Acórdão nº 161/09.3TBGDM.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução28 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou no dia 16-1-2009 ação declarativa com processo ordinário contra Companhia de Seguros BB pedindo a sua condenação na indemnização dos danos que resultaram no seu veículo de matrícula -MJ em consequência de acidente ocorrido no dia 5-12-2006.

  1. Os danos invocados são os seguintes: - 11.000€ (danos orçamentados); - 3.827,36€ (parqueamento); - 1.004,40€ (custo de aluguer de viatura desde 15-2-2007 até 17-3-2007); - 14.740,00€ (privação de uso do veículo desde 5-12-2006 até 15-2-2007 e de 17-3-2007 até à instauração da ação) - 20€/dia até integral ressarcimento; 3.

    A A. deduziu o pedido de condenação da ré no pagamento de 30.571,76€ com juros à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.

  2. A sentença de 1.ª instância condenou a ré a pagar à A. a quantia de 29.971,76€ a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora a contar da citação, à taxa legal, bem como da quantia diária de 20€ a título de dano de privação do uso ds viatura "MJ" desde 17-3-2007 até integral pagamento.

  3. O Tribunal da Relação, alterando a decisão de 1.ª instância, condenou a ré a pagar à A. a quantia de 29.971,76€ com juros de mora a contar da citação acrescendo o valor de 20€ desde 17-1-2009 até efetivo pagamento.

  4. A ré interpõe recurso excecional de revista que foi admitido como recurso de revista visto que no caso não se verifica dupla conforme.

  5. A recorrente infirma a decisão com os seguintes fundamentos: - Contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do S.T.J. de 17-1-2013, 2395/06.3TJVNF.P1.S1 que considerou o dano de privação de uso um dano evolutivo (aumenta até à entrega do veículo reparado ou de substituição) não legitimando a total inércia e passividade do lesado perante a recusa, pelo responsável, da reparação. No entanto, segundo esse acórdão, ficando demonstrado que o autor se deparou e depara com dificuldades económicas para proceder à reparação do veículo, justifica-se o recurso à equidade nos termos do artigo 566.º/3 do Código Civil para a fixação de um diverso, inferior, valor de privação de uso.

    - Ambos os acórdãos, no entender do recorrente, abordam a questão fundamental da culpa do lesado pelos danos de privação de uso do veículo automóvel sinistrado, assumindo a factualidade de um e de outro grande similitude - Sustenta a recorrente que a recorrida só poderia ter direito à indemnização de tais danos desde que tivesse alegado e provado que era a proprietária do veículo. Ora não alegou, de forma clara, essa propriedade (apenas, no artigo 23.º da petição, de forma indireta, falou nos danos sofridos no seu veículo) até porque tal alegação foi impugnada ( artigo 27.º da contestação). No entanto, a propriedade do veículo não resulta demonstrada, constatando-se do auto de ocorrência que a propriedade do veículo pertencia ao CC Lda., não tendo sequer a recorrida provado a qualidade de locatária.

    - Que o dano de privação de uso deve ser limitado pois foi quebrado o nexo causal entre o acidente e o dano em apreço dado o comportamento omissivo e culposo da recorrida em não reparar o veículo, constituindo um abuso do direito reclamar uma indemnização pela privação do uso do veículo desde 17-3-2007 até à data do pagamento integral da indemnização pela recorrente, constituindo comportamento normal do bonus pater familias ou mandar reparar o veículo à sua custa, reclamando depois de terceiro, se for o caso, o reembolso do que pagou ou vender o salvado, reclamando, depois, o valor venal do veículo, descontado o valor desse salvado, pois, assim não se fazendo, premeia-se o lesado pela sua própria inércia.

    - O prazo razoável para se ordenar a reparação será o prazo de 30 dias, aplicando-se, por analogia, o que resulta do disposto no artigo 36.º/1, alíneas d) e f) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, tempo reputado pela lei como suficiente para uma seguradora apresentar uma proposta razoável.

