Acórdão nº 1094/12.1TBTVD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N.º 1094/12.1TBTVD.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Banco ..., S.A. (doravante B...) requereu a declaração de insolvência de AA, identificado com cartão de cidadão ..., residente em ....

  1. Alegou que o requerido é Presidente do Conselho de Administração das seguintes sociedades: - BB - Campo Real, Golfe e Natureza, S.A. (doravante OCR).

    - BB - Hotel e Select-Investimentos Hoteleiros, S.A. (doravante OHS).

    - BB Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. ( doravante ORZ).

    - CC, Gestão e Participações, S.A. (doravante CC).

  2. Detém com mulher e filhos a totalidade do capital social da CC ( o requerido detém uma participação de 70%).

  3. A CC detém 40% do capital da ORZ, a ORZ detém 71% do capital da OCR e a OCR detém 75% do capital da OHS.

  4. O Grupo BB, através das sociedades que o integram, desenvolveu um projeto de instalação de um complexo hoteleiro de luxo, no Turcifal, Torres Vedras; no âmbito dessa atividade comercial as sociedades OCR, OHS e ORZ celebraram com o B... diversos contratos de mútuo e abertura de crédito sob a forma de conta corrente e descoberto.

  5. As referidas sociedades OCR, OHS e ORZ foram declaradas insolventes por sentenças de 27-7-2011 e 17-8-2011.

  6. Alguns dos contratos celebrados pelas insolventes foram garantidos por meio de avales prestados pelo requerido sendo este, por essa razão, responsável pelas dívidas que daqueles resultam num montante de capital que se cifra em 4.276.306,41€ a que acrescem juros de mora.

  7. A sociedade CC celebrou com o B... contrato de conta corrente caucionada, encontrando-se em dívida o montante de 274.074,15€ a que acrescem juros de mora até integral pagamento; as obrigações emergentes desse contrato foram igualmente garantidas por aval do requerido.

  8. O requerente desconhece qual seja o património do requerido para além da mencionada participação social na CC.

  9. O requerido, na qualidade de avalista das responsabilidades assumidas pelas aludidas sociedades ao abrigo de contratos de abertura de crédito de 28-8-2008 com último aditamento de 29-9-2010, 29-9-2010, 27-7-2000 com aditamentos o último em 29-9-2010, 22-1-1996 com alterações a última das quais em 20-8-2007 celebrados entre o B... e as aludidas sociedades, foi interpelado em 11-7-2011, 12-7-2011, 13-7-2011, 14-7-2011 para " como responsável solidário proceder ao pagamento de todas as responsabilidades emergentes daquele contrato de empréstimo" no prazo referido na carta que declara juntar em cópia em que o B... comunica a denúncia/ resolução/ extinção do contrato, termos estes utilizados, segundo o BP.., nas aludidas cartas.

  10. O B... alega que o seu crédito resulta do incumprimento pela sociedade dos contratos, que identifica, que foram garantidos pelos avales prestados pelo requerido e, assim, nos termos mencionados, pede que seja decretada a insolvência do requerido.

  11. Em breve síntese da extensa oposição do requerido (534 artigos), refere este que o B... usou a negociação dos avales e demais garantias prestadas a partir do início do verão de 2008 e usou o período previsto para a reestruturação das sociedades para reforçar a sua situação económica e a sua posição em relação a outros credores do Grupo e receber garantias adicionais sob a falsa promessa de que iria promover a reestruturação e consolidação financeira das sociedades. Tal promessa foi feita com o objetivo de se apropriar do património das sociedades, acionistas e interessados. Os avales prestados tinham por objetivo única e exclusivamente assegurar a permanência do requerido como principal administrador das sociedades e assegurar seu empenho pessoal, que se efetivou, no processo de reestruturação a concluir até porque os financiamentos às sociedades OCR e OHS estavam garantidos e assegurados por garantias reais. Assim sendo, o crédito é inexistente e inexigível.

  12. Mais refere que concordou em prestar garantias aos financiamentos concedidos em 2008 e em 2010 à OCR e OHS na estrita condição de o requerente apoiar a reestruturação e consolidação financeira das sociedades e a consequente extinção das citadas garantias, condição que depende apenas da vontade do B.... Existe hoje a certeza de que a reestruturação e consolidação financeiras não se vão verificar, considerando-se, assim, não verificada a mencionada condição, produzindo-se os correspondentes efeitos: extinção das garantias.

