Acórdão nº 1290/12.1PBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | JORGE DIAS |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou proced ente a acusação deduzida contra o arguido: A...
nascido a 27.10.1953 em (...), Torres Vedras, filho de (...) e de (...), divorciado, motorista de pesados, residente na Rua (...), Aveiro.
Sendo decidido condenar o arguido: a) pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, al.s a) e c), n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão que se suspende na sua execução por igual período, ao abrigo do disposto no artigo 50 do Código Penal.
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a pagar a B...
€1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida tal quantia de juros desde a data da notificação para contestar, absolvendo-o do mais que pela mesma vinha peticionado.
***Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto: 1. O Recorrente vinha acusado pelo Mº Pº da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152, n.º 1, al. a) e nº 2 do Código Penal.
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Vem o presente recurso da decisão que condenou o Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e a pagar à ofendida B..., a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
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Produzida a prova, o Tribunal "a quo" considerou provados os seguintes factos: (reproduz os factos provados).
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É na parte relativa a matéria de facto dada como provada, constante das alíneas 3) a 8) do número anterior (parte sublinhada) que se discorda da douta sentença, pois tais factos foram incorretamente julgados e deviam ter sido dados como não provados. (numeração por nós efetuada e infra reproduzida).
Verifica-se, no caso em apreço, insuficiência para a decisão da matéria provada e também erro notório na apreciação da prova, constituindo, estes vícios, o fundamento do presente recurso, na parte relativa à matéria de facto.
De facto, impõe-se ao julgador, a análise lógica da prova produzida, através da valoração relacionada de todos os depoimentos, apoiada na experiência comum, sendo que a livre convicção deve formar-se sempre em obediência àqueles pressupostos, sob pena de ser postergada a necessidade de segurança da decisão pressuposta pela condenação penal, em homenagem ao princípio do in dúbio pro reo.
Ao dar-se importância demasiada às declarações da demandante para obviar à reconhecida dificuldade na obtenção de prova neste tipo de crimes praticados no recato do lar, está-se na prática, muitas vezes, a impor ao denunciado que faça a prova de factos negativos, consabidamente uma prova impossível, violando-se, dessa forma, sistematicamente, o citado princípio in dubio pro reo.
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O Tribunal fundamentou a sua decisão quanto aquela matéria de facto dada como provada (i) na informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 e (i i) nas declarações da própria demandante B....
Para justificar que a convicção do julgador foi formada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, fundamentou a M. ma juiz "a quo", a sua decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes pressupostos: (i) Ser consentânea quer com a informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 (ii) quer com as declarações prestadas em audiência pela própria demandante B... e (iii) serem essas declarações coerentes com o que a mesma declarante transmitiu às testemunhas C...
(irmã da demandante), D...
(filha da demandante), E...
(à data namorado da D...) e F...
(sobrinho da demandante).
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A referida fundamentação padece do vício consubstanciado no erro notório na apreciação da prova, pelas seguintes razões: (i) a informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 é consentânea quer com a versão dos factos apresentada pela demandante quer pela relatada pelo Recorrente e não apenas com aquela (apesar de a douta sentença concluir que as lesões apresentadas pela demandante são incompatíveis com os gestos a que o Recorrente diz ter limitado a sua ação). Perceber a dinâmica corporal numa disputa é como perceber a dinâmica na ocorrência de um acidente de viação: quando não há prova direta, essas dinâmicas são sempre difíceis de percecionar, pela interpretação das marcas e lesões.
(ii) pela incoerência das declarações prestadas pela demandante, consubstanciada, essa incoerência, nas seguintes circunstâncias: (i) não se lembra se reagiu à agressão do Recorrente, (ii) dizer que não lhe deu para fugir, (iii) referiu ter o Recorrente começado a dar-lhe bofetadas e apenas lhe ter dado uma cabeçada após ela se ter sentado na cama (sendo que a lógica corporal do agressor seria dar a cabeçada com a vítima de pé e não sentada, com a cabeça num nível bastante inferior ao da cabeça daquele - confirma esta versão 2 vezes, à inquirição da M. ma Juiz e ao defensor do Recorrente), (iv) ter ido ao quarto onde o Recorrente se encontrava com a filha, estando esta já a dormir, para a levar para o seu quarto, contrariamente ao que era habitual (o que só se entenderia numa lógica de provocação que a demandante não admite), (v) dizer que não tinha saído da casa que era de morada de família, para não deixar a filha Beatriz, porque o Recorrente não a deixava levar, como se isso fosse impedimento de sair e de levar a menina e, finalmente (vi) perguntada se tinha batido no Recorrente, ter respondido: "ele diz que eu lhe bati, mas sinceramente eu não me lembro”; não tendo negado diretamente, o que seria mais lógico (a ser verdade), atenta a memória que tinha de todos os factos restantes que relatou com pormenor.
