Acórdão nº 64/10.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório*Nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, AA SRL, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra Banco BB, SA – Sociedade Aberta, peticionando a condenação do R. a pagar-lhe a quantia global de 31.272,50 €, acrescida dos juros moratórios vincendos.

Alegou em fundamentação que: -é legítima portadora de 7 cheques, que identificou, no montante global de € 28.075,00, sacados pela sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta de que a mesma é titular no Banco Réu; -tais cheques foram entregues pela referida sociedade à Autora, para pagamento de mercadorias que esta última lhe vendeu e entregou; -os ajuizados cheques são cheques cruzados, sendo que, da respectiva análise, resulta que deles não consta qualquer rasura, ou alteração do nome ou demais dados; -tendo sido apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo legal, os cheques em questão foram devolvidos, sem serem pagos, com a indicação de «extravio», em virtude de a sociedade sacadora ter solicitado ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento dos mesmos «por motivo de extravio»; -o Banco Réu aceitou essas solicitações de não pagamento sem apurar qualquer circunstância relativamente aos invocados «extravios», sendo certo que essas informações de extravio são falsas; -era hábito da sociedade «BB, Ld.ª» revogar cheques, o que o Banco Réu aceitava com regularidade; -em consequência da devolução, sem serem pagos, dos 7 mencionados cheques, a Autora, até à data, não recebeu as quantias por eles tituladas, sendo que a dívida da sociedade «BB, Ld.ª» para com a Autora, emergente da referida compra e venda de mercadorias, cifra-se, nesta altura, em € 34.527,98 (inclui os juros já vencidos que quantificou); -na sequência da devolução dos aludidos cheques, suportou despesas bancárias no quantitativo de € 190,00.

*Na sua tese, o Banco Réu não actuou com a diligência, o cuidado e o zelo de um bom pai de família, tendo aceitado, sem mais, as ordens de revogação por parte da sacadora dos cheques em questão, que eram ilícitas, assim infringindo as disposições legais referentes à circulação dos cheques como meio de pagamento, nomeadamente, o disposto no artº 32° da LUC (Lei Uniforme Sobre Cheques), o que a faz incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos e na correspondente obrigação de a indemnizar pelos danos que sofreu, correspondentes aos valores daqueles 7 cheques e ao montante das despesas bancárias que suportou na sequência da devolução dos cheques.

*2. Citado, o Banco Réu contestou, invocando, desde logo, a excepção peremptória da prescrição do alegado direito de crédito da Autora, sobre o Banco Réu, em relação ao cheque n° ..., sob o pretexto de que, «desde a data da devolução» do mesmo «e a data de interposição» desta acção «decorreram mais do que os 3 anos» a que alude o art. 498°, n° 1, do Cód. Civil.

Paralelamente, o Banco Réu impugnou a factualidade articulada pela Autora na petição inicial, afirmando que recusou o pagamento dos cheques em questão por indicação da entidade sacadora de que se teriam extraviado, conduta que, na sua tese, não infringe as suas obrigações legais, mormente o preceituado no art. 32° da LUC, tendo-se limitado a cumprir as instruções que havia recebido da sua cliente.

Aduziu, ainda, que, alicerçando a Autora o seu pedido na alegada responsabilidade civil extracontratual do Banco Réu «pelo não pagamento dos cheques», a verdade é que «os direitos da Autora» em relação aos cheques n°s ..., ... e ... «não poderiam ser exercidos», na medida em que os mesmos «foram apresentados a pagamento» «para além do prazo vertido no primeiro parágrafo do artº 29° da LUC», sendo certo que «um dos pressupostos factuais da aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2008 é o facto de o cheque em causa ter sido apresentado dentro do prazo de pagamento».

Referiu, igualmente, que, ainda que não tivesse acatado as ordens da sua cliente, «o certo é que o pagamento dos cheques em questão não teria ocorrido», porquanto, nas datas das respectivas apresentações a pagamento, «a conta sacada não se encontrava devidamente provisionada para o efeito», inexistindo, assim, «nexo de causalidade entre o acto de não pagamento», da sua parte, e «o prejuízo alegado pela Autora».

Terminou, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

*Ao mesmo tempo, na sua contestação, o Banco Réu, prevenindo a hipótese da sua condenação, com base no direito de regresso contra a sacadora dos cheques, a sociedade «BB, Ld.ª», requereu a intervenção acessória provocada desta última.

*Admitido o incidente de intervenção deduzido pelo Banco Réu, foi ordenada a citação da chamada «BB, Ld.ª», a qual, porém, não contestou.

*A Autora replicou, rebatendo a matéria exceptiva alegada pelo Banco Réu e concluindo nos mesmos moldes que já havia feito na petição inicial.

