Acórdão nº 319/06.7TASPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução27 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular com o nº 319/06.7TASPS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu o arguido A...

, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artigo 148º n.º1 e n.º 3 do Código Penal, com referência ao artigo 144º alíneas a) e c) também do Código Penal.

O ofendido, B...

, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €70,000,00 (setenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida da quantia a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes que viesse a reclamar depois de conhecida a IPP que lhe seja atribuída em resultado do exame médico-legal, bem como juros, à taxa legal, desde a data da prática dos factos até efectivo pagamento.

Mais peticionou a condenação do arguido no pagamento de todas as despesas que vierem a ser suportadas pelas instituições de saúde que lhe prestaram assistência médica ou quaisquer outros serviços em consequência das lesões sofridas.

Posteriormente ampliou o pedido, requerendo a condenação do requerido no pagamento da quantia de €120.000,00 a título de lucros cessantes – danos patrimoniais futuros. (ampliação admitida).

A Companhia de Seguros C...

, S.A. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando o pagamento da quantia global de €34.478,34, posteriormente ampliado para €42.482,72.

Posteriormente ampliou o pedido para €42.482,72. (ampliação admitida) O arguido A (...) requereu a intervenção da Companhia de Seguros D...

, Companhia de Seguros de Vida, S.A. em virtude de ter celebrado com aquela um contrato de seguro através do qual transferiu a sua responsabilidade civil profissional. Foi admitida a intervenção.

A Companhia de Seguros C (...), S.A. e B (...) requereram a intervenção principal provocada do Hospital de São Teotónio, E.P.E, actualmente Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E.. Foi admitida a intervenção.

Realizada a audiência de julgamento, em 27 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Em face do exposto, decide-se: a) Condenar o arguido A (...) como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punível pelo artigo 148º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros); b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante B (...) e condenar o demandado Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E. no pagamento àquele: · Da quantia de € 50,000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a sentença até efectivo e integral pagamento; · Da quantia de € 88.305,78 (oitenta e oito mil trezentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais, pela incapacidade para o trabalho, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a sentença até efectivo e integral pagamento; · Absolvendo-o do demais peticionado; c) Julgar o arguido/demandado A (...) e a Companhia de Seguros D (...), Companhia de Seguros, S.A. partes ilegítimas para intervir nos pedidos de indemnização civil formulados e, em consequência, absolvê-los da instância; d) Julgar intempestivo o pedido de indemnização civil formulado pela Companhia de Seguros C (...), S.A e, em consequência, rejeitá-lo; e) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 2 UC o valor da taxa de justiça devida, acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria e nos encargos que a sua conduta deu causa (artigos 74º, 82º n.º 1, 85º n.º 1 alínea b), 89º n.º 1 alínea b) e g) e 95º n.º 1 e n.º 2 do C.C.J, 513º n.º 1 e n.º 2, 514º n.º 1 do C.P.P.).

Inconformado, recorreu o arguido A (...), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. No que tange ao cumprimento do estatuído no artigo 412°, n.º 3 do CP Penal, consideram-se incorrectamente julgados os pontos de facto provados sob os números 4, 19, 20, 21. 27, 28, 29, 30, 38,39,40,41,42,43,44,45,46 e 47, 2. Na verdade, no que respeita especificamente aos pontos 4 e 19, o Tribunal valorou integralmente a versão da consulta transmitida pelo demandante, 3. Omitindo que o arguido desenvolveu narrativa completamente distinta do mesmo episódio, unicamente vivenciado e presenciado por ambos.

  1. Buscando "elementos de corroboração" da tese factual do lesado Sr. B (...), em meios de prova fragilizados e proibidos por Lei.

  2. Na verdade, a douta decisão em recurso julga secundada a versão da consulta transmitida aos autos pelo referido demandante porque a testemunha J (...) "disse não ter visto o acidente ( ... ) e que foram outros colegas que disseram que o B (...) se tinha magoado ( ... ) disse que os colegas lhe explicaram que a «castanha» que ele estava a apertar se tinha partido e que lhe tinha entrado alguma coisa para a vista ( ... )".

  3. Ora, neste concreto segmento, trata-se de um evidente depoimento indirecto, dado que apenas se limita a reproduzir o que ouviu dizer.

  4. Assim, uma vez que não se convocaram as pessoas que alegadamente lhe disseram tais factos, nem se demonstrou que os mesmos tivessem falecido, ou sido vitimados por anomalia psíquica superveniente ou se tenha verificado a impossibilidade de as encontrar, tal meio de prova é irremediavelmente nulo, nos termos do n.º 1 do artigo 129° do CP Penal.

  5. Recorre-se, ainda, na douta sentença, a outro depoimento indirecto, exactamente o da esposa do Sr. B (...), Sra. D.

    E...

    , valorando-se o que o ofendido lhe terá contado.

  6. Ora, tal depoimento emerge também fragilizado, quer face ao vínculo existente entre a testemunha e a parte civil, quer face ao incontornável facto da mesma a nada ter assistido, quer no que respeita ao acidente quer ao episódio hospitalar.

  7. Isto é, está-se na presença de outro testemunho de ouvir dizer naquilo que concerne à factualidade agora em exame.

  8. Por outro lado, o depoimento do ofendido surge também como ferido por uma incontornável aporia.

  9. Na verdade, confrontado o ofendido com a queixa constante de fls. 2 - cuja leitura foi autorizada em julgamento - constata-se que ele aí apenas refere que estava a trabalhar e sentiu uma forte dor no olho.

  10. Ou seja, na narração inicialmente efectuada pelo ofendido precisamente na peça que despoletou o processo penal em causa nada foi dito quanto ao facto de se martelar aço com aço e do material atingido se ter estilhaçado, com penetração ocular de parte do(s) estilhaço(s).

  11. Ou, muito menos, se narrou que tal incidente foi, dessa forma, narrado ao recorrente.

  12. Ora, confrontado com esse facto, o ofendido não deu qualquer explicação em audiência de discussão e julgamento, limitando-se a dizer que "Na altura, na altura quando fui fazer a queixa, quando me puseram a fazer, pronto, eu li mas pensei que isso batesse a mesma coisa, mas sei lá."; e a pergunta do signatário: Então a sua explicação para isto é que o Sr. efectivamente contou o mesmo que nos contou aqui e que terá sido o transcritor que omitiu e deixou de fora essa sua referência, respondeu "De certeza". (minuto 40, segundo 37, a minuto 41, segundo 35, do respectivo depoimento.

  13. Ou seja, fica por esclarecer a razão para que a queixa apresente uma versão minimalista, comparada com aquela narrada na audiência de julgamento, 17. Contrariando, manifestamente, as regras da experiência comum que o funcionário receptor ousasse resumir, deturpando radicalmente, a queixa efectuada à singeleza com que a mesma vem expressa ...

  14. Ora, a versão da queixa é coincidente com a narração feita pelo arguido na audiência de discussão e julgamento.

  15. Na verdade, do depoimento do recorrente, sessão de 6 de Dezembro de 2012, ficheiro 201 212 061 023 30 1 929 45 6 5354.wma, das 10:23:31 a 11:31:24, com a duração de 1h.07.52 resulta que este narra versão radicalmente diferente da sustentada pelo lesado.

  16. Na verdade, refere que o ofendido apenas lhe disse que apertava um objecto com um instrumento de metal, que este resvalou e lhe atingiu o olho, 21. Em momento algum admitindo que o ofendido lhe tivesse dito que martelava aço, que este se desfez e que teve a sensação de entrada de um estilhaço no olho! 22. Tal, de facto, ajusta-se à participação efectuada que apenas refere "trabalho" e sensação de "dor forte", sem qualquer menção a martelar e a aço desfeito ...

  17. Neste conspecto, resulta incompreensível que se crisme a versão do arguido de inconvincente e convincente o do ofendido, "corroborada" pelo depoimento da esposa e do Sr. J (...), dois depoimentos de "ouvir dizer", 24. Mais a mais, quando o ofendido não logra explicitar a razão de duas versões dos mesmos factos por ele carreadas aos autos.

  18. É certo que se esgrime que o arguido construiu tese favorável à sua defesa, mas, salvo o devido respeito, o argumento é reversível: 26. Também a tese do ofendido é favorável à pretensão indemnizatória que intentou ...

  19. Mais a mais, a assunção factual aqui efectuada sacrifica inexoravelmente -o princípio da presunção da inocência com plasmação constitucional no artigo 32°, n.º 2 da Constituição da República portuguesa.

  20. Desde logo porque uma decorrência desse matricial princípio, exactamente naquela que impõe que nenhum arguido está onerado com a obrigação de demonstrar a respectiva inocência.

  21. Por outro lado, o princípio agora chamado a terreiro também se mostra desconsiderado numa sua outra indiscutível vertente; 30. Exactamente enquanto princípio probatório traduzido na ideia do in dubio pro reo.

  22. Postulado que impunha, de facto, que a escassez probatória demonstrada nos autos (apenas consubstanciada na versão do ofendido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT