Acórdão nº 16/11.1TBSCD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Banco P…, SA, promoveu, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, contra J… e cônjuge, M…, acção executiva para pagamento de quantia certa, para haver dos últimos a quantia de € 50.062,25.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de, por escritura pública de 5 de Maio de 2006, ter mutuado e entregue aos executados, para obras de beneficiação do prédio urbano sito na Rua …, destinado a habitação própria permanente, a quantia de € 50.000,00, amortizável em 240 prestações mensais, empréstimo em garantia do qual foi constituída hipoteca sobre aquele prédio, e de os mutuários terem liquidado apenas as prestações vencidas até 25 de Junho de 2009, pelo que encontra em dívida a quantia de € 45.209,79, acrescida de juros, à taxa de 1,538%, e da sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal, no valor de € 4.852,46.

Ambos os executados se opuseram, mas em incidente autónomo, à execução, pedindo que se declare inválido o documento apresentado como título executivo, por haver entidade legal e contratualmente, obrigada ao pagamento das prestações em dívida, e ipso facto, a sua absolvição da petição executiva.

A executada M… invocou, como fundamento da oposição que considera que a dívida não lhe deverá ser imputada, dado que aquando da celebração da escritura, foi celebrado um contrato de seguro de doença com O…– Companhia de Seguros de Vida SA, imposto pelo documento complementar, que foram pagando as obrigações mensais decorrentes da escritura e para com a companhia de seguros, até ao dia em que tiveram conhecimento que padeciam de uma doença do foro oncológico, tendo sido diagnosticado ao marido um adenocarcinoma gástrico, que obrigou à realização de uma gastrectomia subtotal radial, estando totalmente impossibilitado de trabalhar desde, pelo menos, 5 de Julho de 2009; que quando teve sintomas da doença enviou, em 31 de Dezembro de 2008, uma carta registada com aviso de recepção à administração da exequente, que nunca obteve resposta; que lhe foi diagnosticado, no dia 12 de Abril de 2007, um carcinoma da mama esquerda, que levou, em 16 de Novembro de 2007, à mastectomia radical, ficando desde essa data até à actualidade totalmente incapaz de trabalhar e sempre de baixa, pelo que estamos perante um caso de invalidez total e permanente, tendo-lhe sido emitido, em 2 de Abril de 2008, uma incapacidade permanente global de 60%, que o exequente, apesar de ter conhecimento da sua doença e da do marido, não comunicou à companhia de seguros a impossibilidade do pagamento das prestações mensais por motivo de doença, sendo aquela entidade que está legalmente obrigada a pagar as prestações.

O exequente afirmou, em contestação, designadamente que os opoentes subscreveram um seguro multirriscos, para o imóvel, e o seguro de vida, obrigando-se a pagar os prémios; que a apólice garantia os riscos de morte ou invalidez total e permanente dos titulares do contrato de crédito à habitação associado; que não se mostravam preenchidos os requisitos que contratualmente se mostravam indispensáveis para o accionamento do seguro; e que a apólice caducou por falta de pagamento, pelos executados, dos prémios, o que oportunamente lhes foi comunicado.

Os processos de uma e outra oposição prosseguiram autonomamente, com abstenção, num e noutro, da selecção da matéria de facto.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento – com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente – e decidiu-se, sem reclamação, a matéria de facto.

A sentença final – com fundamento que estando provado que na vigência do contrato de seguro a opoente detinha uma incapacidade de 60%, podendo concluir não estar verificado, no caso concreto, o risco coberto no caso concreto, e que sendo certo que, em 2010, a opoente já apresentava um grau de incapacidade de 80%, igualmente é verdade que em tal data a apólice do seguro de vida já havia caducado por falta de pagamento, pelo que também inexistia qualquer fundamento para o accionamento do seguro – julgou a oposição totalmente improcedente.

É esta sentença que a executada impugna através do recurso ordinário de apelação, tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: ...

Na resposta, o exequente concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. A recorrente alegou, no artigo 37 da petição da oposição, que estamos perante um caso de invalidez total e permanente.

    2.2. O enunciado referido em 2.1. obteve do Tribunal de que provém o recurso, na fase da audiência, esta resposta: Artigo 37.º - Provado apenas que em 2 de Abril de 2008, foi atribuído à opoente uma incapacidade global de 60% e, em 10 de Julho de 2012, foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente e global de 80%.

