Acórdão nº 07076/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | BENJAMIM BARBOSA |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: 1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso ... , Ld.ª, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa que julgou improcedente o pedido que formulou em processo de reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos processos de execução fiscal n.os 220820120115376.5 e 220820130100506.5, que correm termos no Serviço de Finanças de Palmela, e em que a reclamante figura como executada, veio interpor recurso jurisdicional, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões: 1.ª A sentença recorrida julgou improcedente por não provada a Reclamação Judicial intentada contra o acto da Direcção de Finanças de Setúbal que indeferiu o pedido de dispensa de garantia para suspender os PEF na pendência da contestação da legalidade da liquidação apresentada pela ora Recorrente.
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Essencialmente a sentença recorrida, no encalce da decisão da Direcção de Finanças de Setúbal, considerou que a Reclamante não provou que não era responsável pela insuficiência de meios económicos para prestar a garantia exigida.
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A sentença a que incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto que resultou provada nos autos.
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Na verdade se a Recorrente tivesse sido notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, como preceituava o artigo 60.°, n.° 1, al. b), da LGT, poderia ter contraposto e obtido prova em moldes capazes de satisfazer a AT sobre a verificação do requisito da irresponsabilidade da falta de meios económicos nos termos pretendidos pela AT.
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Pelo que errou o Tribunal a que ao ter branqueado a actuação ilegal da AT pois da matéria de facto carreada para os autos, maxime dos PEF em apenso que foram examinados pelo Mm.º Juiz a quo (vide motivação da decisão de facto da sentença recorrida), resulta que a Recorrente não foi notificada para exercer a audição prévia, que era legalmente devida.
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E este erro de julgamento é tão mais evidente quanto o Tribunal recorrido se espraia por várias páginas da fundamentação da sentença em considerações sobre o ónus da prova da irresponsabilidade sobre a inexistência de bens.
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Com efeito, tendo a própria sentença recorrida reconhecido a dificuldade de provar o facto negativo que é a irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens, impõem os mais elementares princípios jurídicos, a que se encontra vinculada a AT — o princípio do inquisitório, da proporcionalidade, da colaboração, da participação e da celeridade e economia procedimentais —, que a Recorrente tivesse sido convidada para fazer prova nos termos pretendidos por essa entidade administrativa.
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Tratando-se a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia de um acto materialmente administrativo em matéria tributária, pois projecta efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art. 120.° do CPA), deveria ter sido dada a possibilidade à Recorrente de juntar a prova praeter legem pretendida pela AT.
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E nem se diga que estamos perante um processo urgente que deverá ser decidido, nos termos do artigo 170.°, n.° 4, do CPPT, em 10 dias, e que a audição prévia do contribuinte deverá ser preterida, porque este é um prazo meramente ordenador ou indicativo, limitando-se a indicar que a decisão deverá ser proferida com celeridade.
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Na verdade nem no caso concreto este prazo que o órgão de execução fiscal tem para decidir, i.e. 10 dias, foi respeitado.
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E a prova viva disso mesmo é o caso sub judice que deu entrada no órgão de execução fiscal a 13 de Fevereiro de 2013, sendo a decisão apenas sido proferida a 28 de Março de 2013 (43 dias depois!) e a Recorrente notificada apenas a 22 de Abril do mesmo ano, 68 dias depois! 12.ª Se a AT entendia que a Executada não tinha feito prova da sua irresponsabilidade pela insuficiência de meios para prestar garantia, nos termos praeter legem exigidos por esta Administração, deveria ter convidado a Executada a apresentar a referida prova, aquando da audição prévia.
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Pelo que a decisão judicial, que tendo concordado com o indeferimento da AT com fundamento em o Executado não ter provado a sua irresponsabilidade pela falta de meios, errou porque anuiu com a ilegalidade perpetrada pela AT, ao não ter cumprido com o disposto no artigo 60.°, n.° 1, al. b), da LGT.
