Acórdão nº 0466/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Estado Português, representado pelo MºPº, interpôs a presente revista do aresto do TCA-Sul que, revogando o saneador-sentença absolutório do TAF de Leiria, considerou que a autora A…………, Ld.ª, tem o direito de indemnização que invocou na acção condenatória que propôs contra o Estado, pelo que os autos deviam baixar à 1.ª instância para «determinação do montante dos prejuízos a indemnizar».

O recorrente terminou a sua alegação de recurso oferecendo as seguintes conclusões:

  1. Na presente acção, como em outras possíveis acções que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, está-se, perante a questão de saber se os requisitos do disposto no n° 3 do art. 143° do RJIGT, como decorre do texto da lei e tendo em conta o seu elemento literal e o disposto no art. 9° n° 2 do CC, são de verificação cumulativa, como o entendeu a sentença de 1.ª instância ou disjuntiva, como entendeu o Acórdão ora recorrido.

  2. Tal questão, pela sua controvérsia e eventual futura expansão reveste-se de importância fundamental pela sua relevância jurídica e clara necessidade de melhor aplicação do direito, motivo pelo qual se justifica, salvo melhor opinião, uma reapreciação excepcional por esse Venerando Tribunal, de acordo com o art. 150° n° 1 do CPTA.

  3. O Acórdão, ora recorrido, que revogou a sentença de 1.ª instância, seguindo de perto a sua fundamentação de facto, considerando que tais requisitos eram disjuntivos, decidiu, em resumo, que: por aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n° 31/2001, que “sujeitou a medidas preventivas as áreas definidas nas plantas anexas” à resolução em causa e, posteriormente, pela aprovação do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Alcobaça - Mafra, através da Resolução do Conselho de Ministros n° 11/2002, de 17 de Janeiro, que classificou o terreno da autora como “Faixa de Risco”, ficou aquela impedida de exercer a referida possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, designadamente a possibilidade de nele construir.”.

  4. Mais concluindo que: “a subtracção do “ius aedificandi”, naquelas condições, violando a protecção da confiança legítima que a autora depositara na manutenção dos efeitos do plano, constituiu, como acima se viu, uma expropriação de sacrifício ou substancial, a carecer de ser ressarcida através do mecanismo indemnizatório previsto no art. 143° n.º 3 do RJIGT, pelo que, ao considerar não estarem preenchidos os requisitos daquele direito à indemnização, o despacho saneador-sentença incorreu em erro de julgamento e, como tal, não pode manter-se.».

  5. Todavia, do elemento literal do disposto no n° 3 do art. 143° do RJIGT, não se vê, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o segundo requisito se possa considerar disjuntivo relativamente ao primeiro, já que, da simples leitura do mesmo preceito, o segundo requisito resulta como consequência do primeiro e como tal é cumulativo daquele.

  6. Na verdade, se o legislador tivesse pretendido que aqueles dois requisitos fossem disjuntivos certamente o teria evidenciado, separando-os por um “ou”, ou dividindo-os em duas alíneas.

  7. Não o tendo feito, que “não possa ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art. 9° n° 2 do CC), pelo que os dois referidos requisitos se tenham de considerar como cumulativos.

  8. Se assim não fosse, aquele preceito do art. 143° do RJIGT iria contrariar o próprio art. 18° n° 2 da LBPOTU (Lei n° 48/98 de 11/08), onde se estipula a necessidade, para haver dever de indemnizar, de existirem direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados.

  9. Como se refere na sentença de 1ª instância, “não é pelo simples facto de um PDM referir que determinado terreno se situa em área urbanizável que se pode concluir, por si só, que o seu proprietário tem direito a edificar no referido local. Ou seja, não estamos perante uma situação que possa ser considerada juridicamente consolidada...” J) Como ensina Fernando Alves Correia, na obra atrás mencionada e para o caso que nos importa: “O elemento textual do n° 3 do artigo 143° não deixa quaisquer dúvidas quanto à exigência de dois requisitos para a indemnização das restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de alteração, revisão ou suspensão dos planos municipais (e isto pressupondo, como determina o n ° 3 do artigo 9° do Código Civil, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (...). De acordo com a interpretação que vem sendo avançada dos n°s 3 e 5 do artigo 143° do RJIGT estão excluídos do dever de indemnização: a) Os danos resultantes da subtracção ou da diminuição de uma modalidade de utilização do solo conferida por um plano municipal, por efeito da alteração, revisão ou suspensão deste, ainda que estas ocorram dentro do prazo de cinco anos após a sua entrada em vigor, se o proprietário não for detentor de uma licença ou de uma comunicação prévia válida.

  10. No caso da Autora, conforme facto dado como provado, havia sido indeferido o projecto de arquitectura para o terreno em causa, indeferimento esse com fundamento em factos que nada tinham a ver com as “medidas preventivas”, como seja a “ área de construção” e as “características envolventes”.

  11. Pelo que, em face dos factos dados como provados, se é certo que a Autora reunia o primeiro dos requisitos do n° 3 do art. 143° do RJIGT, já não reunia o segundo, por inexistir qualquer licenciamento válido para o terreno em causa.

  12. Não se podendo, pois, dizer, como o faz o Acórdão recorrido, em adopção do conceito de que os mencionados requisitos do n° 3 daquela disposição legal eram disjuntivos, que “a subtracção do “ jus aedificandi”, naquelas condições, violando a protecção da confiança legítima que a Autora depositara na manutenção dos efeitos do plano, constituiu (...) uma expropriação de sacrifício ou substancial, a carecer de ser ressarcida através do mecanismo indemnizatório previsto no artigo 143° n.º 3 do RJIGT (…).”.

  13. Pois, como afirma Cláudio Monteiro, in “Cadernos de Justiça Administrativa” n° 91, pág. 14 e seg., a propósito do art. 143° do RJIGT: «na solução preconizada por esta disposição legal só se pode falar em “restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”, nos termos do n° 2 do mesmo artigo, quando o plano determine a caducidade ou alteração de um licenciamento válido anterior. Só nestes casos, portanto, é que existirá um sacrifício indemnizável das faculdades urbanísticas do proprietário do terreno afectado pela restrição, e consequentemente uma expropriação de sacrifício ou de valor protegida pela garantia expropriatória estabelecida no n° 2 do art. 62° da Constituição».

  14. Também, no que se refere às restantes questões julgadas improcedentes pela sentença de l.ª instância e sobre as quais o Acórdão recorrido já não...

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