Acórdão nº 1314/09.0PAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA PAUPÉRIO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1314/09.0PAVNG.P1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I)- Relatório Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correram termos pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi a arguida B… condenada pela autoria de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217º nº 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 20,00€, ou seja na multa de 2.400,00€.

Inconformada com a decisão proferida dela veio a arguida interpor recurso nos termos e pelos fundamentos que expende nas suas alegações e que se constam de folhas 264 a 289 dos autos e que sintetiza nas conclusões seguintes: “I - DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA II. O vício acima referido revela-se através de uma insuficiência de fundamentação atentas as regras da experiência comum, evidenciada por uma relação de incompatibilidade ou míngua de premissas, em termos tais que a afirmação de um facto não implique necessariamente a verificação de outro, e assim reciprocamente.

III É violado o principio, quando o tribunal “a quo” considera que o facto de a arguida não ter comunicado a compra à polícia judiciária abalou todos os elementos de prova, considerados, até então, consistentes, pela meritíssima juiz, e inverteu toda a convicção do tribunal “a quo” servindo por si só para justificar a decisão da matéria de facto que deu como provada.

  1. É o que sucede, com a sentença recorrida, ora, confrontando a matéria dada como provada e a própria fundamentação verifica-se a insuficiência de premissas para a sua concretização.

  2. Quando muito a falta de comunicação do negócio à polícia judiciária encerra em si uma ilegalidade que poderá gerar a abertura de um processo de contra-ordenação.

  3. Ora, com a motivação aduzida nunca poderia o tribunal «a quo” decidir da forma como o fez, encerrando assim a sentença o vício alegado.

  4. DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO VIII. Entende a recorrente que existem concretos pontos da matéria de facto considerada provada que constam da douta sentença e que foram incorrectamente julgados.

  5. O tribunal recorrido formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, que valorou livremente fazendo apelo a regras da experiencia comum e normalidade do acontecer.

  6. Foi erradamente considerado como facto provado que a ofendida telefonou para o número de telefone referido num anúncio do C… de 12-06-2009, anuncio que se publicitava a “compra e venda: ouro usado, pratas — jóias — cautelas de penhor”, fazendo-se referencia a estabelecimento situado na … n….., .. direito, em Gaia.

  7. Dos depoimentos prestados pela ofendida D… e da testemunha E…, as únicas que se pronunciaram sobre tal facto, não resulta que a ofendida tenha telefonado para um número de telefone referido num anúncio do C… de 12-06-2009, mas sim com base num anúncio do C… de 20-06-2009.

    XII.

    Foi também erradamente considerado como facto provado que, “Na ocasião, e ainda na concretização do seu intento de se apoderar dos mencionados objectos em ouro por uma quantia inferior ao respectivo valor do mercado, a arguida apresentou à ofendida a declaração intitulada “declaração de venda”, na qual se consignava que a ofendida vendia à F…, Lda., os mencionados objectos em ouro, pelo valor de 450,00€ dizendo à ofendida de que era necessário que esta assinasse a mesma, para que a arguida pudesse ficar na posse dos objectos e, consequentemente, lhe entregar a quantia monetária em causa, o que D… fez, confiando na arguida.” XIII. A recorrente entende ter ficado suficientemente provado que a arguida e a ofendida realizaram um negócio de compra e venda de ouro.

  8. Das declarações prestadas pela ofendida em audiência de julgamento resulta que a mesma verificou e teve consciência do objecto do contrato celebrado e de todo o seu conteúdo, tendo-se, aliás, conformado com o mesmo.

  9. Do depoimento da testemunha G…, sua amiga de longa data, e atentas as regras da experiência, resulta ser muito pouco provável que a ofendida em virtude da sua elevada instrução fosse assinar um contrato de compra e venda sem o perfeito conhecimento do mesmo e das suas consequências.

  10. É também dado como provado na resenha factual da sentença que, “Cerca de uma semana depois, ou seja, no sábado seguinte, dia 27 de Junho de 2009, a ofendida na posse da quantia de 450,00€, deslocou-se novamente ao mencionado estabelecimento da arguida, com vista a recuperar os seus objectos em ouro Na 2ª feira seguinte, a ofendida deslocou-se novamente ao estabelecimento da arguida, onde contactou com a mesma que, novamente, recusou devolver os mencionados objectos em ouro, em contrapartida da quantia de 450,00€ que a ofendida lhe pretendia entregar.”.

