Acórdão nº 1963/09.6TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 1963/09.6TVPRT.P1.S1[1] (Rel. 135)[2] Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA, em seu nome e em representação de seu filho, BB, instaurou, em 03.09.09, no Tribunal Cível da comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 741 859,11, acrescida de juros de mora, à taxa de juro, sucessivamente, aplicável, desde a citação até integral pagamento.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, muito em resumo e essência, ter sido preso ilegalmente, em consequência do que lhe advieram, para si e para o filho por si representado, danos do peticionado montante e cuja obrigação de ressarcimento impende sobre o R.

O Estado Português, para além de arguir a falta de capacidade judiciária e de constituição de advogado, tudo relativo ao 2º A., impugnou os factos alegados, considerando não serem os mesmos permissivos das conclusões a que se chega e, bem assim, que a sujeição do A. à pena de prisão se ficou a dever a um entendimento aceitável, legal, efectuado segundo os padrões e ditames de uma boa hermenêutica jurídica, o que, em seu entender, afasta a obrigação de indemnizar, mais considerando, para o caso de assim não se entender, ser exorbitante e excessiva a indemnização peticionada, para além da falta de nexo de causalidade entre alguns dos alegados danos e o facto de ter sido preso.

Replicaram os AA., respondendo às excepções, pedindo, a final, que se julguem sanadas as deduzidas excepções obstativas do conhecimento total do mérito da causa, por cuja integral procedência pugnam.

Sem embargo, o 1º A.

, reconhecendo a ilegitimidade do A. menor, BB, reduziu o pedido à quantia de € 736 859,11, ao que o R. nada opôs.

Foi proferido despacho saneador, em que, além do mais tabelar, se julgou ocorrer falta de causa de pedir e de pedido quanto ao A. menor e, assim, a p. i. (petição inicial) manifestamente inepta, nos termos do art. 193º, nº/s 1 e 2, do CPC, com a inerente nulidade de todo o processado quanto a tal A., ao abrigo do preceituado nos arts. 193º, nº/s 1 e 2, 288º, nº1, al. b), 493º e 494º, al. b), do CPC, pelo que foi o R., correspondentemente, absolvido da instância, determinando-se o prosseguimento desta apenas quanto ao A. AA.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 19.03.12) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção, condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento do que se vier a comprovar ter sido liquidado, a título de honorários, no processo-crime, o que se relegou para execução de sentença (sic).

Esta decisão veio a ser revogada por acórdão de 05.03.13, da Relação do Porto, o qual, na procedência da apelação do R., absolveu este do pedido, tendo, em conformidade, por prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo A.

Daí a presente revista interposta pelo A.

, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme extensas alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões: / 1 – A decisão tomada, em 12.07.07, pelo 1º Juízo Criminal do Porto, no âmbito do Processo nº 110/01.7PJPRT, consubstancia um erro grosseiro na aplicação do direito, bem como uma situação de abuso de poder por parte do Exmo. Magistrado do tribunal “a quo” que a proferiu e, por isso mesmo, o R. incorre em responsabilidade civil por erro judiciário; 2 – Em primeira instância, o tribunal decidiu, muito acertadamente e com justiça, dar provimento (ainda que parcial) ao pedido do A., tendo considerado existir, sem sombra de dúvida, fundamento para o ressarcimento dos danos sofridos pelo A. com a prisão ilegal de que foi vítima; 3 – Numa solução infeliz, em que ignorou em absoluto, quer a decisão de 1ª instância, quer o recurso do R., quer as contra-alegações do A., o tribunal proferiu acórdão em que deferiu a apelação e revogou a decisão recorrida; 4 – Como fundamento, o tribunal alegou que a acção de responsabilidade civil contra o Estado por prisão ilegal deve ser fundada na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, nos termos do artigo 13º, nº 2, da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e que a decisão de “habeas corpus”, que se limita a ordenar a restituição do preso à liberdade, não revoga a decisão alegadamente danosa, não bastando, por isso, para legitimar uma acção de responsabilização do Estado por prisão ilegal; 5 – O acórdão recorrido ignorou as normas especiais aplicáveis ao caso em concreto e constitui uma interpretação restritiva da lei absolutamente contrária ao seu espírito, uma vez que restringiu-se à aplicação ao caso em apreço da Lei 67/2007, quando tinha que ser necessariamente tido em conta o regime especial dos artigos 225ºe 226º do Código de Processo Penal e ainda os artigos 22º e 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois, estando em causa uma questão do foro penal e de privação da liberdade ilegal ou injustificada, o regime do CPP é o regime especial aplicável a estes autos; 6 – "As normas especiais (...) consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações." (J. Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, p. 95), sendo ainda certo que, "a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali), ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, «se outra for a intenção inequívoca do legislador» ”(J. Baptista Machado, Idem, p. 170); 7 – O critério da especialidade é um importante parâmetro na resolução de conflitos de lei e, mesmo tratando-se de lei mais recente, como é o caso da Lei 67/2007 relativamente ao artigo 225º CPP, é a lei especial que deve ser aplicada, ressalva que é expressamente feita no nº 1, do artigo 13º da Lei 67/2007, no qual se pode ler: "Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável..."; 8 – Na obra também citada no acórdão recorrido, em anotação ao artigo 13º, relativamente aos "Regimes especiais de responsabilidade por erro judiciário: privação inconstitucional ou ilegal da liberdade", refere-se o seguinte: "concretização dos pressupostos e regime processual da indemnização foi efectuada, respectivamente, pelos artigos 225º e 226° e 461º e 462º do CPP, sendo essas as situações que se encontram ressalvadas no segmento inicial do nº 1 do presente artigo. (...) O presente artigo 13º tem justamente em vista definir os pressupostos materiais da responsabilidade por erro judiciário em relação a todos os outros casos que se não possam reconduzir às situações específicas de privação inconstitucional ou ilegal de liberdade e de condenação injusta." (Carlos Aberto Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 251 e 261); 9 – A sentença da primeira instância faz referência ao novo regime introduzido pela Lei n.º 67/2007, mas refere expressamente que existe um regime próprio e especial no caso dos autos - o do CPP, sendo a decisão final, muito acertadamente, fundamentada no regime do CPP, bem como nas disposições da lei fundamental que o confirmam - os artigos 22º e 27º da CRP, por constituir legislação específica para a matéria destes autos. Podendo ler-se na referida sentença que: (o artigo 13º da Lei 67/2007) "ressalva o regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, cuja regulamentação se mantém, (...) é o próprio legislador que, de forma clara, atesta que, até então, o Estado não podia ser responsabilizado pelos danos resultantes da função jurisdicional, fora do regime especial que ressalvou e manteve em vigor. (...) exceptuados os casos de responsabilização do Estado relativos a sentenças penais por condenação injusta e de privação injustificada da liberdade, antes nada havia, ao nível legislativo, a suportar um pedido de indemnização por danos causados por erro grosseiro na área da jurisdição civil (...) José Manuel M. Cardoso da Costa também enfatiza esta mesma ideia, em artigo publicado na Revista Decana, ao analisar o novo regime constante da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, dizendo que o mesmo estende a responsabilidade estadual, embora em certos e limitados termos, aos danos decorrentes do «erro judiciário», excepcionando-se deste, porém, «regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade», na medida em que aí "continua a vigorar, sem modificação, o que se dispõe, respectivamente, no artigo 462º e nos artigos 225º (neste se prevendo, de acordo com a redacção dada pela Lei nº 48/2007, as três hipóteses contempladas, as quais vão desde a privação ilegal de liberdade e as demais de mera privação injustificada) e 226º do Código de Processo Penal - artigo 13º, nº 1; 10 – O acórdão recorrido apresenta uma contradição flagrante no que diz respeito ao regime jurídico aplicável, já que por um lado defende que Ao caso vertente aplica-se o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), ANEXO À Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e porque se trata de responsabilidade que radica num acto jurisdicional de natureza penal, o disposto no artigo 225º CPP, na redacção da Lei 42/2007, de 29 de Agosto", e, por outro lado, de forma absolutamente incompreensível, restringe a sua apreciação e interpretação a um dos regimes aplicáveis, sem uma única palavra de explicação para tal tratamento diferenciado..., quando é absolutamente certo que o próprio R. também não se referiu em momento algum das suas alegações de recurso à questão do regime jurídico aplicável, pois não impugnou a...

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