    2.3. O Tribunal recorrido adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2., esta motivação: (…) O facto dado como provado em 37º, nos termos aí expostos, decorre da análise articulada dos atestados médicos de incapacidade de multiuso, decorrente da junta médica a que a opoente foi sujeita, datado de 2 de Abril de 2008, o qual concluiu pela atribuição à mesma de uma incapacidade permanente global de 60% e, em 10 de Julho de 2012, o qual concluiu pela atribuição à mesma de uma incapacidade permanente global de 80%, conforme consta de fls. 143 dos autos. Não obstante este último facto não surgir alegada – no que concerne ao teor e conclusão do último certificado de incapacidade junto aos autos – o mesmo é considerado por este tribunal à luz do princípio da aquisição processual, por decorrente do elemento documental junto aos autos, cujo teor não foi infirmado, nos termos do disposto no artigo 264.º nº 3 e 659º., n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, elemento este de conhecimento superveniente.

    2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados, no seu conjunto, os factos seguintes: 1. Aquando da celebração da escritura junta com o requerimento executivo no autos principais – contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre os opoentes e a sociedade oponida em 5 de Maio de 2006, no Cartório Notarial de Carregal do Sal tendo a sociedade oponida declarado conceder aos opoentes um empréstimo no montante de cinquenta mil euros, que os mesmos aceitaram e se confessaram devedores, tendo constituído hipoteca para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e respectivos juros sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o n.º … - foi celebrado um contrato de doença imposto nos termos do documento complementar assinado aquando da aludida escritura, cujas cláusulas 10.º e 11.º prescrevem que: Para efeitos de cobertura complementar considera-se b) invalidez total e permanente por acidente – a pessoa segura encontra-se na situação de invalidez total e permanente por acidente se, em consequência do acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer a actividade remunerada, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria do seu estado de saúde de acordo com os conhecimento médicos actuais (…) devendo sempre e em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%.

    Por seu turno o artigo 2.º sob a epígrafe “Objecto da Cobertura” prevê que “pelo presente contrato a seguradora garante, em complemento das garantias da cobertura principal, o pagamento do capital seguro, definido nas condições particulares ou certificado individual da apólice, em caso de invalidez total e permanente da pessoa segura, em consequência de acidente ocorrido durante a vigência da cobertura.” 2. A opoente celebrou o contrato de seguro, com conhecimento directo da exequente, com a companhia de seguros “O… – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A”, com sede na …, no qual o banco ficou como beneficiário.

  2. A opoente e o marido J… foram pagando pontualmente as suas obrigações mensais decorrentes da escritura de mútuo, bem como para com a companhia de seguros, até ao ano de 2009 momento em que a opoente e o marido da opoente enfrentavam diagnóstico de doença do foro oncológico.

  3. Tendo sido diagnosticado ao marido um cancro denominado adenocarcionoma gástrico, pelo IPO de Coimbra, o qual obrigou à realização de uma gastrectomia sub-total radial, ficando o mesmo em dieta fraccionada e impedido de trabalhar.

  4. O marido da opoente esteve internado no IPO entre 5 de Julho de 2009 e 15 de Julho de 2009 para realização de intervenção cirúrgica.

  5. Continuou em observação a partir dessa data, bem como com a aludida dieta rigorosa.

  6. Após a análise da amostra retirada na intervenção cirúrgica a que foi sujeito, em 6 de Julho de 2009, o estudo anatomo-patológico revelou um carcinoma gástrico do tipo misto da classificação respectiva.

  7. Em 24 de Setembro de 2009 foram diagnosticados 15 gânglios linfáticos isolados ao marido da opoente, que andou em controlo clínico desde essa data.

  8. Desde 5 de Julho de 2009 até 3 de Maio de 2010, o marido da opoente encontrou-se impossibilitado de trabalhar, tendo-lhe sido emitidos certificados de incapacidade total para o trabalho, não se podendo ausentar do domicílio.

  9. Em 31 de Dezembro de 2008 a opoente enviou, em conjunto com o seu marido, uma carta registada com aviso de recepção dirigida à exequente, com o teor constante de fls. 26 e 27 que se dá aqui por integralmente reproduzido.

  10. A doença da opoente começou no ano de 2007, altura em que ficou de baixa a partir de 14 de Junho de 2007, ficando totalmente incapacitada para o trabalho.

  11. O diagnóstico foi de carcinoma da mama esquerda, efectuado em 12 de Abril de 2007, que levou à mastectomia radical modificada em 16 de Novembro de 2007, conforme relatório clínico de 23 de Abril de 2009.

  12. A opoente permaneceu de baixa, incapacitada de trabalhar desde 14 de Junho de 2007 até 29 de...

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