*Elaborou-se despacho saneador, enunciou-se a matéria de facto considerada como assente e organizou-se a base instrutória, sem que tenha havido qualquer reclamação.

*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto a ela submetida.

*Seguidamente, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu «Banco BB, S.A. - Sociedade Aberta» a pagar à Autora «AA SRL» a quantia global de € 14.902,00, adicionada de juros de mora, à taxa anual de 4%, incidentes sobre o montante de cada um dos cheques mencionados em II., als. b), e), f) e g), contados desde cada uma das datas da recusa do respectivo pagamento". *Inconformado recorreu o R. para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, apreciando a apelação a julgou procedente e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, absolvendo o R. do pedido.

*É agora a A. que pede revista a este S.T.J.

* * * * Conclusões*Oferecidas tempestivas alegações, formulou a A./recorrente as seguintes conclusões: *“A. É requerida a ampliação do presente recurso de revista, nos termos do art. 732.° a do CPC - uniformizando jurisprudência B. Existe divergência na jurisprudência sobre o conceito de Dano e de Nexo de Causalidade Adequada.

C. Além do entendimento plasmado no Ac. uniformizador 4/2008, outros acórdãos acolheram o mesmo entendimento, nomeadamente Ac. STJ de 10 de Maio de 2012 no qual foi relator o Conselheiro Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 21 de Março de 2013 no qual foi relator o Conselheiro Oliveira Vasconcelos, Ac. TRC de 15.02.2011, no qual foi relator o Desembargador Francisco Caetano, Ac. do STJ de 29 de Abril de 2008, no qual foi relator o Desembargador Mário Mendes, Ac. TRP de 04.01.2011, proc. 4348/08.8TBSTS.P2, no qual foi relator M. Pinto dos Santos; Ac. STJ de 21.03.2013 no qual foi relator o Desembargador Abrantes Geraldes; Ac. STJ de 12 de Outubro de 2010, no qual foi relator Hélder Roque.

D. Em sentido diverso, acolheu o entendimento defendido pelo acórdão recorrido, temos os Ac. STJ de 18 de Dezembro de 2012 no qual foi relator Paulo Sá; STJ a de 2 de Fevereiro de 2010 no qual foi relator Sebastião Póvoas, - Ac TRC de 19 de Janeiro de 2010 no qual foi relator o Desembargador Jaime Carlos Ferreira; - Ac. TRG de 09.04.2013 no qual foi relator o Desembargador Espinheira Baltar; Ac. STJ e de 2 de Fevereiro de 2010 no qual foi relator Sebastião Póvoas.

E. Na realidade do dia a dia, é sabido como a revogação de cheque ocorre sempre que faltando fundos o sacador queira socorrer-se ilicitamente deste meio, com a conivência dos bancos, a fim de evitar os prejuízos e incómodos da falta de provisão.

F. O entendimento de que é ónus do beneficiário alegar e provar que o dano (nexo de causalidade) não se teria produzido se o cheque não tivesse sido revogado, permite, se nos é permitida a expressão, fazer entrar pela "janela" o que o acórdão 4/2008 quis fazer sair pela "porta".

G. A divergência atualmente existente nos tribunais superiores traz incerteza jurídica que provoca insegurança e prejuízo no uso e aceitação do cheque como meio de pagamento no comércio jurídico de serviços e bens. H. O acórdão recorrido considerou procedente o pedido do Réu por entender que não pode ser atribuída responsabilidade à sacada no caso de revogação por não ter sido alegado e provado que a conta da sacadora tinha fundos suficientes.

I. Acórdão recorrido considera que a Ré não pode ser condenada, porquanto a A. não provou que a conta do sacado tinha fundos suficientes para pagar os cheques objeto do processo.

J. Esta decisão contraria a decisão tomada no Acórdão uniformizador 4/2008.

K. No Acórdão uniformizador 4/2008 (no qual o banco Réu foi condenado por revogação ilícita), a conta da sacadora junto da Ré não tinha fundos suficientes para pagar os chegues, e o Banco Réu foi considerado civilmente responsável pelos danos causados ao portador do cheque.

L. De facto no ponto 6 dos factos dados como provados no Ac. Uniformizador 4/2008 - pág. 2061 DR. n.° 67 de 4 de Abril de 2008 resulta que foi dado como provado "6 - A conta bancária identificada em A) não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento dos cheques referidos na data".

M. Assim no Ac. Uniformizador 4/2008 não só a A. (que resultou vencedora) não alegou e provou que existiam fundos na conta como foi provado o contrário, ou seja, que não existiam fundos para tal pagamento.

N. A questão de direito essencial controvertida é saber se compete a A. a prova da existência dos fundos suficientes na conta da sacadora junto da Ré e se esta prova, em caso de ser negativa, tem o poder de excluir a responsabilidade da Ré por falta de nexo causal.

O. É sabido que não basta a existência uma outra...

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