Acórdão nº 1131/10.4TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | CATARINA GON |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A...
, residente no lugar de (...), Abiúl, intentou acção, com processo sumário, contra Companhia de Seguros B... , S.A., com sede em Rua (...), Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 23.939,00€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até pagamento.
Alegava, para o efeito, que, no dia 13/06/2004, um veículo de sua propriedade foi interveniente num acidente de viação, em consequência do qual sofreu danos que implicaram a sua perda total, na medida em que o custo da reparação era superior ao seu valor venal. Mais alega que o valor venal do veículo, à data do acidente, era de 23.939,00€ e que, tendo outorgado com a Ré um contrato de seguro contra danos próprios, referente ao aludido veículo e com o capital seguro de 23.939,00€, está a mesma obrigada a pagar-lhe esse valor.
A Ré contestou, invocando a nulidade do contrato de seguro por declarações inexactas e dada a circunstância de o Autor ter declarado ser ele o condutor habitual do veículo, quando era o seu filho que o conduzia diariamente (como conduzia na ocasião do acidente), sendo que esta circunstância era relevante para a celebração do contrato e para o valor do prémio de seguro a pagar, em virtude de o filho do Autor ter 20 anos de idade e carta há menos de 2 anos; por outro lado, o Autor, ao participar o acidente, omitiu a intervenção no acidente do veículo IX, cujo condutor não era portador de carta de condução, nem de seguro e inspecção válidos, sendo que os condutores dos veículos – que eram amigos e regressavam de uma festa – combinaram omitir a participação deste veículo, quando é certo que o acidente ocorreu por encandeamento provocado pelo IX e cujo condutor não conseguiu imobilizar o veículo antes de embater no veículo do Autor depois de este ter chocado com um poste de iluminação. Mais alega que o valor venal do veículo era de 19.300,00€ e os salvados, que ficaram na posse do Autor, valiam 1.000,00€, para além de existir uma franquia de 478,78€.
Com estes fundamentos e impugnando alguns dos factos alegados conclui pedindo a sua absolvição, mais requerendo a intervenção acessória do Fundo de Garantia Automóvel, C...
e D...
, contra quem terá direito de regresso, caso venha a ser condenada.
O Autor respondeu, sustentando a validade do contrato de seguro e concluindo pela improcedência das excepções invocadas e pela procedência da acção.
Ouvido o Autor no que toca ao incidente de intervenção de terceiros, foi proferida decisão que rejeitou a requerida intervenção.
Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando improcedente a excepção de nulidade do contrato e julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 21.960,22€, acrescida de juros legais, a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
Discordando dessa decisão, a Ré veio interpor recurso de apelação, cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões: 1ª – Emerge o presente recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Pombal, a qual: a. considerou que o capital seguro na Ré Recorrente, ao abrigo de um contrato de seguro contra danos próprios celebrado com o Autor, de € 23.939,00 em resultado de choque, colisão e capotamento do veículo de matrícula (...)UN, corresponde à indemnização devida pela Ré pela “perda total” deste veículo “UN”, na sequência do acidente versado nos autos; e b. julgou improcedente a excepção peremptória da nulidade do contrato de seguro aduzida pela Ré, condenando esta a pagar ao Autor a quantia de € 21.960,22 e juros legais, após a citação.
É, pois, este o objecto da presente Apelação.
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– Afigura-se à ora Recorrente que a douta sentença recorrida faz inexacta apreciação dos factos provados, errando consequentemente na aplicação do direito.
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– Com relevância para o apontado na Conclusão que antecede, al.a., ficou nomeadamente assente a factualidade que segue: 1. O Autor outorgou, na qualidade de proprietário do veículo (...)UN, um contrato de seguro com a Ré em 23/01/03 em que, para além de outros riscos, se garantia o de choque, colisão e capotamento do veículo (...)UN (apólice nº 5070 /8015951 / 50).
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Nos termos das condições particulares do contrato de seguro, o capital seguro pelos danos decorrentes de choque, colisão e capotamento era de €23.939,00, com a franquia de 2%, no valor de € 478,78.
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Das ditas condições particulares do contrato de seguro, consta que o valor a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total como consequência dos riscos de choque, colisão e capotamento é o valor venal do veículo à data do acidente.
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– Da “Fundamentação de Facto” da douta sentença não resulta qual era o valor venal (ou de mercado) do veículo (...)UN à data do acidente, em 13/6/04.
Circunstância que releva, atento o referido em 3.da Conclusão anterior.
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– Em sede de “Fundamentação de Direito”, a fls 9, da douta sentença recorrida, diz-se que: “…o automóvel propriedade do Autor ficou quase integralmente destruído … de tal forma que o seu custo de reparação, era superior ao seu valor venal, isto é, o valor que o veículo teria no mercado …, pelo que ocorreu a “perda total” do veículo UN”.
