Acórdão nº 322/04.1TAMLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelAUGUSTO LOURENÇO
Data da Resolução27 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 322/04.1TALMG, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, foi o arguido, B… julgado e condenado em processo comum colectivo, nos seguintes termos: - «Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo em: 1. Condenar o arguido B… pela prática, em concurso real, de: - um crime de escravidão (na pessoa de C…), p. e p. pelo art. 159º al. a) do cód. penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e, - dois crimes de burla relativa a trabalho ou emprego (nas pessoas de D… e C…), p. e p. pelo art. 222° nº 1 do cód. penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão para cada um dos crimes.

  1. Condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

  2. Absolver o arguido do segundo crime de escravidão (na pessoa de D…) 4. Condenar o arguido E… pela prática, em concurso real, de: - dois crimes de burla relativa a trabalho ou emprego (nas pessoas de D… e C…), p. e p. pelo art. 222° nº 1 do cód. penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão para cada um dos crimes.

  3. Condenar o arguido na pena única de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

  4. Absolver o arguido dos dois crimes de escravidão pelos quais vinha também acusado.

  5. Absolver a arguida de todos os crimes pelos quais vinha acusada».

    *Inconformado com a sentença, veio o arguido B… a recorrer nos termos de fls. 493 a 519, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1. O arguido e recorrente encontrava-se acusado da prática de dois crimes de escravidão, crime esse previsto e punido pelo arfo 159°, alíneas a) e b) do Código Penal, em concurso aparente com dois de sequestro, previsto e punido este pelo art 158°, n° 2, alíneas a) e b), dois crimes de coacção agravada, previsto e punido este pelos artº(s) 154°, nº 1 e 143° e 145º nº 1, alínea a) por referência ao artº n° 132°, nº 2, alínea g), e dois crimes de burla relativa a trabalho ou emprego, previsto e punido pelo artº 222°, n° 1, todos do Código Penal, sendo que, foi condenado pela prática de dois crimes de burla relativa a trabalho ou emprego (um na pessoa do D… e outro na pessoa do C…) e de um de escravatura na pessoa do C…a.

  6. Não resulta da matéria de facto dada como provada a prática do crime de burla relativa a trabalho ou emprego na pessoa do C…, isto porque, da matéria dada como provada resulta como agente do mesmo o seu irmão, E…, por cuja prática foi também condenado.

  7. A Douta decisão em crise violou pois o artº nº 222º do Código Penal, sendo que, o recorrente apenas admite a prática deste ilícito na pessoa do D….

  8. O recorrente também devia ter sido absolvido pela prática do crime de escravatura na pessoa do C…, à semelhando do que ocorreu com o D…, pelo que, com a sua condenação em relação a este crime foi violado o artº 159° alínea a) do Código Penal.

  9. O Tribunal Judicial de Lamego, e os Tribunais Portugueses, são incompetentes para o Julgamento dos presentes autos, excepção que expressamente se invoca uma vez que, os factos terão pretensamente ocorrido no Reino de Espanha.

  10. A Decisão em crise, a ser assim, é também inconstitucional porque viola o princípio do Juiz Natural. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca, uma vez que foi Julgado por quem não tinha competência territorial e internacional para proceder ao Julgamento.

  11. Foi a morada do recorrente da cidade de Vigo justamente a indicada para prestar termo de identidade e residência, eram os Tribunais espanhóis, mais concretamente os que coincidiriam com o alegado local da prática dos factos imputados ao arguido, competentes para proceder ao ligamento dos mesmos.

  12. O supra exposto deverá conduzir à anulação do Julgamento e à declaração de incompetência territorial e internacional para o Julgamento dos factos sub judice, sendo que expressamente se invoca tal excepção e bem assim da violação do princípio Constitucional do Juiz natural.

  13. A Douta Sentença (acórdão) em crise, e salvo o devido respeito, não tem sustentáculo, nem de facto nem de direito, que suportem a condenação do arguido, nomeada e concretamente, em relação ao crime de escravatura.

  14. Não resulta da prova carreada para os autos que o arguido tenha reduzido o C… ao estado ou condição de escravo, pelo que não se encontra verificado o crime de escravatura.

  15. Salvo o devido respeito por diversa opinião, a matéria de facto dada como provada (e embora como se tentará demonstrar existe matéria mal apreciada e julgada e bem assim de outra que é relevante e à qual não foi dada relevância), não é susceptível de preencher o tipo legal de crime por cuja prática o arguido foi condenado.

  16. Entre outros, o n° 44 dos factos provados encontra-se incorrectamente julgado porque consta do documento do Hospital …, na cidade de Vigo, em Espanha, dia em que o C… deu entrada naquela unidade Hospitalar e quanto tempo permaneceu internado é aí referido que o paciente, além da patologia que motivou a Intervenção cirúrgica estava em estado normal pelo que uma extrapolação, sem qualquer fundamento ou sustentáculo médico, concluir que uma intervenção cirúrgica a uma úlcera é uma consequência directa e necessária das suas condições de trabalho, pelo que este ponto deveria, com base no mesmo documento médico, constar da matéria não provada.

  17. Este ponto ou este nexo de causalidade, deveria constar da matéria não provada, e da matéria de facto provada deveria constar tudo o que atesta o documento médico, nomeadamente em relação ao estado geral do paciente e em relação ao período de internamento.

  18. Não se vislumbra diferença em relação à relação existente entre o arguido e o ofendido C… que motivasse a absolvição do arguido em relação ao primeiro e não em relação ao segundo, nem tão pouco diferença de comportamentos entre o recorrente e os restantes co-arguidos, que foram absolvidos, em relação ao C…, a pergunta que se impõe ndo que, o que determinou a absolvição destes deve determinar a absolvição do arguido em relação à prática deste crime.

  19. Assim, relativamente ao C… apenas o recorrente foi condenado, mas tal não se deveria ter verificado, encontrava em idêntica situação em relação aos restantes co-arguidos, pelo que foi violado o princípio da igualdade, e se dúvidas ainda se verificassem relativamente à prática do crime pelo arguido, sempre seria de aplicar o principio in dubio pro reo, o que não se verificou, tendo o mesmo sido violado.

  20. Assim, desde logo fica a interrogação do que era diferente, em termos da verificação deste ilícito, da situação em Zamora e da situação em Vigo, uma vez que em Zamora não se terá verificado a prática de qualquer crime de escravatura, daí que o E… tenha sido absolvido da prática deste crime.

  21. Resulta da prova globalmente considerada, dos depoimentos dos arguidos, do ofendido D… e do próprio C…, que o C… não estava sujeito a uma situação de escravo. No entanto subsistem elementos que são importantes para ajuizarmos ou não da situação de “escravo” e que indiciam a sua não verificação pois o ofendido C… mantinha a sua documentação pessoal, mais a mais que resulta mesmo da matéria provada que terá enviado o seu cartão de identidade pelo D…, sendo que se a intenção do arguido fosse reduzi-lo a uma mera coisa não faria grande sentido manter na posse daquele os seus documentos de identificação.

  22. Por outro lado resultou provado que o ofendido esteve, em 2003, 10 dias internado em estabelecimento hospitalar, e foi o arguido que o levou para o Hospital, pelo que, foi o arguido quem curou que fossem prestados cuidados médicos ao ofendido, cuidados esses que lhe foram prestados.

  23. O ofendido, se fosse sua intenção, podia ter denunciado a sua situação caso correspondesse ao cenário quase “Dantesco” que depois veio retratar, mais a mais porque teve momentos a sós com o pessoal médico e de enfermagem, sem que tivesse o arguido ou seus familiares presentes, sendo que decorre de um juízo do censo comum que, só não o fez porque não o pretendeu fazer.

  24. Além do mais, consta da matéria provada que o ofendido C… trabalhava (ponto 38 dos factos provados), trabalhava com um horário fixo, embora não se aceite que iniciasse a sua jornada laboral às 07 horas, na sucata o arguido o que traduzirá mais uma relação laboral (injusta sim), do que uma situação de escravatura.

  25. Os pontos 60° e 61° da matéria assente encontram-se incorrectamente julgados, ponto 60° apresenta-se parcialmente conclusivo, quando refere que o ofendido era mantido numa situação de total submissão. Ora, a “total submissão” é uma conclusão, sendo que a mesma não se encontra alicerçada em factos. Não se vislumbra em que factos se sustenta esta Conclusão ou juízo.

  26. Ainda em relação a este ponto, no seu depoimento, o arguido B… sempre manteve que nunca exerceu violência física sob o C…, e que nunca o intimidou ou atemorizou, o que também resultou do depoimento do D….

  27. Não resulta da matéria de facto que se encontrava provada factualidade que sustente a condenação do arguido por um crime de escravatura, pelo que foi violado o arfo 159° do Código Penal.

  28. É elemento essencial para o preenchimento do tipo legal de crime não apenas a falta de liberdade de movimentos, mas também outras manifestações de liberdade (de decisão, de acção, sexual, religiosa, etc.), mas a negação da raiz de todas as expressões da personalidade humana (liberdade, honorabilidade, etc), que é dignidade humana. A escravidão é a destruição da dignidade ou personalidade humana e, portanto constitui um verdadeiro “homicídio” moral, que, com todo respeito, não se encontra “ verificado no caso em apreço, não obstante a censura ética de vários comportamentos que o arguido manteve.

  29. Não se encontram verificados os pressupostos supra mencionados conducentes à verificação do ilícito de escravatura, por cuja prática o arguido foi condenado.

    Assim deverá a decisão recorrida, ser revogada, e substituída por outra que o absolva da prática de um crime de...

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