Acórdão nº 11453/10.9TDLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução09 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaA- No recurso penal nº 11453/10.9TDLSB.L1.S1, o arguido AA, nos autos identificado, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, mediante requerimento expedido via fax em 23 de Janeiro de 2013, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2012, proferido nos autos nº 11453/10.9TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, apresentando como fundamento o acórdão deste Supremo Tribunal, de 13 de Julho de 2009, proferido nos autos n.º 386/09.1 YFLSB, do Tribunal da Relação de Lisboa, respeitante ao processo n. 4/07.2PEALM do 1º Juízo Criminal de Almada, nos termos e com os seguintes fundamentos1.°O Recorrente foi condenado em 1ª Instância, pela prática de um crime de tráfico de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. no artº 25.° do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

2.°Por discordar da aludida decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público exerceu o seu direito ao recurso e o Tribunal da Relação de Lisboa veio revogar a suspensão da execução da pena de prisão fixada ao Recorrente.

3ºNão concordando com o decidido pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrente apresentou recurso para o STJ.

4.ºContudo, este mais Alto Tribunal veio rejeitar, por, inadmissibilidade, o recurso interposto pelo Recorrente da referida decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

5.°A decisão ora reclamada, já transitada em julgado, sustenta a sua orientação na redução teleológica da al. e) do art.º 400.°, n.º 1 do CPP, "no sentido da convergência necessária com os limites definidores da recorribilidade para o STJ.: mormente no art.º 432.°, n.º 1, al. c) do citado diploma legal.

6.°Sucede, porém, que, ao contrário do ora decidido pelo STJ, este Tribunal, num outro processo, ao abrigo da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, decidiu em sentido inverso, ou seja, admitiu o recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

7ºCom efeito, nó âmbito do processo que correu termos na 5.ª secção do STJ sob o n.º 386/09.1YFLSB, foi proferida decisão pelo Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros Santos Carvalho e Rodrigues da Costa, datada de 13 de Julho de 2009, em sentido contrário à ora recorrida. Cfr. Doc. 1 .8.°No aludido aresto, já transitado em julgado, se refere o seguinte: "Com o devido respeito por quem defenda opinião diversa, a al. c) do artº 432. só exclui o recurso directo de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos, caso em que o recurso deve ser interposto obrigatoriamente para a relação, mas não impede que a decisão proferida por este tribunal tenha recurso para o STJ, desde que não se enquadre nas hipóteses de irrecorribilidade previstas no artº 400.º (cfr. a al. b do artº. 432.º)." "Isto é, os acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos não são recorríveis para o STJ, mas já o são os acórdãos da relação que, em recurso, não os tenham confirmado e que tenham aplicado pena privativa de liberdade. Trata-se, portanto, de casos em que o arguido mereceu um tratamento de desfavor, lesivo da sua liberdade, como resultado de um primeiro recurso (obrigatório) para a relação e em que, portanto, o legislador considerou haver motivo suficiente para fazer intervir outro tribunal de recurso, o mais alto Tribunal." "Em suma, a decisão em apreço é recorrível para o STJ.” 9.ºTrata-se, pois, de soluções opostas proferidas pelo mesmo Tribunal (STJ), relativas à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

10.ºPor tal motivo e em abono da segurança jurídica, urge fixar jurisprudência.

Nestes termos e sem esquecer o Douto suprimento de V. Ex.as, requer-se a admissão do presente recurso, seguindo-se os ulteriores termos até final.

Como é de inteira JUSTIÇA.

B- Foi proferido acórdão preliminar que reconheceu a oposição de julgados, C- Prosseguindo o processo, veio o Ministério Público apresentar alegações onde conclui 1. O Código de Processo Penal de 1987, que rompera com o duplo grau de recurso, constituiu a natureza do Tribunal recorrido como factor de determinação do Tribunal de recurso. Assim e salvo o caso de decisões proferidas em 1.ª instância pelo Tribunal da Relação, os recursos de decisões do Tribunal Singular eram interpostos para o Tribunal da Relação, que conhecia de facto e de direito, enquanto que os recursos do Tribunal Colectivo — que era competente para julgar, nomeadamente, os processos que, não devendo ser julgados pelo Tribunal Singular, respeitassem a crimes cuja pena máxima fosse superior a três anos de prisão — eram interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, que julgava de direito, mas ao qual era conferido «poderes que lhe permitiam despistar situações indiciadoras de erro judiciário».

