Acórdão nº 298/07.3TTPRT.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução29 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

1.1.

AA instaurou a presente ação declarativa condenatória, emergente de contrato de trabalho, contra BB - …, SA, peticionando que esta seja condenada a: - Reconhecer-lhe a categoria profissional de gestor de construção e a atribuir-lhe o exercício de funções e objetivos anuais equivalentes aos dos restantes gestores de construção; - Permitir ao autor o acesso à formação promovida para os demais gestores de construção; - Nivelar a remuneração do autor com a do outro gestor de construção com a mesma antiguidade; - Anular a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada ao autor; - Pagar-lhe a indemnização global de € 15.000,00 por danos não patrimoniais; - Pagar uma sanção pecuniária compulsória em valor não inferior a €75,00 por dia, pelo incumprimento de cada uma das imposições judiciárias.

1.2.

Para tanto - invocando assédio moral por parte da R. -, alegou, em síntese: - Desde o início de 2004 que a R. passou a considerar o A. – que desempenha as funções de “gestor de construção” - como pessoa não grata na empresa, fazendo questão de o demonstrar, quer diretamente, quer publicamente, perante os seus colegas de trabalho, com o intuito de influir nas suas condições de trabalho e sossego psicológico, de forma a despoletar um autodespedimento.

- Em meados de 2004, a R. sugeriu ao A. a “rescisão do contrato” por acordo, o que não aceitou, na sequência do que foi despromovido, passando a desempenhar funções “eminentemente de manutenção”, embora formalmente tenha continuado a ser “gestor de construção” (deixou as funções de “Gestor da Construção/com área atribuída” e passou a exercer as de “Gestor da Construção/garantia da qualidade da rede, ramais e localização de válvulas ocultas”).

- O A. não tem qualquer zona geográfica de trabalho atribuída, ao contrário de todos os seus colegas, apenas lidando com válvulas da rede de gás da via pública.

- Sendo-lhe, consequentemente, traçados objetivos profissionais mais modestos, o A. tem tido, desde 2004, bónus salariais reduzidos, quer em comparação com os seus colegas, quer com o que o próprio auferia antes.

- Também passou a auferir um salário inferior ao dos seus colegas, bem como a usar viatura de serviço de qualidade inferior.

- Ao contrário do ocorrido com os seus colegas, desde 2004 que o A. não participa na definição dos objetivos que lhe são impostos pela R., tal como não participa no processo de avaliação do desempenho.

- Injustificada e propositadamente, ao A. não é sequer comunicada a formação contínua ministrada pela R. aos gestores de construção, relacionada com a rede de distribuição e as restantes áreas de intervenção.

- Desde 2004 que o seu local de trabalho foi alterado: deixou de estar junto dos seus colegas e passou a ocupar outro espaço.

- Incorretamente, a R. moveu-lhe um processo disciplinar em 2006, por alegada utilização indevida de um identificador de Via Verde que lhe fora atribuído, o qual redundou na aplicação da sanção de repreensão registada.

- Para além de não ter cometido qualquer infração, quando foi rececionada a nota de culpa, o procedimento disciplinar encontrava-se prescrito.

  1. Contestou a R., alegando factos que no saneador se considerou integrarem matéria de exceção perentória (reestruturação, operada pela R., na categoria de gestor de construção, que passou a incluir o acompanhamento da atividade de identificação e marcação de válvulas, realizada por empresas de construção que para a mesma trabalham) e por impugnação.

  2. Respondeu o A., alegando factos tidos no saneador como consubstanciando novas causas de pedir (tentativa de extinção do posto de trabalho do A., já após a citação da R. na presente ação; comunicação interna, datada de 12/4/07, informando que a função de gestor de construção era cindida em 3 novas categorias, permanecendo o A. como único gestor de construção e passando os seus colegas a ser apelidados de “Gestor de GPL” e “Gestor de Zona”; e imposição ao A. da obrigação de justificar deslocações e portagens, bem como ausências a reuniões obrigatórias, ao contrário do que se verifica quanto aos demais).

  3. A R. apresentou contrarresposta.

  4. O A. apresentou articulado superveniente – alegou, no essencial, que a R. procedeu ao seu despedimento, por extinção do respetivo posto de trabalho, com efeitos a 13 de outubro de 2007, extinção dolosamente promovida pela mesma, de molde a contornar os requisitos legais –, na sequência do que, cumulando os pedidos iniciais, peticionou: - A declaração de ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, - A sua reintegração no posto de trabalho, - O pagamento das prestações retributivas que lhe são devidas desde 13 de outubro de 2007 até final ao trânsito em julgado da presente ação; - A condenação da R. a facultar-lhe a utilização de uma viatura automóvel semelhante às utilizadas pelos restantes seus colegas gestores de construção, bem como de telemóvel; - A condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização pela privação da utilização do uso do automóvel e do telemóvel, a fixar oportunamente, em sede de liquidação de sentença.

  5. O A. apresentou um segundo articulado superveniente, alegando que: na pendência do processo de despedimento por extinção do seu posto de trabalho, a R. instaurou-lhe procedimento disciplinar (tendo em vista o seu despedimento); este processo não chegou ao fim por, entretanto, ter sido despedido por extinção do posto de trabalho; fê-lo com o único propósito de perseguir o A., o que agravou os danos resultantes do assédio moral.

    Em consequência, requereu a ampliação do pedido por danos não patrimoniais, no montante de, pelo menos, mais € 3.750,00.

  6. A R. respondeu aos articulados supervenientes e, em reconvenção, pediu a condenação do A. na dedução da quantia de € 19.197,16, a este paga no âmbito do processo de extinção do posto de trabalho (em caso de procedência dos pedidos aludidos em supra n.º 5).

    8.1.

    Na sequência de recurso de apelação interposto pela R., foi anulada a primeira sentença proferida nos autos (em 19/5/2009) e parcialmente repetido o julgamento.

    8.2.

    Em 21/2/2012, foi proferida nova sentença (em tudo igual à anterior, na sua parte dispositiva), que:

    1. Julgou improcedente a pretensão indemnizatória (por danos não patrimoniais) correspondente aos factos alegados no articulado superveniente referenciado em supra n.º 6, decisão neste ponto transitada em julgado (apesar de o dispositivo da sentença não abordar expressamente este segmento da decisão, ele consta dos pontos 5.1. a 5.3. da mesma, bem como dos dois primeiros parágrafos do ponto 5.4.).

    2. Declarando a ilicitude do despedimento do A., condenou a R.: - A reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua retribuição e antiguidade; - A pagar ao A. as prestações retributivas que lhe são devidas desde 13.OUT.07 até ao trânsito em julgado da presente ação; - A facultar ao A. a utilização de uma viatura automóvel semelhante às das utilizadas pelos restantes seus colegas gestores de construção, bem como de telemóvel; - A pagar ao A. uma indemnização pela privação da utilização do uso do automóvel e do telemóvel, a fixar oportunamente, em sede de liquidação de sentença.

    - A reconhecer ao A. a categoria profissional de gestor de construção; - A atribuir ao A. o exercício de funções e objetivos anuais equivalentes e idênticos aos restantes gestores de construção; - A permitir ao A. o acesso à formação promovida para os restantes gestores de construção; - A nivelar a remuneração do A. com os restantes gestores de construção, com a mesma antiguidade da do autor; - A anular a sanção disciplinar de repreensão registada que lhe foi aplicada; - A pagar ao A. a indemnização global de € 7.500,00 (por danos não patrimoniais alegados na petição inicial).

    De modo a assegurar o cumprimento do assim determinado, foi estabelecida uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50 euros diários.

  7. Arguida a nulidade da sentença pela R., por não se ter pronunciado sobre o pedido reconvencional deduzido na resposta ao segundo articulado superveniente apresentado pelo A., foi determinado – suprindo tal nulidade – que à parte dispositiva da sentença fosse aditado o seguinte: Julga-se de igual modo procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o autor, pelo que às quantias que foi condenado a pagar-lhe deverá ser deduzido o montante de € 19.197,16 resultante da compensação que lhe foi paga (…) por força da extinção do posto de trabalho daquele que a ré promoveu.

  8. Interposto recurso de apelação pela R., o Tribunal da Relação do Porto (TRP), julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu: - Aditar um facto à factualidade provada (n.º 57 dos factos provados).

    - Alterar para € 1.000,00, a indemnização por danos não patrimoniais [neste âmbito, a Relação desconsiderou todos os factos valorados na 1ª instância, à exceção dos atinentes ao processo disciplinar aludido nos dois últimos parágrafos de supra n.º 1.2., em virtude de ter considerado que a questão da ilicitude da ação disciplinar transitara em julgado (por a ré/apelante não a ter suscitado nas alegações do recurso, pese embora a circunstância de a ter mencionado nas conclusões) – segmento decisório que não foi impugnado pela ré].

    - Quanto ao mais, manter a sentença apenas na parte em que anulou a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada ao autor.

  9. O A.

    interpôs recurso de revista, sustentando essencialmente, e em síntese, nas conclusões das suas alegações: - Deve anular-se a alteração da decisão de facto sobre os quesitos 65.°, 67.° e 68.° da base instrutória.

    - O Tribunal da Relação desrespeitou o comando do art. 712.°, n° 1, al. a) do CP Civil (e do art. 690.°-A) quando alterou diametralmente a matéria de facto que vinha fixada pela primeira instância.

    - A garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas.

    - Na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em caso...

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