    - Acresce que, tendo o sinistro ocorrido em 5-12-2006 e tendo a recorrida intentado a presente ação em 16-1-2009, sem que todo o prazo no entretanto decorrido possa ser imputado à recorrente, deve ela ser absolvida do pagamento de indemnização correspondente ao período que decorreu desde a data do acidente (5-12-2006) até à data em que a ação foi proposta (16-1-2009) liquidado em 14.140€ sob pena de se premiar a recorrida pela sua própria inércia, permitindo-lhe um enriquecimento injusto, violando o previsto nos artigos 483.º, 473.º/1 e 563.º do Código Civil.

    Considera a recorrente violados os artigos 570.º, 334.º, 473.º, 483.º e 562.º do Código Civil.

  6. A recorrida salienta que a ré seguradora reconhece que a propriedade do veículo era do CC Lda., isto é, uma empresa que se dedica à locação financeira para a aquisição de veículos automóveis e, sendo a recorrida, a locatária está obrigada a contratar o seguro de responsabilidade civil obrigatório e, em caso de sinistro provocado por terceiro, é ela titular do direito de indemnização já que tem a fruição do veículo e nesse aspeto, como em outros ( desde logo o direito a receber a indemnização pelos danos causados por terceiro) é equiparado ao proprietário.

  7. Salienta também que, se a discussão da propriedade do veículo não foi suscitada pela recorrente, igualmente é nova a questão do dano de privação do uso dever ser fixado em valor muito inferior ao arbitrado por não ter a recorrida mandado reparar o veículo ou vender o salvado, praticando um ato de má gestão. Não foi alegado pela ré que a atuação da autora constituísse abuso do direito que não se verificou no caso em apreço, não tendo a autora, porque tal abuso não foi invocado a não ser nas alegações para a Relação, alegado factos que lhe possibilitassem, em definitivo, afastar o preenchimento do conceito de abuso do direito e, embora se entenda que a recorrida não tinha obrigação de reparar o veículo, o certo é que não tinha, nem tem, capacidade económica para o fazer. E, independentemente de ter procedido ou não à venda do salvado, o produto dessa venda ficaria muitíssimo aquém do necessário para adquirir um outro veículo de características idênticas.

  8. A recorrida recorda o que alegou em sede de recurso para o Tribunal da Relação do Porto: "Apesar de o acidente ter ocorrido em 5-12-2006 e de a apelada ter reclamado os danos à recorrente apenas em 23-3-2007 esta respondeu à recorrida e por insistência do Instituto de Seguros de Portugal a quem foi feita a denúncia pela demora na resposta. Nessa resposta a recorrente alegou estar ainda em averiguações. Entretanto a recorrida requereu a proteção jurídica à Companhia de Seguros DD com quem tinha contratado a modalidade de proteção jurídica em caso de acidente. Dado que as averiguações da recorrente nunca mais se mostravam finalizadas, a recorrida reclamou os danos à EE, companhia de seguros com quem havia subscrito o seguro de danos próprios em 24-10-2007. Depois da DD ter diligenciado junto da recorrente, esta respondeu que não assumia a responsabilidade por ter sido o acidente provocado deliberadamente pelos intervenientes. A recorrida ficou a aguardar a resposta da Companhia de Seguros EE. Como esta também não assumiu a responsabilidade, a recorrida requereu apoio judiciário para intentar a presente ação. Só depois de decidido aquele pedido, é que a recorrida ficou em condições de recorrer aos meios judiciais para fazer valer o seu direito. O que fez em tempo útil!" Se a recorrente tivesse alegado em sede própria o abuso do direito que agora pretende ver decidido a seu favor, a recorrida teria oportunidade de demonstrar os factos que acaba de alegar" 11.

    E prossegue a recorrida: "O disposto no artigo 36.º/1, alíneas e) e f) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que obriga as seguradoras a apresentar a respetiva proposta razoável no prazo de 30 dias para permitir ao lesado, a partir dele, presumir que aquelas não aceitarão indemnizá-lo e, dessa forma, poder , por si, tomar a decisão de reparação, nem sequer estava em vigor à data do acidente - entrou em vigor 10 meses depois.

    Acresce que a recorrente tão preocupada em demonstrar que foi a recorrida que usou de abuso de direito, não menciona que foi ela própria, recorrente, que apresentou queixa crime...

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