Acórdão nº 00054/05.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelPedro March
Data da Resolução15 de Novembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório J...

(Recorrente), com os demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRS do ano de 2000, no montante de EUR 45.136,58, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença de 26.09.2011 do TAF do Porto.

Com aquela não concordando, recorreu jurisdicionalmente para este Tribunal, tendo terminado as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. Dos autos resulta que a Exma. Senhora Dra. Juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas não foi a mesma que, na Sentença recorrida, apreciou e valorou a prova testemunhal produzida, tendo assim o Tribunal a quo inobservado o princípio da imediação da prova – cfr. o artigo 654º do CPC (aplicável por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT).

B. O incumprimento da regra em questão constitui uma nulidade, que implica o reconhecimento do mesmo vício a todos os actos subsequentes do processo que com ele se relacionem. No caso vertente, a Sentença a quo encontra-se nessa situação.

C. No entanto, ainda que assim se não entenda – e sob pena de se transformar o artigo 654º do CPC em “letra morta” –, sempre se haverá de reconhecer à Sentença um vício de irregularidade, sanável apenas com o proferimento de uma nova, pela Exma. Senhora Dra. Juiz que presidiu à inquirição de testemunhas.

D. Sem prescindir, deve ainda apontar-se que, segundo a Sentença recorrida, o Tribunal assentou a sua convicção apenas na prova documental junta aos autos, não tendo fixado qualquer factualidade resultante da inquirição das testemunhas arroladas, “por considerar que do depoimento das mesmas nada resulta de útil para a boa decisão da causa”: temos assim que o Tribunal não analisou criticamente as provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme lhe é exigido pelos artigos 653º e 655º do CPC.

E. No caso dos autos, a análise crítica da prova testemunhal é absolutamente inexistente: o Tribunal limita-se a dizer que ela não foi útil, sem esclarecer minimamente quais os motivos que o levaram a concluir dessa forma (não os desenvolve nem sequer os identifica), quando estava obrigado a especificar com clareza que elementos concretos o inclinam para a valorização de determinadas provas e para a desvalorização de outras F. Segundo a Doutrina e a Jurisprudência (desde logo a deste Tribunal Superior), não pode considerar-se ter existido julgamento da matéria de facto se sobre a factualidade não tiver sido efectuado uma apreciação crítica suficiente e adequada (a falta de especificação dos fundamentos de facto abrange a falta da análise crítica da prova).

G. Assim, por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.

H. De novo sem prescindir, independentemente do que atrás se concluiu, a verdade é que, de qualquer forma, a Sentença recorrida faz uma aplicação do direito aos factos que erra quer quanto à factualidade que se deveria ter dado por provada, quer quanto à verdadeira configuração da legislação mobilizável: é que, dos autos, não sobra qualquer dúvida de que o tratamento fiscal em sede de IRC a dar ao ganho em causa deve ser o destinado pelo legislador às mais-valias imobiliárias e não qualquer outro, ou seja, deve ao mesmo ser aplicada a prevista exclusão de tributação.

  1. Com efeito, a intenção que esteve por detrás das operações resultantes nesse ganho esteve sempre muito longe de qualquer escopo lucrativo, especulativo ou empresarial, tudo não ultrapassando os limites do mero entendimento familiar.

J. O Tribunal a quo decidiu no sentido que decidiu por ter atribuído à existência de uma operação de loteamento sobre o terreno em causa um valor de prova automática do intuito empresarial defendido pela Administração fiscal, quando, em bom rigor, não é possível fazer uma dedução desse tipo, como de resto se percebe, a contrario, da própria Jurisprudência citada na Sentença: em nenhum dos arestos aludidos, foi extraída da existência de uma operação daquele tipo a conclusão imediata de que os rendimentos são rendimentos empresarias; pelo contrário, em todos os casos da Jurisprudência mobilizada as operações de loteamento foram tratadas com um mero indício (importante, sim), reforçado – e não suficientemente refutado – pelas circunstâncias concretas de cada caso (isto é, por outros elementos probatórios constantes de cada uma das factualidades em apreço).

K. Ora, na situação dos presentes autos, todo o circunstancialismo demonstrado pelo Recorrente deve orientar o julgador no sentido contrário da decisão tomada, ao comprovar que o ganho em crise não resultou de nenhuma actividade lucrativa de cariz empresarial (permanente ou isolada), sendo antes um ganho fortuito resultante de um processo definido por intenções puramente pessoais e familiares, em que o loteamento não foi um meio de promover um lucro mas apenas o expediente juridicamente adequado à divisão física do terreno em causa no seio da família.

Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas consequências legais resultantes dos vícios nele invocados.

Não foram apresentadas contra-alegações • A Mma. Juiz do TAF do Porto (titular do processo, após redistribuição – Prov. n.º 5/2012), proferiu despacho a fls. 182-183, no qual se pronunciou sobre as nulidades suscitadas no sentido de não deverem ser por si supridas.

• Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser declarada nula a sentença recorrida por se verificar uma omissão total do exame crítico da prova.

• Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

• I. 1.

Questões a apreciar e decidir: Analisados os fundamentos do recurso, devidamente delimitados pelas respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), perspectivam-se as seguintes questões fundamentais a decidir: i) Saber se integra violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do princípio da imediação, determinando nulidade insuprível dos autos, a prolação de sentença em processo de impugnação judicial por magistrado diverso do que esteve presente na diligência de produção de prova testemunhal, não obstante haver da mesma registo magnético; ii) Saber se a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, designadamente pela falta de exame crítico da prova testemunhal; iii) Saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado que os ganhos em causa deveriam ser classificados como mais-valias imobiliárias excluídas de tributação e não como um rendimento de natureza comercial, tributável na então categoria C do IRS.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que aqui se reproduz ipsis verbis:

  1. Por escritura pública de compra e venda realizada em 17/12/1964, o impugnante adquiriu um prédio rústico, com a área de 2.700m2, denominado “Ribeira…”, situado na Praia de Miramar, freguesia de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, terreno que corresponde a 2/15 do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1… e na Conservatória do Registo Predial é a parte restante da descrição n° 3… (cf. doc. de fls. 23 a 28 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

  2. O terreno identificado em a) foi alvo do Loteamento n° …/00, emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 29/08/2000, nos termos do qual é autorizada a constituição de 4 lotes de terreno, numerados de 1 a 4 com as áreas de 820m2, 513m2, 417,50m2 e 476m2 respectivamente (cf. doc. de fls. 29 a 33 dos autos).

  3. O impugnante requereu o loteamento do prédio identificado em a), vindo a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a emitir o Alvará de Loteamento n° …/00, em 29/09/2000 (cf. doc. de fls. 29 a 33 dos autos).

  4. Por escritura de compra e venda realizada em 15/12/2000, no 1° Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, o impugnante vendeu os lotes n°s 1,2 e 3, respectivamente, a: -J…, seu genro, casado em separação de bens com Joana…, pelo valor de 7.880.000$00; -J…, seu genro, casado em comunhão de adquiridos com Maria…, pelo valor de 7.440.000$00; -M…, seu genro, e Ana… sua filha, pelo preço de 6.680.000$00 (cf. Doc. de fls. 34 a 40 dos autos).

  5. O impugnante veio a transmitir o Lote n° 4, a C…, pelo valor de 6.000.000$00 (cf. doc. de fls. 41 e 42 dos autos).

  6. Pelo oficio n.º 12505, de 17/06/2003, da Direcção de Finanças do Porto/Divisão de Cobrança, que se fez acompanhar de uma relação notarial, o impugnante foi notificado de que a alienação por si realizada em 08/11/2004 “não constar da declaração a entrega do respectivo anexo B1, C, C1, F, G ou 1(a)” (cf. doc. de fls. 19 a 21 dos autos).

  7. Pelo oficio n°1622, de 21/08/2003, da Direcção de Finanças do Porto/Divisão de Cobrança, que se fez acompanhar de uma relação notarial, o impugnante foi notificado de que a alienação por si realizada em 15/12/2000, não constava da declaração de rendimentos entregue em 02/05/2001, com relação ao ano de 2000, pelo que deveria comparecer no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, a fim de esclarecer e regularizar a sua situação tributária (cf. doc. de fls. 87 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA).

  8. A Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa veio a elaborar o projecto de decisão, o qual foi notificado ao impugnante para efeitos de audição prévia (cf. fls. 88 e 89 do PA e fls. 44 a 45 dos autos).

  9. No cumprimento do direito referido em h), o impugnante veio apresentar cópia de uma declaração de rendimentos de substituição, entregue em 12/04/2004, no Serviço de Finanças do Porto 3 (cf. fls...

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