  1. Com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal em matéria de recursos pela Lei n.º 59/98, de 25/08, não se pretendendo embora consagrar uma inversão das concepções básicas, mas ao ter de se reponderar a articulação a estabelecer entre a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça, reconhece-se a necessidade de uma diferenciação orgânica fundada no entendimento de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, faz-se um «discreto uso do princípio da “dupla conforme”», ampliam-se os poderes da Relação e devolve-se ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função de Tribunal que apenas conhece de direito, embora com excepções, admitindo-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela sua limitação a matéria de direito.

  2. Na sequência dos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Unidade de Missão para a Reforma Penal, em Setembro de 2006 foi aprovada na generalidade, para posterior apresentação à Assembleia da República, a Proposta de Lei que procedia à 15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aí se considerando: «Para dignificar o recurso de segundo grau perante o STJ, determina-se que ele só é admissível quando a Relação tiver condenado o arguido em penas concretas de prisão superiores a cinco ou oito anos conforme os casos».

  3. Em consequência, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X acentuou-se que, com as alterações ao Código de Processo Penal, em matéria de recursos, visava-se, nomeadamente, «restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal (…)». Em conformidade, no seu anexo o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), mantinha os patamares de cinco e oito anos, mas, num sentido mais amplo de irrecorribilidade, por reportados à medida da pena aplicada e já não à aplicável.

  4. Com a Lei n.º 48/2007, 29/08, o artigo 432.º, alínea c) passou a determinar — coerentemente com o aludido propósito de reservar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para os casos mais graves — ser a aplicação de pena superior a cinco anos de prisão pressuposto de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo Tribunal do Júri ou pelo Tribunal Colectivo.

  5. Contudo, em aparente desconformidade com o paradigma enunciado na exposição de motivos da proposta e nesta concretizado também no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) — não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos —, passou a constar da referida alínea e): não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade.

  6. Em 2012, com a Proposta de Lei n.º 198/XII, submeteu-se à apreciação da Assembleia da República uma alteração ao Código de Processo Penal, que incidiu, entre outros aspectos, sobre a admissibilidade de interposição de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, com o objectivo de aclarar alguns traços deste regime, tendo em vista «eliminar dificuldades de interpretação e assintonias que conduzam a um tratamento desigual em matéria de direito ao recurso. Assim, no que respeita aos acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, é clarificado que são irrecorríveis os acórdãos que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos», solução que foi consagrada na actual Lei n.º 20/2013, de 21/02.

  7. Uma leitura integrada do regime dos recursos para o Supremo Tribunal, que decorre das normas constantes dos artigos 432.º e 400.º do Código de Processo Penal, permite desde logo surpreender uma clara evolução no sentido de resguardar o Supremo Tribunal de Justiça para os casos de maior gravidade. Apenas a letra da alínea e) do artigo 400.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 48/2007, numa modificação de última hora e de motivação não explicada, introduz, se considerada isoladamente, elemento de ruído e de incoerência no sistema, afectando a sua harmonia.

  8. Por virtude da redacção introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007 na alínea e) do referido artigo 400.º, n.º 1, uma jurisprudência de Supremo Tribunal de Justiça, em que se integra o douto acórdão fundamento, atribui-lhe sentido modificativo e justificado, considerando estar em causa o valor liberdade e não ser possível outra interpretação que não a da admissibilidade de recurso, desde que ocorra agravamento pelo Tribunal da Relação da pena imposta, tendo em conta a letra da lei, a proibição da analogia e a ofensa do princípio da legalidade.

  9. Contrariamente, a jurisprudência maioritária em que se insere o douto acórdão recorrido, procede a um «esforço acrescido de interpretação» em ordem a desvendar «a dimensão normativa aplicável» — «uma norma, complexa, de agregação de diversas normas que interagem e mutuamente se complementam» —, no caso uma norma complexa no quadro do sistema interactivo que as normas do artigo 432.º, alíneas b) e c), e do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do...

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