Acórdão nº 360/09.8TCGMER.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou acção declarativa contra BB formulando os seguintes pedidos: "

  1. Seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa pela R. promitente vendedora por facto só a si imputável e tal falta desta suprida mediante sentença, nos termos do artigo 830° do Código Civil que efective o contrato prometido, onde a R. seja condenada a ver transferida para a herança aberta por óbito do marido da A. quanto a metade e para a própria A. quanto à sua meação a plena propriedade das fracções "BN" e "H" identificadas na pi, devendo ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, ou, subsidiariamente se tal não for possível, ser a R, condenada nos termos do nº 2 do art. 442º do CC no pagamento da quantia pecuniária referente a diferença entre o preço fixado no contrato promessa e o actual valor dos prédios, acrescido da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento a liquidar em execução de sentença mas nunca inferior a Eur: 282.356, 77€; b) Seja declarado que desde Novembro de 1992 o casal formado pela A. e seu falecido marido vivem (dormem, fazem as refeições, convivem com amigos, recebem a correspondência, etc.) na fracção referida e pagam as quotas mensais do condomínio exercendo assim, sobre tais fracções e desde aquela data uma posse pública, pacifica, continuada e de boa fé, na convicção segura de que são os únicos e exclusivos possuidores desde a data referida e simultaneamente de que sobre os ditos imóveis têm o "animus" de virem a tomar-se proprietários.

    c) Seja a Ré condenada a reconhecer que a A. goza do direito de retenção sobre as fracções "BN" e "H" identificadas no item 3 deste articulado".

    Alegou, em resumo, ser cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC, com quem foi casada no regime da comunhão de adquiridos, sendo a R. a titular inscrita do direito de propriedade dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, prédios que, por contrato celebrado em 13 de Novembro de 1992, prometeu vender ao marido da A., pelo preço global de 11 500 000$00, do qual recebeu 11 499 000$00, ficando acordado que o remanescente do preço, no montante de 1.000$00, seria pago no acto da escritura de compra e venda, sendo que a mesma seria outorgada logo que o promitente-comprador o pretendesse; ainda antes da formalização do contrato-promessa das referidas fracções, à A. e ao seu falecido marido foram entregues as chaves e todos os pertences das fracções, tendo estes entrado na posse dos imóveis, nos quais instalaram e sempre mantiveram a sua casa de morada de família, sendo reconhecidos, por todos, como proprietários dos referidos imóveis, situação que se mantém para a A., que aí continua a residir e tratar dos mesmos como até então, agora na qualidade de cabeça de casal da herança; a A., na qualidade de cabeça de casal e para a referida herança, exigiu o cumprimento do contrato-promessa e, agendada a escritura para o dia 1 de Março de 2006, a R. recusou nela outorgar.

    A Ré contestou.

    Arguiu a ilegitimidade da A., por não ser mais do que cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, e alegou ser possuidora, que não mera "titular inscrita" dos imóveis, que adquiriu mediante o pagamento do preço convencionado. Acrescentou que o objectivo da A., de seu marido e da Ré, ao outorgarem os documentos, foi o de, no interesse do A. e marido, anteciparem as partilhas dos bens do casal com os filhos, garantindo, através do contrato promessa - e apenas isso - o direito de, querendo e podendo, fazerem reverter a transmissão enquanto o pai da Ré fosse vivo. Certo é que a A. não vive no prédio e, de resto, a Ré não recebeu de seu pai qualquer importância nem se comprometeu com ele a transmitir-lhe a propriedade dos imóveis.

    Na procedência da invocada excepção de ilegitimidade, a Ré foi absolvida da instância, por preterição de litisconsórcio necessário activo, mas, admitida a intervenção principal provocada de DD e, por via desta intervenção, considerou-se suprida a dita excepção de legitimidade.

    A final, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu: “- declarar que, desde Novembro de 1992, o casal formado pela A. e seu falecido marido vivem (dormem, fazem as refeições, convivem com amigos, recebem a correspondência, etc.) na fracção referida e pagam as quotas mensais do condomínio exercendo assim, sobre tais fracções e desde aquela data uma posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, na convicção segura de que são os únicos e exclusivos possuidores desde a data referida e simultaneamente de que sobre os ditos imóveis têm o "animus" de virem a tornar-se proprietários.

    - absolver a Ré dos demais pedidos formulados".

    Autora e Ré apelaram.

    A Relação, conhecendo de ambos os recursos, decidiu: “(...) julgar a apelação do Réu parcialmente procedente e, em consequência: 1. Afirma-se a personalidade judiciária e a legitimidade das partes pelo lado activo, conforme decidido na primeira instância; 2. Julga-se improcedente o pedido formulado na ai b) da petição inicial - Seja declarado que desde Novembro de 1992 o casal formado pela A. e seu falecido marido vivem (dormem, fazem as refeições, convivem com amigos, recebem a correspondência, etc) na fracção referida e pagam as quotas mensais do condomínio exercendo assim, sobre tais fracções e desde aquela data uma posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, na convicção segura de que são os únicos e exclusivos possuidores desde a data referida e simultaneamente de que sobre os ditos imóveis têm o "animus" de virem a tomar-se proprietários - absolvendo-se a Ré de tal pedido.

    3. Revoga-se a decisão na parte em que condenou a Ré como litigante de má-fé.

    Julga-se parcialmente procedente o recurso da Autora e, em consequência: 1. Altera-se a decisão que incidiu sobre a matéria de facto nos termos supra expostos; 2. Substituindo-se o tribunal à Ré, declara-se transmitido a favor dos sucessores do falecido promitente comparador, a propriedade das fracções autónomas identificadas na petição inicial: - "BN" - Habitação tipo T-3, no 3° andar, entrada B-H do lado direito com terraço com a nascente com 38 m2 e terraço a poente com 22 m2 e a fracção "H" garagem - (conforme doc. de fls. 126 a 133), que fazem parte do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o número 338/19900912-Azurém, fracções essas que actualmente se encontram registadas a favor da Ré pela Ap. 25, de 1992/06/15 (doc. de fls. 126 133), pelo preço estipulado no contrato promessa de fls. 25 e 26: 3. Mais se declara que a Autora, na qualidade de sucessora de seu falecido marido, tem o direito de retenção sobre os referidos imóveis, até decisão definitiva e transitada sobre o pedido de execução específica, condenando-se a Ré a reconhecer tal direito.

    4. Revogar a sentença na parte em que condenou a Autora como litigante de má-fé”.

    A Ré pede ainda revista.

    Argúi nulidades do acórdão por ter conhecido de questão de que não podia conhecer e ter condenado em objecto diverso do pedido (quanto aos termos em que, julgando procedente a execução específica, atribuiu a propriedade dos bens), novamente por ter apreciado questão vedada, ao proceder à transmissão dos bens antes de depositado todo o preço, e, ainda, a mesma nulidade ao ter conhecido de causa de pedir não alegada. Pede a alteração, para "Provado", da resposta dada ao quesito 14°, ou, a não se entender assim, anulação da decisão recorrida e a baixa do processo à Relação para que seja esta a alterar essa resposta, julgando depois em conformidade, e, em qualquer dos caso, a acção improcedente.

    Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação que apresentou: “1ª - A decisão da relação sobre a matéria de facto é irrecorrível para o Supremo (art. 729° nº 2) salvo nos casos do art. 722° nº 2 (erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais quando ocorra ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou fixe a força de determinado meio de prova).

    1. - Ante uma decisão da Relação que modifique a matéria de facto desrespeitando os fundamentos em que ela própria se baseia e usando factos não articulados, e fundando-se em depoimento de parte gravado (onde "ouviu" que a A. não tinha que pagar o preço devido pela promessa de venda e por isso respondeu "não provado" ao quesito, o 14° em que se perguntava se fora pago o preço, substituindo, assim, a reposta de "provado" dada pela primeira instância, que o fora em consequência da expressa confissão da A. constante da mesma gravação) o Supremo, conhecendo desse grosseiro erro pode anular a decisão, alterando a resposta para "Provado", como fez, por exemplo no Ac. de 12/3/1998 in Col. STJ VI, I, pág. pág. 124, ou optar pela solução de, exercer uma "discreta censura" sobre a decisão, anulando o Acórdão recorrido para o recurso ser de novo julgado nessa parte pelo Tribunal da Relação, como decidiu, por exemplo, no Acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 1994, in Col. Jurisp. STJ 1994, I, 31.

    2. - De facto, estando em causa como está a resposta a um quesito - o 14° onde se perguntava se "A Ré ao invés do declarado no acordo referido em C) não recebeu de seu pai qualquer importância?" a que a primeira instância respondeu "Provado" com base na confissão expressa da A., não podia a Relação alterar essa resposta para "Não Provado": por entender que sem alegação das partes, embora o preço não tivesse sido pago, não tinha de o ser porque a Ré comprara os prédios "com dinheiro de seus pais".

    3. - De resto, tal matéria teria ter sido considerada provada porque foi afirmada pela Ré na sua contestação e essa afirmação não foi contraditada na réplica (cfr. o art. 25° da contestação e a réplica), nos termos do are. 490° nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. o Ac. STJ de 2/7/1987, in BMJ 369,501).

    4. - Erradamente, decidiu assim o Tribunal da Relação, e esse erro é sindicável...

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