitações/perturbações no acesso à zona intervencionada e aos estabelecimentos em apreço, com a consequente perda de clientes e de negócios no aludido período temporal, tudo tendo originado os prejuízos ou perdas por si liquidados.
A Ré, além de excepcionar a prescrição do direito do direito dos Autores, veio impugnar parte substancial da matéria alegada por estes, seja quanto ao carácter ilícito da sua conduta na execução das obras, explicitando a sua execução, organização e planeamento, seja quanto à sua culpa, invocando factos que, em seu entender, excluiriam a possibilidade de dirigir qualquer censura àquela conduta da Ré, assim como pondo em crise o alegado nexo causal entre as obras e os prejuízos invocados.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando a Ré a pagar as seguintes quantias e aos seguintes Autores: 1…) - 1.287 € 2) …- 12.804 € 3) …- 4.034 € 4) …- 32.757 € 5) …- 839 € 6)… - 35.336 € 7) …- 4.597 € 8) ….- 2.352 € 9) …- 7.784 € 10)… - 18.124 € 11)… - 8.857 € 12) … - 3.247 € 13) … - 5.658 € 14) … - 23.564 € 15) … - 2.983 € 16) … - 4.793 € 17) … - 14.464 € 18) … - 11.487 € 19) … - 214.852 € 20) … - 140.353 € 21) … - 30.688 € 22) … - 51.479 € 23) … - 11.382 € 24) ... - 69.232 € 25) … - 20.526 € 26) … - 32.661 € 27) … - 57.231 € 28) … - 36.402 € 29) … - 10.497 € 30) … - 33.537 € 31) … - 17.344 € 32) … - 51.602 € 33) … - 7.000 € 34) … - 13.321 € 35) … - 47.960 € 36) … - 8.351 € 37) … - 48.517 € 38) … - 8.733 € 39) … - 22.673 € 40) …- 14.682 € 41)… - 58.983 € 42)… - 25.783 € 43) …- 27.472 € 44) …- 34.627 € 45) …- 2.144 € 46) …- 25.235 € 47) … - 80.942 € 48) …- 8.804 € 49) …- 8.638 € 50) …- 2.413 € 51) …- 49.358 € 52) …- 105.488 € 53) …- 6.401 € 54) …- 19.918 € 55) …- 73.730 € 56) …- 18.219 € 57) …- 12.622 € 58) …- 37.037 € 59) … - 108.112 € 60) … - 139.223 € Às aludidas quantias, individualmente consideradas, acrescerão, ainda, juros de mora, à taxa legal, ao ano, sucessivamente em vigor, desde a citação da Ré (datada de 12.04.2005) e até integral e efectivo pagamento.
Discordando desta decisão dela interpôs recurso o Réu, Estado Português, recurso esse que veio a ser julgado improcedente.
De novo inconformado, recorre o Réu, Estado Português, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões: -No presente processo deve ser entendido não existir quaisquer dos pressupostos que enformam a responsabilidade civil extracontratual, nos termos do nº 1 do art. 483º do CC; - No que respeita aos estabelecimentos sitos na Praça Carlos Alberto, local de situação dos lotes nºs 5, 7, 8 e 11, não ficou provado que tenha existido qualquer facto, - conduta ou omissão - por parte da Casa a Música, susceptível de ter gerado a alegada responsabilidade civil extracontratual e, por consequência, a obrigação de indemnizar os Autores, o que sempre deve ser reflectido num eventual cálculo; - Porquanto realizadas em espaços públicos e sendo legalmente permitidas, sem que fosse violado qualquer direito subjectivo dos Autores (particularmente pela dificuldade em utilizar ou ser utilizadas por outrem as ruas adjacentes a um estabelecimento) – delas resultando a requalificação e revitalização urbanísticas da Baixa Portuense, colectividade da qual os Autores faziam parte, e de que foram também beneficiários, na medida da inexistência de norma especificamente destinada a proteger direitos seus, deve ser afastado qualquer juízo de censura, por via de tais obras, em termos de dever reparar pretensos danos; - A clientela, enquanto conjunto de potenciais compradores de ou num estabelecimento, não deve ser vista e considerada como algo mais do que uma mera expectativa de facto, sem qualquer direito de tutela; - O comportamento da Casa da Música deve ser analisado à luz de condicionalismos naturais e/ou da responsabilidade de outras entidades, imponderáveis alheios à vontade e à esfera de conhecimento e de previsibilidade daquela entidade, que comprovadamente tiveram impacto negativo, na duração e modo de execução das obras de interesse publico; - A matéria de facto constante do nº 65° do Acórdão, contrariamente ao que ocorria na resposta aos quesitos 61 ° a 63º vinda da comarca, afasta, a nosso ver de todo, o nexo de causalidade entre a actuação da Casa da Música no empreendimento desencadeado e o dano ponderado; - Pois que, e como aí se materializa, não foi somente por via das obras da ré, mas também por via de obras em simultâneo, levadas a cabo por outrem, que ocorreu o facto, o dano cujo ressarcimento as instâncias ordenaram; - Na produção do mesmo dano podem comparticipar, pelas mais variadas formas, várias pessoas, quer através de mesma causa/ato, quer por meio de causas diversas em concorrência; se o dano total for conseguido por cada uma (ou qualquer) delas sejam elas (causas) cumulativas, sejam meramente coincidentes, qualquer dos responsáveis seria obrigado a reparar os danos; - Da apontada materialidade não se poderá (nem deverá) concluir (em termos de direito) que a contribuição das duas causas foi, minimamente, concertada ou coincidente e, muito menos, que cada uma de per si desencadearia (todo) o dano; - O artigo 490º do CC abrange ou atinge apenas a hipótese geral de, os agentes, as várias pessoas terem participado no mesmo ato Ilícito, embora causando possivelmente danos diferentes, enquanto que a participação em actos ilícitos diferentes, porventura conducentes ao mesmo dano, caberá na previsão dos artigos 483º e 497º; - ( ... ) não bastará dizer-se, como consta do Acórdão, que existe responsabilidade solidária, pois haveria que se especificar quais as causas da responsabilidade da Casa da Música que foram adequadas à produção do dano, de que forma é que a actuação da ré, em cada caso concreto, e não de forma genérica, teria provocado prejuízo às Autoras, qual o montante indemnizatório que se consideraria ser imputável ao ESTADO e quais os valores que, por serem imputáveis a outras entidades, deveriam ser descontados no montante da indemnização; - Os efeitos das obras foram, apenas, vistos de forma parcial, da perspectiva dos eventuais danos, sem atender aos consequentes benefícios daí advenientes para os Autores, verificando-se, neste caso, a existência de um venire contra factum proprium; - Destacando-se, a propósito, a intervenção por parte da ACP (grupos de rua), através de frequentes solicitações em termos de suspensão ou ao abrandamento de alguns trabalhos necessários à requalificação da Baixa Portuense, vindo posteriormente pedir o pagamento de uma indemnização por alegados danos advenientes do invocado alargamento do período previsto para a execução das obras, que eles próprios, também, geraram ( ... ); - Não existe, por isso, materialidade bastante que permita imputar os prejuízos contabilísticos sofridos pelos comerciantes à actuação da Casa da Música, entendendo-se que, perante as dúvidas e questões invocadas, o Estado deveria ser absolvido do pagamento de qualquer indemnização; - Caso, porém, outro seja o entendimento e este no sentido do dever de algo pagar, o que se não concede, o eventual montante deveria ter em conta a responsabilidade de outras entidades na execução de outras obras, devendo ainda ser excluídos desse cômputo os alegados danos relativos a estabelecimentos sitos na Praça Carlos Alberto, que não foi intervencionada pela ré.
- O Tribunal decidiu em violação do disposto nos art.s 334º, 483º, 490º, 497° e 563º do CC.
Nas contra alegações os Autores pugnam pela manutenção do julgado.
II Põem-se como questões solvendas no âmbito desta impugnação as de saber: i) se se verificam os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos; se se verifica por banda dos Autores um venire contra factum proprio.
As instâncias deram como assentes os seguintes factos: - A “Porto 2001, S.A.“ é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, criada e regida pelo Decreto-Lei n.º 418-B/98, de 31/12, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2001, de 8/2 e pelo Decreto-Lei n.º 147/2002, de 21/5. (alín. A) - A “Porto 2001“ teve por objecto social a concepção, planeamento, promoção, execução e exploração de todas as acções que integram o evento Porto – Capital da cultura 2001 ou as que com ele se relacionam no âmbito da requalificação urbana. (alín. B) - Por força das alterações que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 147/2002, de 21/5 à redacção que foi dada ao artigo 1º do Estatutos daquela sociedade, a “Porto 2001, S.A.“ passou a denominar-se “Casa da Música/Porto 2001, S.A.“, sucedendo em todos os direitos e obrigações daquela “Porto 2001, SA“ . (alín. C) - A atribuição à cidade do Porto da qualificação como Capital Europeia da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 133/13.3TTBRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
...Civil, Comercial e Criminal, 1985, Almedina, página 255 e os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2014, no processo n.º 812/05.9TVPRT.P1.S1, de acordo com o qual "a clientela, ou aviamento do estabelecimento comercial, sem embargo de não poder ser objecto de relações jurídicas a......
-
Acórdão nº 133/13.3TTBRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
...Civil, Comercial e Criminal, 1985, Almedina, página 255 e os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2014, no processo n.º 812/05.9TVPRT.P1.S1, de acordo com o qual "a clientela, ou aviamento do estabelecimento comercial, sem embargo de não poder ser objecto de relações jurídicas a......