  11. Contudo, analisando em concreto os depoimentos da testemunha E… que acompanhou a ofendida nessa deslocação, e da testemunha G…, ressalta que, a ofendida e a testemunha E… apenas se deslocaram ao estabelecimento da arguida para resgatar as peças 27 dias após a venda das mesmas, ou seja, no dia 17 de Julho de 2009.

  12. A ofendida apresentou sobre estes factos uma versão distinta, falaciosa e pouco credível, pretendendo com isso encobrir o decurso do prazo entre a venda e a tentativa de resgate dos bens em ouro de forma a sustentar a acusação apresentada nos autos.

  13. DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO XX. Entende a recorrente que, face à alteração da matéria de facto supra referida se impõe a absolvição da arguida da prática do crime pelo qual vem condenada e bem assim do pedido cível.

  14. DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO IN DUBIO PRO REO, XXII. No momento da celebração do negócio de compra, a arguida e a ofendida, fizeram-no, de forma espontânea, livre e conscienciosa, desde logo, por ser claro e resultar do documento assinado que se tratava de uma venda de ouro como foi, aliás, reconhecido pela ofendida no seu depoimento.

  15. Atendendo à escolaridade da ofendida, nomeadamente, à elevada instrução na área do direito, resulta com base nos pressupostos da experiência normal de vida que a mesma tinha a perfeita consciência do negócio que estava a realizar.

  16. Nenhuma das testemunhas de defesa afirmou ter presenciado a negociação dos termos do acordo e a outorga do contrato de venda celebrado entre a ofendida e a arguida.

  17. É de salientar a forma falaciosa e persistente como a ofendida tentou alterar a verdade dos factos, no que respeita ao objecto do contrato celebrado, à sua escolaridade e à data em que se apresentou no estabelecimento da arguida para resgatar os bens em ouro.

  18. Os factos, testemunhos e documentos corroboram integralmente a tese apresentada pela arguida.

  19. Perante o confronto das versões apresentadas pela ofendida e arguida, extrai-se da motivação que o tribunal “a quo” formulou a sua convicção com base apenas na descrição factual da assistente D….

  20. Sendo certo que pela análise do conteúdo do depoimento da ofendida sobressaem fortes discrepâncias quando confrontado com o depoimento da arguida, testemunhas e documentos.

  21. A ofendida é a pessoa que intervém no processo penal para ai fazer valer os seus interesses, ou seja, é um sujeito processual com interesse directo no desfecho da causa.

  22. Na opinião, da recorrente, o tribunal decidiu in pejus, contra a arguida, depois de reconhecer a consistência dos seus elementos de prova, aliás, expresso, na fundamentação da douta sentença, quando posteriormente não reconhece o seu estado de dúvida, resultante da confrontação das diversas provas produzidas nos autos e que por si só ou juntamente com as regras da experiência, obrigavam a tal.

  23. Por tudo isto, deve a sentença ser revogada e a arguida absolvida da prática do crime pelo que vem condenada e inerentemente do pagamento da indemnização civil.

    A este recurso respondeu o Ministério Público nos termos que constam de folhas 298 a 305 dos autos concluindo pela sua improcedência.

    Também a assistente veio apresentar a sua resposta, nos termos que constam de folhas 306 a 324, igualmente sufragando o entendimento de que o recurso deve ser julgado improcedente.

    Neste Tribunal da Relação o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu o seu Parecer no sentido de não merecer nenhum reparo a decisão proferida.

    Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada veio a ser acrescentado nos autos.

    Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.

    II- Fundamentação: A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes: (transcrição) “No dia 20 de junho de 2009, sábado, D…, necessitando de imediato de determinada quantia monetária que lhe possibilitasse pagar a renda da casa em que habitava, onde também habitavam os seus pais que na ocasião se encontravam acamados, que ascendia a cerca de 400,00€ mensais e ainda de obter algum dinheiro para adquirir bens e primeira necessidade, decidiu ‘penhorar” os seus objectos em ouro, ou seja, entregar objectos em ouro que possuía em estabelecimento adequado, mediante contrapartida monetária, com a possibilidade de os recuperar cerca de uma semana depois, ocasião em que receberia a pensão de reforma dos seus progenitores, o que lhe possibilitava devolver a quantia monetária e recuperar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT