Acórdão nº 858/1997.2.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- AA foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 15 de Novembro de 1996, em relação ao qual veio a ser instaurado o presente processo especial, participado ao Tribunal do Trabalho de Penafiel em 13 de Novembro de 1997.

E corridos os seus termos, foi a seguradora, BB, SA, condenada a pagar-lhe a pensão correspondente à IPP de 26,5%, com IPATH desde 25/11/1997, conforme sentença de 26 de Junho de 1998, de que ninguém recorreu.

Autorizada a remição da pensão, veio o sinistrado, em 30/3/2012, requerer a revisão da sua incapacidade, invocando como fundamento o agravamento das lesões resultantes do acidente sofrido, requerimento que foi indeferido por despacho de fls. 116, com fundamento em que já haviam decorrido mais de 10 anos sobre a referida data da fixação da pensão e porque, desde então, não foi proferida qualquer decisão que tivesse agravado a sua incapacidade.

Inconformado com o decidido e devidamente patrocinado por advogado, recorreu o sinistrado, tendo o Tribunal da Relação do Porto concedido provimento ao recurso, e revogando a decisão recorrida, ordenou a admissão e prosseguimento da tramitação legal do requerido incidente de revisão da incapacidade do recorrente.

É agora a seguradora que, irresignada, vem recorrer para este Supremo Tribunal, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões: 1º) O douto Acórdão sub judice é nulo por omissão de pronúncia e por falta ou deficiência de fundamentação ao considerar apenas que «parecendo de elementar justiça que assim seja» deve ser aplicada a Lei nº 98/2009 ao acidente de trabalho dos autos, que ocorreu em 1996, contra o dispositivo do seu artº 187º.

  1. ) Ainda que assim não fosse, o entendimento seguido no douto Acórdão, não está de acordo com o juízo de constitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional sobre a disposição da Base XXII da Lei nº 2127, acompanhado por grande parte da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, no sentido de que o prazo de 10 anos é suficientemente alargado para que um hipotético agravamento de uma lesão possa manifestar-se, sendo certo que, no caso dos autos, o sinistrado se manteve 14 anos sem requerer qualquer revisão.

  2. ) O período de dez anos é suficientemente alargado (e generoso, como referiu Carlos Alegre) sendo garantia do direito à revisão em caso de agravamento e do princípio à justa reparação de acidente de trabalho.

  3. ) A nova LAT apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua data de entrada em vigor, nos termos do seu artº 187º, sendo certo que se o legislador pretendesse a sua eficácia retroactiva, conhecendo como conhecia o debate em torno da interpretação da lei e da sua adequação constitucional, e sabendo expressar devidamente o seu pensamento, teria declarado essa eficácia, o que não fez.

  4. ) Um entendimento interpretativo que vise a aplicação do novo regime reparatório a situações jurídicas já constituídas constituiria aplicação retroactiva a factos anteriores, em violação dos princípios da legalidade, boa-fé, confiança e segurança jurídica, inerentes ao Estado de Direito.

  5. ) Acresce que um tal entendimento, se, por absurdo, pudesse apoiar-se na entrada em vigor do novo regime reparatório de acidentes de trabalho, nunca poderia contribuir para o renascimento na ordem jurídica de direitos já extintos à data de entrada em vigor desse novo regime, pois que o prazo de 10 anos completou-se em 2008, e a nova LAT apenas entrou em vigor em 2010.

  6. ) Por outro lado, o regime de reparação de acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que obriga à reparação por uma empresa seguradora decorre da celebração de um contrato de seguro, pelo qual a entidade empregadora transfere a sua responsabilidade.

  7. ) O contrato de seguro é um negócio jurídico pelo qual o segurador e tomador acordam quanto à efectivação, pelo primeiro, de uma prestação, na condição de ocorrer a previsão de que depende o funcionamento da cobertura (o sinistro), mediante a contrapartida de um prémio devido pelo segundo.

  8. ) Na apreciação do risco e cálculo do prémio é considerado, designadamente, o regime legal em vigor, só assim sabendo o segurador quais são as suas responsabilidades futuras, assim podendo constituir adequadas provisões matemáticas, e pretendendo constituir uma relação contratual equilibrada na qual o prémio é adequado ao risco.

  9. ) Uma alteração superveniente do sistema jurídico no sentido de que o requerimento de revisão de incapacidade pode passar a ser exercido sem dependência de prazo, alteração não susceptível de previsão, nunca poderia deixar de constituir uma flagrante modificação das circunstâncias em que as partes acordaram na transferência da responsabilidade civil e na aceitação do risco, gravemente atentatória do equilíbrio alcançado entre prémio de seguro e risco, sendo o segurador chamado a responder por consequências não previstas, nem previsíveis, assim se violando o principio da confiança e da segurança jurídica do cidadão que confiou na postura e no vínculo criado pelas normas do ordenamento jurídico.

  10. ) Em todo o caso, todas as questões aqui tratadas foram já objecto de conhecimento e decisão neste Supremo Tribunal de Justiça, pelos doutos Acórdãos de 22/05/2013 e 29/05/2013, assim firmando jurisprudência que deve ser mantida.

Pede-se assim a revogação do Acórdão recorrido e a manutenção do douto despacho da 1ª instância que indeferiu o incidente de revisão.

O recorrido também alegou pugnando pela manutenção do decidido, argumentando basicamente “que só este entendimento evita graves violações do princípio constitucional da igualdade de tratamento (art.13º da CRP), bastando para tanto pensar na injustiça que poderia ser criada com o tratamento diferenciado por exemplo entre um sinistrado que sofresse um acidente em 31/12/2009 e outro que fosse vítima de acidente em 1/1/2010”. Argumenta ainda que neste sentido se pronuncia Abílio Neto, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Anotado, Ediforum, 1ª edição, Fevereiro de 2011, pág. 200, e ainda os acórdãos da Relação de Lisboa de 08/02/2012, processo 231/1997.L1-4, e de 2/2/2011, proferido no processo 29/1990.1.Ll-4, onde se sustenta que a "LA Lei n°98/2009 de 4 de Setembro veio abolir qualquer limite temporal ao direito à revisão das prestações das vítimas de acidente de trabalho, o que a torna mais conforme com a norma do art.°59°, n° 1 al. f) da Constituição que consagra o direito a uma justa reparação por parte das vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional”.

Subidos os autos e recebido o recurso, a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser concedida a revista, em consonância com a jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, o qual, devidamente notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

Cumpre assim decidir.

2--- Para tanto, temos de atender aos seguintes factos: a) O recorrido foi vítima dum acidente de trabalho ocorrido no dia 15/XI/96; b) Este acidente foi participado pela seguradora ao Tribunal do Trabalho de Penafiel em 13/11/97; c) O sinistrado teve alta definitiva em 25/11/97, resultando-lhe do acidente a IPP de 26,5% com IPATH, tudo conforme sentença de 26 de Junho de 1998, de que ninguém recorreu.

  1. E tendo sido autorizada a remição da pensão, o sinistrado recebeu o respectivo capital em 13/7/2005.

  2. Em 30 de Março de 2012, o sinistrado solicitou a...

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