Acórdão nº 43/14 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução09 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 43/2014

Processo n.º 186/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

  1. A. e B. interpuseram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 89.ºA, n.º 7, da Lei Geral Tributária (LGT), e 146.º-B, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), da decisão do Diretor de Finanças do Porto que procedeu à fixação do seu rendimento coletável em IRS, nos termos da tabela constante do n.º 4 do artigo 89.ºA da LGT, relativamente a cada um dos anos de 2008, 2009 e 2010.

    Por sentença proferida em 3 de janeiro de 2013, foi dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, tomando como alicerce os seguintes fundamentos:

    (…) [N]o caso em apreço foi ao abrigo do estatuído no n. 4 do artigo 89º-A da LGT que o Recorrido procedeu à fixação de rendimento tributável no montante de 51.800,00€ para os anos de 2008, 2009 e 2010.

    Assim, porque releva para a apreciação da presente lide importa enquadrar a noção de “manifestações de fortuna” de que aqui tratamos.

    As manifestações de fortuna são os sinais exteriores de riqueza, como tal tipificados no citado artigo 89º A da LGT. Constituem comportamentos do sujeito passivo relevados pela lei como exteriorizadores de determinados rendimentos/capacidade contributiva, os quais, se não forem declarados pelo contribuinte, ou declarados em montante inferior ao que resulta dos indicadores eleitos pelo legislador, são por este presumidos como obtidos e não declarados. Nesta conformidade, são, assim, enquadrados na categoria G respeitante a acréscimo patrimoniais não justificados.

    Em suma, a manifestação de fortuna reconduz-se à dedução de um facto desconhecido – o rendimento – a partir de um facto conhecido/manifestado e, justifica-se, como medida de prevenção e combate à evasão fiscal, sendo determinado por princípios de justiça e igualdade fiscal.

    Posto isto, impõe-se, agora, atentar no que seja o princípio da capacidade contributiva.

    Este princípio encontra-se consagrado no artigo 4º n. 1 da LGT que prevê “Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.”

    Em suma, e nas palavras de Diogo Leite Campos e Mónica Horta Neves Leite Campos, a capacidade contributiva é “(...) um fenómeno jurídico-económico, sendo medida pela riqueza, pelo rendimento ou pela despesa do sujeito. (...) É a idoneidade económica para suportar o ónus do tributo.” Afirmam ainda, que “(...) Para que se atinja esta realidade, haverá que fixar métodos de determinação da matéria colectável que permitam atingi-la. Não a escamoteando ou substituindo por outra. Se não houver procedimentos adequados a atingir a realidade indicada, estaremos perante normas inconstitucionais – por violarem os princípios da capacidade contributiva, da matéria colectável e da igualdade – in Direito tributário, 2ª ed., pág. 127 a 129.

    Adicionalmente, do vocábulo “essencialmente” que vem enunciado naquele normativo retira-se que a capacidade contributiva é, não só, o ponto de partida para a tributação, como também a medida que lhe está sempre subjacente. Pode, certamente, ser coadjuvada por outros princípios, mas o princípio da capacidade contributiva deverá estar sempre presente. Neste sentido, refira-se, que julga o Tribunal serem os indicadores constantes do preceituado no artigo 89º A n. 4 compatíveis com o princípio da capacidade contributiva, todavia, apenas na medida em que aqueles constituam uma aproximação à tributação real, ou seja, na medida em que indiciem, fundadamente, uma realidade tributária.

    Por fim, atentemos no que sobre este princípio, afirmou o Tribunal Constitucional, ainda que no âmbito de matéria diversa daquela que aqui tratamos:

    “Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5º edição, Coimbra, 2009, pp. 151-152).

    Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva constituição fiscal e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., p. 152; explicitando este ponto de vista, Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, A tributação das gratificações em sede de IRS: a propósito do acórdão n.º 497/97, do Tribunal Constitucional, in «Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Professor João Lumbrales», Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2000, pp. 976-978).

    Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., p. 154; sobre a capacidade contributiva como critério constitucionalmente adequado à repartição dos impostos, Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, Coimbra, 2008, pp. 52 & segs.).

    Em todo o caso, o direito dos impostos está particularmente condicionado pelo princípio da praticabilidade, que conduz à exclusão não só das soluções impossíveis de levar à prática mas também das soluções economicamente insustentáveis.

    É isso que o mesmo autor esclarece, a propósito do princípio da igualdade fiscal.

    “Especificamente, o princípio da igualdade fiscal tem de actuar no contexto dum direito fiscal que, para ser exequível e praticável, reclama com veemência a sua simplificação a conseguir sobretudo através do recurso à tipificação ou estandardização (quantitativa ou qualitativa) das leis fiscais. Um recurso relativamente ao qual o legislador não é, porém, totalmente livre, já que, para além de ter de respeitar o princípio da proibição do excesso ao lançar mão desse instrumento de simplificação, há-de socorrer-se de tipificações objectivamente assentes em efectivas situações típicas e admitir que a administração fiscal possa socorrer-se de ‘medidas equitativas’, dispensando-a assim de observar as tipificações legais naquelas situações em que o seu respeito conduza a intoleráveis iniquidades.”

    Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no Acórdão n.º 142/04 (que reproduziu em parte o que já se afirmara no Acórdão n.º 452/03), onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos impostos fiscais mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)».

    O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

    Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04).

    O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionada com a racionalização do sistema.

    Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos...

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