E, a fls 14 da mesma douta sentença, diz-se que: “…recairá sobre a mesma a obrigação de suportar o pagamento dos danos materiais sofridos pelo veículo seguro, no montante de € 23.939,00, correspondente ao valor seguro atenta a perda total do mesmo”.
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– Constata-se deste modo a inteira insubsistência, e incongruência, dos Fundamentos da douta sentença, pelo que a Ré não pode deixar de respeitosamente discordar da mesma, dado que: - não se sabe a quanto montaram os danos materiais do veículo – apenas sabemos que o custo da reparação era superior ao seu valor venal, valor este que contudo se desconhece; e, - o capital seguro inicialmente contratado de € 23.939,00 não vincula para os efeitos de indemnização em caso de “perda total” do veículo, na medida em que o que in casu relevaria, face ao teor das condições particulares indicadas na Conclusão 3ª/3, seria o valor venal do mesmo à data do acidente, facto este contudo não comprovado nos autos.
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– Por conseguinte, não fazem sentido as contas feitas pelo douto Tribunal recorrido, de se deduzir o provado valor dos salvados de € 1.500,00 e o provado valor da franquia de € 478,78 ao valor do capital seguro em danos próprios inicialmente contratado com o Autor, de € 23.939,00, porquanto este “valor segurável” à data de 23/01/03 não constitui o “ponto de referência” para se avaliar e quantificar a indemnização porventura devida em 13-6-04.
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– Deste modo, espera - se ver alterada a douta decisão recorrida, em moldes de se vir a julgar totalmente improcedente a acção e a Ré Recorrente absolvida do pedido.
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– A douta sentença recorrida fez incorrecta apreciação da factualidade apurada e violou nomeadamente o disposto no art.º 562º do CC e no art.º 427º do Código Comercial, norma esta em vigor à data do acidente.
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– Com relevância para o Fundamento referenciado na Conclusão 1ª.b., resultou provada, nomeadamente, a seguinte matéria de facto, para além da apontada em II. A) I. (a fls 3), facto este que aqui se dá também por reproduzido para os devidos efeitos legais: 1. Aquando do preenchimento da proposta de seguro de fls 40 a 43 pelo Autor, em 23/1/03, referente ao veículo “UN”, o Autor nada fez constar sob a epígrafe “condutor habitual”, sendo certo contudo que, quem o utilizava a maior parte da semana nas suas deslocações para a escola e afazeres era o filho do Autor, G..., o que não obstava a que designadamente durante o fim de semana tal veículo fosse igualmente utilizado pelo resto da família.
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À data do acidente, o referido condutor tinha carta há menos de dois anos, sendo que, quando um condutor habitual tem carta há menos de dois anos, o prémio das coberturas de responsabilidade civil, choque, colisão e capotamento é agravado em 50%.
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A idade do condutor do “UN” e o facto de ter carta há menos de dois anos à data do acidente repercutem-se no montante do prémio de seguro, por ser maior o risco.
E, o acidente de viação sub judice, em que o condutor do “UN” era o indicado G..., filho do Autor, ocorreu num dia de domingo (CPC, art.º 514º, nº 1), concretamente em 13/6/2004, pelas 02.30h.
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– Com base na aludida matéria anteriormente transcrita, o douto Tribunal recorrido concluiu pela validade e eficácia do contrato de seguro, por a Ré não ter logrado demonstrar que não teria celebrado o contrato, ou que não o teria celebrado em termos muito próximos, se tivesse conhecimento da factualidade descrita na al. U) da matéria assente; e que essa mesma factualidade, por si só, não permitia que se extraísse a conclusão de que o Autor prestara declarações inexactas aquando do preenchimento da proposta de seguro, de forma dolosa ou negligente 12ª – Sem quebra de respeito pela tese sustentada em sede da douta sentença, pretende a Ré manifestar a sua discordância e pugnar pela procedência da nulidade do contrato de seguro, com fundamento no disposto no art.º 428º do Código Comercial (em vigor à data do acidente), com a consequente absolvição do pedido.
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- Da factualidade provada, nomeadamente em U), V), W) e X) da Matéria Assente, poder-se-à resumir a situação da forma seguinte: quem detinha, efectiva e realmente, interesse na coisa segura não era o Autor / proprietário do veículo, antes sim seu filho, o condutor G... atenta a sua qualidade de usual e frequente detentor, ou mero possuidor, do “UN: era ele quem o utilizava a maior parte da semana nas suas deslocações para a escola e afazeres e, sem prejuízo de o resto da...
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