(iii) Pelas declarações das testemunhas, não parece haver qualquer coerência entre aquelas e as prestadas pela demandante, contrariamente ao que vem referido na respetiva fundamentação da sentença. Essa coerência é abalada pelas seguintes circunstâncias: (i) a irmã C... só viu sangue no nariz (e até lhe disse para não limpar o sangue), não tendo visto quaisquer outras lesões, (ii) a filha D... (que, à data dos factos, andava de relações cortadas com o Recorrente, situação que se mantém) viu arranhões e escoriações nos braços, viu sangue também na boca, o que não foi referido por mais ninguém, (iii) o E..., namorado desta à data, viu sangue no nariz e na camisola (sendo que o sangue na camisola não foi referido por mais ninguém (iv) e o F..., sobrinho da demandante, viu sangue seco no nariz, mais dizendo que a demandante não se queixou de dores nos braços.
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Concorrem ainda para se concluir que a convicção do julgador não se formou de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, as seguintes circunstâncias: (i) Em conversa com a testemunha F..., imediatamente a seguir aos factos, nunca o Recorrente admitiu ter agredido a demandante e (ii) em conversa com os agentes da polícia que tomaram conta da ocorrência, ainda em casa de ambos, o Recorrente ter-se queixado aos agentes de ter sido agredido pela demandante e apenas se ter defendido (situação descrita pela testemunha F...).
Finalmente, não é também consentâneo com as regras da lógica e da experiência comum, ter sido ignorado quer na qualificação dos factos quer na relevância atribuída às declarações da demandante, o facto de o Recorrente, nunca ter tido qualquer comportamento agressivo com a demandante B... durante todo o tempo que durou a relação, quer antes dos factos participados quer nos meses subsequentes em que se mantiveram a viver na mesma casa, para, depois, sem qualquer explicação ou qualquer facto que o despoletasse, ter agredido a demandada.
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Ocorre também, na douta decisão sobre a matéria de facto dada como provada, a insuficiência para a referida decisão, pelos fundamentos que se explanam: Quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e atento tudo o que se disse, não deveria ter sido valorado o depoimento da demandante B... que foi a única cujo depoimento foi considerado nessa fundamentação, ainda que associado à informação relativa à assistência na urgência hospitalar.
A experiência comum ensina-nos, sim, que, em circunstâncias idênticas, não deve fundamentar-se a convicção do Tribunal, única e exclusivamente, nas declarações da ofendida, quando elas não sejam corroboradas por depoimentos de outras testemunhas, como é o caso dos autos.
De facto, a circunstância de a demandante e Recorrente estarem separados de facto e ser intenção daquela romper o vínculo conjugal com o Recorrente, encontrando-se ambos numa situação de conflito aberto, condicionou irremediavelmente a posição e as declarações da demandante.
Estamos, no entender do Recorrente, num dos casos em que a formação da convicção não se operou, de forma evidente, em consonância com as regras da lógica e da experiência comum.
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Mas deveria também a M. ma juiz "a quo" ter dado como provada a matéria de facto que resultou das declarações de todas as testemunhas e da própria demandante, aqui de forma praticamente unânime, nomeadamente que: "Nunca, durante toda a relação conjugal do recorrente e da demandante, aquele demonstrou qualquer agressividade para com esta ou praticado qualquer agressão na pessoa desta, o que se verificou, nomeadamente, após o dia 28 de Julho de 2012 em que ocorreram os factos como descritos pela demandante, período em que continuaram a coabitar na mesma casa, ainda que dormindo em quartos separados, pelo período de dois meses.
Tendo-se o Recorrente, no referido período de dois meses após os factos denunciados, limitado a ter um comportamento incorreto ou pouco educado em relação à demandante.
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O Recorrente vem, nos termos da al. b) do nº 3 do art. 412 do Cód. Proc. Penal, indicar as provas que impunham decisão diversa da recorrida, o que faz por referência ao consignado em ata, atendendo a que as provas foram gravadas através do sistema de gravação digital, constando da mesma a indicação precisa da hora de...
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