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Aliás, a própria jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO é clara no sentido de que: "em face dessa definição como acto administrativo e tratando-se, como se trata, de um acto administrativo definidor de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100. ° do CPA e 60. ° da LGT. Tanto mais que, no caso, a própria recorrente [a AT] alega que o indeferimento do pedido de dispensa de reforço da garantia se fundamentou na circunstância de o órgão de execução fiscal ter considerado que o pedido não se encontra instruído com todos os elementos documentais comprovativos da unificação dos pressupostos de que depende a concessão da dita dispensa de prestação do reforço da garantia e por não ler sido apresentada prova da imponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens” (nosso negrito) (cfr. acórdão proferido a 14 de Dezembro de 2011, tirado no processo n.° 01072/11, 2.1 secção, disponível em www.dpsi.pt e, no mesmo sentido, cfr. acórdão do STA proferido a 2 de Fevereiro de 2011, tirado no processo 08/11, 2.* secção, também disponível em www.dgsi.pt).
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Neste sentido se pronunciou também este colendo Tribunal entendendo que de “se o Mm.º Juiz recorrido entendia que a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.° do CPPT, era deficiente na articulação da factualidade adequada ao preenchimento dos aludidos conceitos de indispensabilidade e, daí ter feito, decorrer, prejuízo irreperável, então estava vinculado a interpelar a recorrente ao suprimento de tais deficiências a coberto do dever de cooperação com as partes litigantes, na sua vertente da prevenção, dever esse que, afinal de contas, não deixa de ser extensível à AT, ao abrigo do disposto nos art.º 7.° do CPA e 59. ° da LGT (nosso negrito) (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo — Sul, proferido a 3 de Março de 2007, tirando no processo n.° 01715/07, 2.° juízo, disponível em www.dgsi.pt).
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Fica assim demonstrado claramente o erro de julgamento da sentença a quo ao ter-se agarrado às alegações da AT e ter ignorado o dever de instrução do processo, de tal forma que não requereu à Reclamante que produzisse prova da sua irresponsabilidade pela falta de meios económicos, por não estar satisfeito com a prova produzida no processo.
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A Recorrente esforçou-se por cumprir uma verdadeira probatio diabolica, e ao contrário do que a AT fez crer (erradamente), e o Tribunal recorrido na sua senda, não se limitou a alegar que as dificuldades económicas da Recorrente eram exclusivamente imputáveis à grave crise económica nacional e internacional que se faz sentir já desde 2009/2010.
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Mas poderia a Recorrente ter produzido outra prova... mais prova... prova, de dúvida — naturalmente, a Recorrente não pode adivinhar a valoração do julgador e por isso não pode antecipar-se, mas se tal lhe fosse solicitado teriam sido envidados os maiores esforços para que fosse produzida essa prova.
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E mesmo que assim não se entendesse, sempre sem conceder, já este douto Tribunal entendeu que nestes casos, atenta a probatio diabolica em causa deve operar uma verdadeira inversão do ónus da prova, cabendo à AT provar a responsabilidade da Recorrente pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis (cfr. acórdão do TCA-Sul, proferido a 15 de Maio de 2007, tirado no processo n.° 01780/07, disponível em www.dgsi.pt).
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Acresce ainda que é facto público e notório que os custos associados à prestação dc garantias não são comportáveis por urna entidade com o perfil da Recorrente, atento o montante da garantida exigida.
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Ü. O presente recurso deve prevalecer para que seja dada à Recorrente a possibilidade de fazer a prova pretendida pela AT.
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Entendimento contrário, i.e. a interpretação segundo a qual não é exigido o cumprimento do direito de audição prévia no procedimento do artigo 170.° do CPPT, quando estão a ser exigidas pela entidade exequente meios de prova específicos não previstos na lei, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 18.°, n.° 2, 64.°, n.° 1 e 267.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade acima arguida para todos os efeitos legais.
A FAZENDA PÚBLICA contra-alegou concluindo nestes termos: 1.ª O RR vem alegar, pela primeira vez, que foi ilegalmente preterido o direito de audição em momento prévio ao indeferimento do pedido de dispensa de garantia...
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