  13. Mais alega o requerido que o B... atuou dolosamente, determinando-o a fazer declarações que nunca teria emitido sem aquele engano que foi o de lhe dizer que os avales se destinavam somente a assegurar a permanência do requerido como administrador das sociedades durante a venda ou reestruturação das mesmas, dizendo que o penhor das ações da DD - Gestão de Participações Sociais, S.A. constituído no âmbito do financiamento à OCR contratada em 2008 não seria para executar; ora o requerido só tomou conhecimento de que o B... não iria cumprir os compromissos assumidos em 2008 quando em junho de 2011 inviabilizou definitivamente o acordo que teria permitido a reestruturação e consolidação financeira das sociedades, o que permite ao requerido, nos termos do artigo 287.º/1 do Código Civil, pedir a anulação das mencionadas garantias.

  14. Invoca ainda o erro nos termos do artigo 247.º do Código Civil visto que o B... sabia a essencialidade para o requerido da razão por que prestou os avales.

  15. Alega que houve abuso do direito por parte do B... na medida em que a extinção das garantias se verificaria logo que fosse realizada a venda das sociedades ou a sua reestruturação financeira que se comprometeu a promover até ao final do primeiro semestre de 2009, abusando do seu direito ao pretender executar os avales.

  16. É atendível a invocação no âmbito das relações imediatas que existem entre o requerido (avalista) e o requerente B... (tomador) do acordo de natureza extracartular, já mencionado, que foi o de o B... assegurar que os avales visavam assegurar a permanência do requerido na administração das sociedades durante esse processo de venda ou reestruturação.

  17. A presente ação é abusiva. Apesar de o B... alegar que interpelou o requerido para pagamento da dívida, o que fez em julho de 2011, nunca se verificou qualquer tentativa de cobrança judicial do crédito; abusou ao recusar sucessivos planos de reestruturação e ao recusar sistematicamente qualquer regularização do montante relativo à conta corrente caucionada contratada pela CC; o B..., antes de fazer valer os seus direitos em sede de processo de execução, antes de acionar as demais garantias existentes para suportar o valor em dívida e de tentar o seu ressarcimento no âmbito dos processos de insolvência nas sociedades em que foram já apresentados sólidos planos de recuperação, optou por requerer a insolvência do requerido que só pela simples apresentação tem efeitos demolidores na esfera social, profissional e pessoal do alegado devedor. O pedido de insolvência e o decretamento da sua insolvência devem ser instrumento de ultima ratio, existindo, assim, abuso do direito.

  18. Mais refere que, sendo considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - C.I.R.E.) e considerando que, de acordo com o disposto no artigo 20.º/1, alínea b) do C.I.R.E., a declaração de insolvência pode ser requerida, verificando-se " falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações", embora o requerido possa ainda não ter cumprido algumas das suas efetivas e exigíveis obrigações perante o requerente, não há dúvida de que as responsabilidades assumidas perante o requerente serão integralmente satisfeitas na parte pela qual este for efetivamente responsável.

  19. No que respeita ao contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada n.º 165607131 celebrado entre o B... e a CC, o B..., em retaliação pela apresentação à insolvência da OHS e da OZR, exigiu o imediato pagamento da quantia em dívida; desde essa data, julho de 2011, o requerido e a CC têm tentando regularizar o pagamento dessa quantia, razão pela qual a CC e o requerido têm vindo a efetuar pagamentos mensais de 5.000€, o que demonstra que a dívida tem estado a ser liquidada, estando, apesar das vantagens de um plano prestacional que o B... tem recusado aceitar, a CC e o requerido em condições de efetuar o pagamento do montante devido ao requerente, não se verificando, assim, que o requerido esteja impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas.

  20. No que respeita ao contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada n.º ... constata-se que está garantido por hipoteca em que o valor do imóvel é superior ao valor do crédito.

  21. No que respeita ao contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada n.º ... constata-se que o valor dos imóveis hipotecados asseguram o crédito do B....

  22. E similar argumentação é apresentada para outros créditos caucionados.

  23. Após julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido de insolvência com o fundamento de que sem a junção aos autos das livranças preenchidas ou das interpelações que tivessem sido dirigidas ao requerido, na qualidade de avalista e com os termos necessários, ou seja, os elementos que apôs no título, a obrigação cambiária do requerido " alegadamente cambiária e, por isso, literal, não se pode considerar revestida ainda de natureza cambiária que lhe era essencial e, portanto exigível. Deste modo, verifica-se assim que o requerente não logrou provar a existência do seu crédito, como lhe competia, considerando que o mesmo se fundava numa suposta obrigação cambiária do requerido que não se mostra perfeitamente formada na ordem jurídica".

  24. Interposto recurso para o Tribunal da Relação foi-lhe negado provimento por se entender, em síntese, que o aval não serve para garantir a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT