Acórdão nº 107/12.1GDVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução27 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 107/12.1GDVFR.P1 Santa Maria da Feira Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

  1. secção criminal.

I-Relatório.

No Processo Comum Colectivo n.º 107/12.1GDVFR do 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira foi submetido a julgamento o arguido B…, com os demais elementos identificativos constantes do acórdão.

O acórdão de 24 de abril de 2013, depositado no mesmo dia, foi deliberado: “Face ao exposto, acorda este Colectivo em julgar procedente a acusação pública, condenando o Arguido B… pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coacção agravada, previstos pelo arts. 154º/1 e 155º/1 c) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses para cada um deles, fixando a pena única em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, que se suspende na sua execução por idêntico período, a contar da data do trânsito em julgado do presente acórdão.

Custas criminais: por conta do arguido, fixando-se a taxa de justiça em duas u.c. [arts. 513º e 514º do C.P.P., 8º/5 do R.C.P. e a Tabela III anexa).

*Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 112 a 120, que remata com as seguintes conclusões: I) - O douto acórdão recorrido deu como provado que as senhoras inspectoras: a) "...... deslocaram-se às instalações fabris para identificarem os trabalhadores aí presentes, o que não conseguiram fazer porque alguns ausentaram-se do local, o que as levou a dar por concluída aquela concreta accão inspectiva e a aguardarem no exterior pela chegada do arguido" (n.º 3 factos provados).

  1. "toda a actuação do arguido provocou de facto nas sras. inspectoras um sentimento de receio quanto ao que aquele pudesse vir a fazer, e por isso acabaram por regressar meses mais tarde à empresa para levar a cabo a acção inspectiva a que se tinham proposto, mas acompanhadas de elementos da autoridade policial" (nº 11 dos factos provados).

  2. "ao proferir as expressões acima referidas, que dirigiu às sras. inspectoras, pretendia o arguido provocar nelas um sentimento de medo e inquietação, por forma a constrange-las na sua liberdade de decisão e acção, com o propósito de as determinar a não mais levarem a cabo uma acção inspectiva naquela empresa" (n.º 10 factos provados).

    II) - e como não provado: "Que no dia dos factos apenas tenham desistido de proceder à accão inspectiva ante a atitude do arguido (al. b) factos não provados).

    face a tal matéria de facto dada como provada e não provada III) - o mesmo douto acórdão condenou o recorrente pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coação agravada, previstos pelos arts. 154.º n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c) do código penal.

    sucede que, IV) - dos factos dados como provados não resulta, de modo algum, que as senhoras Inspectoras, face à ameaca, tenham sido levadas a praticar um acto que não desejassem, nem tão pouco a não fazer algo que desejassem fazer.

    sendo certo, V) - que ao contrário do que decidiu o douto acórdão recorrido, o realizar nova acção inspectiva, passado meses, acompanhadas de elementos da autoridade policial, não preenche o elemento essencial do crime de coação acima referido.

    termos em que, VI) - Dos factos dados como provados resulta, tão somente, que o recorrente pretendeu com a ameaça constranger as inspectoras na sua futura liberdade de acção e decisão, tendo-lhes provocado um sentimento de receio quanto ao que o mesmo viesse a fazer.

    tais factos provados, VII) - Traduzem a pratica de crime de ameaça previsto no art. 153.º n.º 1 do Cód. Penal.

    termos em que, VIII) - O recorrente não praticou dois crimes de coação agravada p. e. p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, como entendeu e decidiu o douto acórdão recorrido.

    mais sim, IX) - dois crimes de ameaça agravados p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. c) do mesmo código.

    X) - devendo por tais crimes, e, atento que face aos factos provados estamos "mediante arguido arrependido, que pediu desculpas às ofendidas, confessou, agiu em estado de nervosismo em consequência de dificuldades económicas, integrado social e familiarmente, sendo delinquente primário" XI) - condenar-se o mesmo em pena de multa, em medida muito próxima do mínimo da moldura do concurso, à razão de € 5,00 por cada dia, dado aquela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    termos em que, XII) - decidindo, como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 154.º, n.º 1 e 153.º n.º 1, e, ainda, quanto à pena o disposto no art. 155.º, n.º 1 todos do Cód. Penal.

    pelo que, XIII) - deve ser revogado, condenando-se o recorrente nos termos acima expostos.

    Termina pedindo seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, condenando-se o recorrente pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, em pena única de multa situada muito próximo do mínimo da moldura estabelecida para o concurso, à razão de € 5,00 por cada dia de multa.

    *O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 122.

    O Mº Pº junto do Tribunal respondeu, conforme fls. 125 a 128, pugnando pela negação de provimento ao recurso.

    Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, pois entende que o acórdão é nulo – nos termos do artigo 379º al. b) do CPP - por o tribunal ter efectuado uma alteração dos factos que constavam da acusação, que qualifica de substancial, fora do circunstancialismo previsto no artigo 359º do CPP.

    Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *II- Fundamentação.

    Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

    1. -Questões a decidir.

      Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Qualificação jurídica dos factos.

      - Penas parcelares e pena única.

      *2. Factos Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.

      2.1. Os factos provados Realizada a audiência de julgamento, consideram-se assentes os seguintes factos: 1) O arguido é gerente da sociedade “C…, Lda.”, sita na Rua …, nº .., em …, Santa Maria da Feira.

      2) No dia 6 de Fevereiro de 2012, pelas 11h45, D… e E…, ambas Inspectoras da “Autoridade para as Condições no Trabalho”, dirigiram-se à sede da referida sociedade para efectuar uma visita inspectiva às condições de trabalho na mesma.

      3) Aí chegadas, foram recebidas por um irmão do Arguido, e enquanto aguardavam a chegada deste deslocaram-se às instalações fabris para identificarem os trabalhadores aí presentes, o que não conseguiram fazer porque alguns ausentaram-se do local, o que as levou a dar por concluída aquela concreta acção inspectiva e a aguardarem no exterior pela chegada do arguido.

      4) Quando se encontravam junto ao portão de saída das instalações fabris, o arguido chegou numa viatura, a qual travou de forma brusca junto do local onde se encontravam as Sras. Inspectoras.

      5) De imediato o arguido saiu da viatura e, manifestando-se desagradado com a deslocação das Sras. Inspectoras às instalações da empresa, aproximou-se das mesmas e dirigiu-lhes palavras não concretamente apuradas, em tom de voz alterado e ameaçador.

      6) As Sras. Inspectoras temeram pela sua integridade física e decidiram abandonar o local.

      7) Quando as Sras. Inspectoras já se encontravam no interior do veículo em que se haviam feito transportar, o Arguido atravessou o seu próprio veículo à frente do delas, dificultando a sua passagem.

      8) O Arguido saiu então do seu veículo, abriu a porta do passageiro do veículo conduzido pelas Sras. Inspectoras e disse-lhes que caso regressassem às instalações da empresa «que as fodia».

      9) As Sras. Inspectoras temeram então ainda mais pela sua integridade física.

      10) Ao proferir as expressões acima referidas, que dirigiu às Sras. Inspectoras, pretendia o Arguido provocar nelas um sentimento de medo e inquietação, por forma a constrangê-las na sua liberdade de decisão e acção, com o propósito de as determinar a não mais levarem a cabo uma acção inspectiva naquela empresa.

      11) Toda a actuação do Arguido provocou de facto nas Sras. Inspectoras um sentimento de receio quanto ao que aquele pudesse vir a fazer, e por isso acabaram por regressar meses mais tarde à empresa para levar a cabo a acção inspectiva a que se tinham proposto, mas acompanhadas de elementos da autoridade policial.

      12) Bem sabia o Arguido que D… e E… eram ambas Inspectoras da “Autoridade para as Condições no Trabalho”, e que se tinham deslocado ao local para procederem a uma inspecção no âmbito das suas funções públicas, e mesmo assim não se coibiu de as ameaçar nos termos acima descritos.

      13) O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

      *14) O arguido andava à data nervoso em virtude das dificuldades económicas atravessadas pela empresa...; 15) …está arrependido da atitude que adoptou e pediu entretanto desculpa às Sras. Inspectoras…; 16) …aufere na empresa a quantia mensal líquida de € 632,00…; 17) …vive com a esposa, que é gestora financeira na mesma empresa e que aufere a quantia mensal de € 1.118,00…; 18) …tem quatro filhos – de 23, 13, 9 e 5 anos – o mais velho dos quais é trabalhador-estudante…; 19) …suporta, juntamente com a esposa, a prestação bancária correspondente ao empréstimo para compra da...

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