Acórdão nº 154/05.0GARSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 154/05.0GARSD.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no Tribunal Judicial de Resende com o nº 154/05.0GARSD, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 05.02.2013, que condenou o arguido: - pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave p. e p. no artº 144º al. d) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e acompanhada de regime de prova; - a pagar aos demandantes C…, D…, E… e F… a quantia de € 2.633,33 a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida, em ambos os casos, de juros de mora, sendo sobre a primeira quantia desde a data da notificação e sobre a segunda desde a data do acórdão condenatório, até integral pagamento; - a pagar ao demandante Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. a quantia de € 6.793,94 acrescida de juros legais desde a notificação até integral pagamento; - a pagar ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. a quantia de € 1.136,28, acrescida de juros legais desde a notificação até integral pagamento.

Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objeto matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos; 2. O Ministério Público imputou ao arguido: a) a autoria material de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º nºs 1 e 2, 73º nºs 1 als. a) e b) e 131º, todos do Cód. Penal, com a agravação prevista nos nºs. 3 e 4 do artº 86º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro e republicada pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio; b) Realizada a audiência de julgamento e, finda a produção de prova, o Tribunal, oficiosamente, no uso da faculdade conferida pelo disposto no artº 358º nº 1 do C.P.P. deliberou proceder a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação no sentido de “Imputar-se ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física grave p. e p. pelo artº 144º al. d) do Cód. Penal (presentemente com a agravação prevista nos nºs. 3 e 4 do artº 86º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro – Regime Jurídico das armas e suas munições, republicada pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio”.

Alterações estas que as partes aceitaram; 3. O acórdão recorrido reconheceu que o arguido agiu em legítima defesa mas condenou-o por a ter exercido com excesso apesar de ter reconhecido e aceite que a atuação do recorrente se enquadrava no denominado excesso asténico, devido ao medo, susto e perturbação e não lhe sendo censuráveis tais causas motivadoras – cfr. fls. 19 e 20 do acórdão; 4. Impunha-se nos termos do nº 2 do artº 33º do C.P., subsumir o comportamento do arguido na cláusula geral de exclusão da culpa e sua consequente não punição antes se decretando a sua absolvição, em obediência ao princípio de “sem culpa não há punição – nulla poena sine culpa”; 5. O acórdão viola a al. b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P. existindo contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pedindo-se, em consequência, a sua total revogação; 6. Para a hipótese de assim não suceder, o recorrente sindica as respostas que mereceram os factos nºs. 6, 8 e 9 da acusação pública com idêntica numeração nos factos provados com fundamento nos depoimentos das testemunhas G… e H… e relatórios clínicos, respetivamente, para o facto nº 6, 8 e 9, sendo ambos os depoimentos isentos e imparciais; 7. A resposta dada ao facto nº 6 não traduz, com fidelidade, o depoimento da testemunha, parecendo-nos que a deveria ter respondido da forma que segue ou doutra de sentido idêntico: “Entretanto, o I…, sempre acompanhado da irmã e cunhado, saiu do local, seguiu pelo caminho público procurando encontrar o arguido junta da casa da testemunha G…, tendo esta ao vê-los dito ao arguido “foge, vai-te embora, que eles vêm aí”; 8. Os caminhos eram bem conhecidos pelo ofendido fazendo parte do caminho público quer os degraus quer o troço do caminho em frente à sua casa, sendo aqui que desembocava obrigatoriamente o percurso seguido pelo arguido; 9. Tem-se por incorretamente julgado o ponto do nº 8 onde se afirma que o arguido “…disparou sobre o ofendido quatro tiros seguidos”, pelo facto do Tribunal se ter limitado a fundamentar a sua convicção no Registo Clínico do Hospital Distrital de Lamego desvalorizando, ao contrário, os registo clínicos do H.U. de Coimbra que referem apenas três feridas perfurantes por bala, sendo objetivos e dignos de crédito como o de Lamego. Cfr. fls. 335 dos autos e outras; 10. Na falta de mais elementos clarificadores dos Relatórios Clínicos deveria ter prevalecido o princípio de “in dubio pro reo” dando por assente terem sido disparados ao ofendido apenas 3 tiros por da prova testemunhal nada se ter apurado quanto a esse facto; 11. Para o recorrente, o Tribunal fez uso incorreto do princípio da livre apreciação da prova conferido pelo artº 127º do CPP, o que sindicam; 12. Dos factos que foram dados como não provados tem como incorretamente decidido não se ter dado como provado que o ofendido tenha proferido a expressão “vou-lhe cortar o pescoço” que consta do depoimento da testemunha J… – a 4ª testemunha indicada na acusação do Mº Pº, cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação gigital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo referindo a propósito: “Passei à porta dele (I…); ele ia a passar no caminho e ouvi-lhe as expressões …. “hei-de cortar-lhe o pescoço como quem corta a um cão”; 13. Depoimento que o tribunal a fls. 10 da decisão aceita mas desconsidera-o, por completo por, segundo diz, o Tribunal ficou sem perceber qual o exato momento em que a testemunha ouviu esta expressão, parecendo sim que estaria a referir-se ao primeiro momento” cfr. fls. 13, 1º parágrafo do acórdão; 14. Deve considerar-se relevante este facto, independentemente de ter sido proferido no 1º ou 2º momento, momento este que mais não é que a continuação do 1º, por tal circunstância não descaracteriza a carga de violência, perturbação e medo que o seu conteúdo em si mesmo, comporta e que, efetivamente causou no arguido causando um verdadeiro estado de afeto asténico; 15. Ao não valorar e ao não dar como provado que o arguido proferiu aquela expressão o Tribunal violou a al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP, de forma lesiva para o recorrente ou, então, houve um erro na sua valoração; ao contrário, do entendimento do Tribunal, deveria ser respondido no sentido seguinte: “provado que proferiu essa expressão, ficando sem saber-se se no 1º ou 2º momento; Em todos os pontos da matéria de facto indicada estamos perante um erro notório de julgamento dessa matéria.

16. Revemo-nos nas doutas considerações jurídicas plasmadas no Acórdão de fls. 14, 15, 16, 17 e 18, respeitante à legítima defesa que aceitamos ter existido na conduta do arguido, questionamos apenas se existiu ou não excesso de legítima defesa e se este, a existir, foi doloso ou culposo, tendo, para nós, que o arguido não exorbitou dos meios utilizados e, se utilizados, o foi motivado pelo medo, susto e perturbação como o reconhece o Acórdão recorrido; 17. Na circunstância concreto em que os factos se processaram não era exigível ao arguido/defendente rápida e minuciosa valoração dos bens em jogo e meio utilizado para sua salvaguarda e cujo juízo valorativo deve reportar-se à situação “ex ante” onde rápido só é o tempo e o medo da perda de vida e o susto e perturbação a única medida da reação. “A posteriori” poderá ser possível e teoricamente fácil aquilatar da medida precisa e justa do modo de defesa mas só então porque aí o relógio para … 18. O nosso sistema jurídico protege quer a integridade física e a vida do ofendido mas também a do arguido e contra este estava em execução um crime não só de ofensa à sua honra, como também à sua integridade física e de morte como um cão e corte do pescoço, ou seja, o “iter criminis” iniciara-se e iria consumar-se da forma acima descrita; 19. Convenhamos que este cenário não era favorável em nada a uma valoração rápida, minuciosa e ponderada dos bens e meio em jogo, vindo à tona de qualquer homem o instinto da sobrevivência não existindo tempo e espaço para a frieza do raciocínio de forma a encontrar, com ponderação, a medida justa da sua reação e resposta; 20. Para o caso do Tribunal de 2ª instância não sufragar a posição do recorrido, o que sempre teremos de aceitar como hipótese de trabalho, trazemos também a Vosso Juízo a medida da pena aplicada ao arguido que beneficiando de atenuação especial, conforme Acórdão, a fls. 20, não se encontra bem graduada nos termos combinados de artºs. 144º al. d), 72º e 73º, todos do C.Penal devendo o seu limite máximo não ultrapassar os 36 a 40 meses. Atento o passado do arguido, ser primário, o relatório da Segurança Social imporiam, igualmente, a desnecessidade da aplicação da medida prevista a nº 2 da decisão (fls. 31); 21. O recorrente deve ser absolvido conjuntamente com a absolvição penal, mas para o caso do Tribunal de recurso assim o não entender, atento o baixo grau de culpa do recorrente e, ainda, o comportamento agressivo do ofendido para com a esposa e familiares, entendemos que, por razões de equidade, os danos morais nunca deverão ir acima dos seis mil euros (€ 6.000,00).

*Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela respetiva improcedência.

*Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser ordenado o reenvio parcial uma vez que a decisão recorrida padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação e, caso se...

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