Acórdão nº 058/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução12 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A Dr.ª A…………………, magistrada do Mº Pº identificada nos autos, interpôs o presente recurso do acórdão da Secção que julgou improcedente a acção administrativa especial que ela deduzira para se declarar nula a deliberação do CSMP, de 8/4/2011, e se condenar este órgão a dispensá-la de realizar turnos aos sábados, assim respeitando as suas crenças religiosas.

A recorrente findou a sua alegação de recurso enunciando as conclusões seguintes: 1. O Acórdão recorrido padece de nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão final (cfr. art. 668.°, nº1, al. c) do CPC, ex vi dos arts. 1º e 140º do CPTA).

  1. Com efeito, a prova efectuada conduz a uma decisão diferente daquela que foi tomada pelo Tribunal a quo, dado ter ficado provada a importância do dia de Sábado e a relevância do culto para a Recorrente e para a sua religião (cfr. al. i), k,), l), m), o) e p) dos factos provados).

  2. Se o Tribunal a quo considerou provado que «que para manter o Sábado como dia Sagrado, os adventistas devem abster-se de todo o trabalho secular», não podia depois ter afirmado, paradoxalmente, que «não vem alegado que a Autora tenha de reservar todas as horas dos dias de sábado ao cumprimento dos seus deveres religiosos», e ter decidido que «o acto impugnado não impede a Autora de cumprir os seus deveres religiosos nos dias de turno a realizar aos sábados, visto o trabalho exigido nesses dias preencher menos de um terço das suas 24 horas».

  3. O Acórdão recorrido padece também de erro de julgamento por não ter julgado inconstitucional a interpretação que o Recorrido fez da norma do art. 14°, n.° 1, al. a) da Lei de Liberdade Religiosa (LLR), no sentido de que só os cidadãos que laborarem em regime de flexibilidade de horário podem obter autorização para suspenderem o trabalho, por motivos religiosos, no dia de descanso semanal, nos dias de festividades e em determinados períodos do dia.

  4. Tal interpretação é inconstitucional na medida em que aniquila, em absoluto, a liberdade de religião e de culto, impedindo muitos cidadãos de vivenciarem as suas crenças religiosas com o respeito pelos mandamentos professados.

  5. No caso da Recorrente, que pertence à Igreja Adventista do Sétimo Dia, fica vedada a possibilidade de viver a sua religião com respeito pela 20ª Crença Fundamental, que consiste em santificar o Sábado, dedicando-o inteiramente a Deus, através do descanso, da meditação e do culto (cfr. al. l) e m) dos factos provados).

  6. A liberdade de consciência, de religião e de culto, consagrada no art. 41.° da CRP, só pode ser (validamente) restringida nos termos do preceituado no art. 18º nºs 2 e 3 da CRP e no art. 6.°, n.° 1 da LLR.

  7. Sucede porém, que, no caso da norma do art. 14°, n.° 1, al. a) da LLR não estão preenchidos todos os requisitos.

  8. Na verdade, a CRP não sujeita a liberdade de religião e de culto a nenhum limite específico e tampouco autoriza, expressamente, a restrição deste direito por via de acto legislativo.

  9. Por outro lado, a condição (do exercício de um trabalho em regime de flexibilidade de horário) é desnecessária, porquanto haveria outras medidas menos gravosas para atingir o mesmo resultado (de compatibilização da liberdade religiosa com o interesse público e com as exigência laborais e empresariais).

  10. A condição é também desproporcional, pois não pondera devidamente os direitos e interesses em presença, que teriam de ser harmonizados, indo além do que verdadeiramente importaria para atingir o resultado pretendido.

  11. Se a ponderação/compatibilização tivesse sido feita, certamente a norma do art. 14°, n.° 1, al. a) da LLR teria estendido a possibilidade de obter dispensa de trabalho, por motivos religiosos, a pessoas com diferentes modalidades de horários. Por exemplo, quem tem isenção de horário pode prestar trabalho em momento diferente do inicialmente previsto, desde que atinja os resultados pretendidos, e quem trabalha por turnos pode compensar as horas no turno seguinte.

  12. No caso específico da Recorrente, se a sua pretensão tivesse sido deferida, e ela tivesse sido dispensada de prestar trabalho ao Sábado, não haveria nenhum risco para o interesse público de acautelar situações urgentes e de garantir o normal funcionamento das secretarias judiciais, nem para o direito ao descanso dos restantes Procuradores. Isto porque os turnos aos Sábados não iriam acabar, eles seriam é realizados por outros Colegas da Recorrente, que iriam ser depois compensados com menos turnos em dias feriados e em férias não coincidentes com o Sábado, por sua vez, assegurados pela Recorrente.

  13. Já no que concerne à necessidade de compatibilizar o direito de liberdade religiosa da Recorrente e dos seus Colegas, o problema só se coloca nas situações em que estes professem uma religião que institua um dia de descanso semanal diferente do Domingo, pois nos outros casos os Colegas têm a vantagem de ver coincidir o dia de descanso semanal religioso e o dia de descanso semanal socialmente instituído, consagrado na legislação laboral.

  14. Também o Tribunal a quo se absteve de realizar, no caso concreto, a indispensável harmonização de todos os direitos e interesses envolvidos, maxime o direito da Recorrente à liberdade de religião e de culto.

  15. Acresce que a norma do art. 14.°, n.° 1, al. a) da LLR (ou, pelo menos, o modo restrito como foi interpretada pelo Recorrido e pelo Tribunal a quo) atinge o conteúdo essencial do direito de liberdade de consciência, de religião e de culto.

  16. Isto porque a faculdade de gozo do dia Santo consagrado por uma confissão religiosa, devidamente registada e reconhecida pelo Estado como radicada, integra o núcleo irredutível daquele direito.

  17. De facto, não apenas a dimensão privada e íntima adjacente à liberdade de consciência ditará aos crentes de determinada religião a necessidade de consagrarem um dia para uma oração e uma dedicação à fé mais intensas do que na restante semana, como igualmente no que se refere à dimensão colectiva e institucional da liberdade de religião e de culto, a mesma poderá reservar para um determinado dia semanal a celebração de cerimónias religiosas e a participação activa dos seus fiéis na Igreja.

  18. À semelhança do dia de Domingo para a generalidade das confissões cristãs, o dia de Sábado tem para os Adventistas do Sétimo Dia uma importância fundamental, tem um relevo constitutivo e estruturante na vida e na identidade individual e colectiva, com uma profunda raiz histórica e cultural, de procedência multimilenar, para além de se repercutir fortemente na própria cidadania dos seus seguidores.

  19. A crença da Recorrente e da Igreja Adventista...

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