Acórdão nº 372/09.1TBESP.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e BB instauraram uma acção contra CC e mulher, DD, pedindo que fossem condenados a reconhecer-lhes “o direito de passagem de carro e tractores sobre o seu terreno”, a afastar os “obstáculos que se opõem ao exercício efectivo do respectivo direito dos AA, mantendo para isso limpo e livre, desimpedido o caminho de acesso ao seu terreno, com uma entrada que permita a passagem de carros e tractores” e a pagar-lhes uma indemnização por danos não patrimoniais em quantia não inferior a € 2.000,00.

Como fundamento, invocaram existir sobre o prédio de que os réus são arrendatários, desde 1978, uma servidão de passagem em favor do prédio que habitam, que “foi constituída por usucapião”; que os artigos matriciais respectivos são geminados; que, desde 2008 e 2004, respectivamente, são proprietários de ambos os prédios; que os prédios pertenciam a EE, que doou aquele que habitam a FF que, por sua vez, o doou a GG, a quem o compraram em 23 de Abril de 2004; que compraram o prédio de que os réus são arrendatários a EE; que desde 1978 “os antepossuidores e directamente ou através de arrendatários (…) utilizavam a passagem do prédio arrendado para ter acesso à sua garagem”; mas que desde que adquiriram o prédio onde habitam foram impedidos pelos réus de aceder à garagem respectiva, que “não tem outro acesso ou entrada a não ser a que se encontra junto à casa dos RR”; que essa impossibilidade lhes causou danos não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem; que, da escritura de doação a FF, “consta” a “passagem pelo (…) terreno” dos réus.

Os réus contestaram, sustentando não existir nenhuma servidão; que o “direito de passagem” ressalvado por EE na escritura de doação a FF, sem se definir a extensão ou modo de exercício, “nunca chegou a ser materializado”; que não foram alertados por EE para a existência de qualquer servidão, quando com ele celebraram o contrato de arrendamento; que o então arrendatário do outro prédio, HH, também nunca foi informado da existência de qualquer servidão, passando pelo seu prédio para aceder à garagem porque a tanto o autorizaram; que nunca foi registada nenhuma servidão, nem referida na doação de FF a GG, nem na venda ao autor; que o seu terreno não apresenta quaisquer sinais que evidenciem a servidão, que nunca existiu.

Houve réplica.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 189, que decidiu: “– Condenar os réus CC e mulher, DD, enquanto arrendatários do prédio urbano correspondente ao artigo matricial ....° da freguesia de ..., Espinho, a reconhecer aos autores AA e mulher, BB, enquanto proprietários do prédio urbano correspondente ao artigo matricial ….° da mesma referida freguesia, o direito de passagem de veículos automóveis e agrícolas sobre faixa de terreno existente no primeiro dos referidos prédios, faixa de terreno essa que se desenvolve desde o local onde se encontra um portão que separa o referido prédio da rua pública designada por Rua …, até às traseiras do referido prédio, mais exactamente até ao local onde se situa a respectiva garagem, devendo consequentemente manter limpa, livre e desimpedida a referida faixa de terreno, de modo a permitir aos autores aceder, a partir da dita via pública, à garagem do prédio correspondente ao artigo matricial ….°, por meio dos referidos tipos de veículos, na medida em que a largura máxima possível da dita faixa o permita, que é condicionada desde logo pela máxima abertura possível do mencionado portão.

– Absolver os réus quanto ao mais peticionado pelos autores.” Em síntese, entendeu-se na sentença que não foram provados factos que suportem a constituição da servidão de passagem por usucapião; mas que se devia considerar que a servidão foi constituída pelo contrato de doação celebrado entre EE e FF e que, ainda que assim não fosse, sempre se deveria ter como constituída por destinação de bom pai de família, tendo em conta que ambos os prédios pertenceram a EE e que o prédio de que são arrendatários os réus tem sinais que revelam a existência da servidão (“No caso, da conjugação dos factos julgados provados e descritos sob os itens 2.1.2), 2.1.8), 2.1.11), 2.1.13), 2.1.14) e 2.1.15), resultam bem evidentes, ao que julgamos, sinais visíveis e permanentes reveladores de servidão de passagem nos termos a que já aludimos”).

Quanto ao pedido de indemnização, o tribunal considerou não verificados os respectivos requisitos (acto doloso ou negligente dos réus, gravidade dos danos).

Mas a sentença foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 309, nestes termos: “A acção foi estruturada no sentido de ser declarada a existência de uma servidão de passagem por usucapião (art. 1547º nº 1 do CC).

Como se refere na decisão recorrida inexiste factualidade que fundamente a aquisição por usucapião da peticionada servidão.

Contudo, o tribunal a quo, sob invocação dos poderes de livre subsunção da lei aos factos provados, considerou a existência da servidão em causa com fundamento em contrato e mesmo por destinação do pai de família.

Quanto ao contrato, o mesmo tem a ver com a sobredita doação de 23/5/78 onde se ressalvou um direito de passagem de veículos automóveis e agrícolas a onerar o prédio inscrito na matriz sob o art. ...º em benefício do inscrito sob o art. …º.

Contrato, em suma, é a convenção pela qual duas ou mais pessoas constituem, regulam, modificam ou extinguem relações jurídicas, regulando assim os seus interesses.

Neste contexto, considerando que na referida doação apenas se ressalvou o referido direito de passagem conclui-se que na mesma não se constituiu qualquer servidão ou seja não foi nesse acto que a mesma nasceu.

Consequentemente, inexiste servidão constituída por contrato.

Quanto à constituição por destinação do pai de família os pressupostos da mesma encontram-se enunciados no art. 1549º do CC.

Para que haja transformação da serventia em servidão torna-se necessário, além do mais, que a serventia seja aparente consubstanciada em sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios.

Em suma, se antes da alienação algum dos prédios desempenhasse ostensivamente uma função de serventia em relação ao outro o titular do prédio em benefício do qual a serventia se dava terá, em princípio, direito à constituição de uma servidão de igual conteúdo.

De acordo com a decisão recorrida esses sinais seriam os que constam dos factos provados sob os arts. 2.1.2), 2.1.8), 2.1.11) e 2.1.15) ou seja prédios geminados, com garagens, único acesso à pretendida garagem pelo terreno ocupado pelos réus e parte traseira dos prédios vedada em arame e existência, então de uma cancela.

Porém, os referidos factos não revelam os sobreditos sinais visíveis e permanentes postos em um ou em ambos os prédios ou seja não revelam a existência de sinais exteriores consubstanciadores da pretendida servidão (a passagem de carro e tractores para o fim em vista tinha que emanar de sinais existentes no próprio terreno, o que não se demonstra).

Aliás, sinais visíveis ficaram no terreno em virtude da passagem do então inquilino do prédio sob o art. …º e de outras passagens de veículos (factos provados sob os nºs 2.1.13 e 2.1.14) mas não relevam para o caso em apreço (os sinais, para efeito da servidão em causa, teriam que ser contemporâneos da separação dos prédios).

Consequentemente, inexiste servidão constituída por destinação do pai de família.

Seja como for, o direito de servidão (cfr art. 1543º do CC) respeita sempre a prédios pertencentes a pessoas diferentes o que não é o caso (os autores são proprietários dos dois prédios em causa).

A servidão extingue-se pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa (art. 1569º nº 1 al. a) do CC) pelo que, a existir servidão, com a aquisição pelos autores do prédio sob a matriz nº ...º a mesma extinguiu-se.

A constituir-se servidão por contrato em 1978 a mesma extinguiu-se em 1998 (art. 1569º nº 1 al. b) e 1571º do CC) pelo não uso.

Por sobreditos motivos, improcede, também, o pedido em questão.” 2. Os autores recorreram e apresentaram alegações, com as seguintes conclusões: “

  1. A presente acção foi julgada procedente pelo Tribunal de 1a Instância e improcedente pelo Tribunal da Relação do Porto, porquanto no entendimento daquele tribunal que bem decidiu, pela constituição valida por contrato, de uma servidão de passagem de veículos automóveis e agrícolas sobre a faixa de terreno existente no prédio urbano correspondente ao artigo matricial n° ...° da freguesia de ... – Espinho, em favor do prédio urbano correspondente ao artigo matricial n° …° da mesma freguesia, indo até mais longe ao entender que a mesma servidão, sempre se poderia e deveria ser reconhecida com fundamento no artigo 1549 do C.C Destinação do pai de família.

  2. Já o douto Tribunal da Relação, decidiu no sentido da inexistência de servidão quer por contrato, quer por destinação do pai de família, contrariando o então decidido pelo tribunal de primeira instância.

    C) O Tribunal recorrido utilizou um conceito jurídico abstracto de" contrato" sem sequer ao afastar o caso concreto de tal conceito, o tenha fundamentado de facto, referindo o porquê de tal situação estar a ser afastada.

    D) De acordo com um homem médio no momento da doação, o doador expressamente fez uma declaração negocial (contrato) expressa, clara e objectiva, no sentido da constituição da servidão. Do outro lado, o donatário, aceitou sem qualquer ressalva o que lhe foi doado com os encargos.

    E) Não considerou que a escritura de doação outorgada no Cartório Notarial de Espinho no dia 23/05/1978 constituísse qualquer servidão, pelo contrário entendeu, que apenas se tenha ressalvado o direito à referida passagem – vide documento de fls 36/39.

  3. Contrariando assim o disposto no art° 236 CC que refere: 1. A declaração negocial vale no sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do...

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