Acórdão nº 70/11.6TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho sob a forma de processo comum contra BB, ..., S.A., pedindo que: a) - Seja declarada a ilicitude da diminuição da sua retribuição, feita mediante acordo e com efeitos a 1 de Janeiro de 2007; b) - Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a diferença entre os valores que este recebeu e os valores que teria recebido se a sua retribuição não tivesse sido diminuída no total de € 57.408,81 (cinquenta e sete mil quatrocentos e oito euros e oitenta cêntimos), ao qual acrescem juros vencidos e vincendos, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento das mesmas.

Para tanto invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que: 1) - Foi admitido ao serviço da Ré com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 1987, mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo que nos termos do contrato foi admitido com a categoria de ..., a que correspondia o ordenado mensal de 120.000$00, que ao longo dos anos foi aumentado; 2) - Apesar de, em 2002, ter mudado da categoria de “Director de Serviços” para “Adjunto da Administração”, manteve sempre a sua remuneração base mensal, no montante de € 3.866,00; 3) - A 26 de Janeiro de 2007, Autor e Ré assinaram um acordo para diminuição da retribuição daquele, documento que foi assinado pelo Autor apenas porque tal medida era elementar e essencial à viabilização económica da própria empresa e à manutenção dos postos de trabalho dos seus colaboradores, entre eles, o Autor; 4) - Nessa altura, 2002, a Ré atravessava uma situação de acentuada debilidade económico-financeira que motivou o recurso à redução temporária dos períodos normais de trabalho, bem como ao processo extrajudicial de conciliação e à própria redução do capital social; 5) - Nos termos do mencionado acordo, o Autor, a partir de Janeiro de 2007, continuaria a desempenhar as funções que vinha desempenhando de Adjunto de Administração, com o mesmo horário de trabalho e com o mesmo nível de responsabilidade e com a sua remuneração diminuída em € 1.266,00; 6) - A Ré, entretanto, recuperou economicamente, tendo iniciado novo processo de contratação, mas não retomou a retribuição que era devida ao Autor; 7) - Com a tomada de posse da nova Administração da Ré, em 2007, o Autor deixou de desempenhar as funções que desempenhava, desde 2002, acabando por requerer à Ré que lhe fossem atribuídas novas funções, vindo a desempenhar funções de “Comercial”, continuando a receber a remuneração que fora acordada em 2002; 8) - O Autor decidiu cessar o contrato que tinha com a Ré o que veio a suceder em 22 de Janeiro de 2010; e 9) - É ilícita a redução da retribuição relativamente ao período de Janeiro de 2007 a Janeiro de 2010, pelo que, ao Autor, são devidas as diferenças entre os valores que recebeu e aqueles que teria recebido se a sua retribuição não tivesse sido diminuída.

A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 29 de Maio de 2012, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Em face do exposto, e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção procedente e, em conformidade: 1. Declaro: a) que o contrato de trabalho entre o Autor e a Ré se não suspendeu entre 08/02/2001 e 31/03/2009; b) ilícito o acordo de redução da retribuição do Autor realizada em 26/01/2007 e cujo texto se encontra a fls.45 e 46.

Consequentemente, 2. Condeno a Ré apagar ao Autor: a) a quantia ilíquida de € 57.408,81, sobre a qual incidirão os legais descontos e retenções, e b) os juros moratórios contados como antecede.

Custas pela Ré.

O valor da acção encontra-se já fixado a fls. 164, nada mais havendo a determinar (art. 315°n° 2 do Cód. Processo Civil).

Notifique e registe.» Inconformada com esta decisão dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que veio a decidir o recurso por acórdão de 10 de Abril de 2013, em que se decidiu «julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência», se revogou a sentença recorrida.

Irresignado com esta decisão, dela recorre agora de revista para este Supremo Tribunal o Autor, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A. O Acórdão de que ora se recorre viola lei substantiva, fazendo vários erros de interpretação e de aplicação da lei e dos institutos jurídicos por esta consagrados; B. Sendo facto que o disposto no art. 398º do CSC constitui um regime imperativo e de cariz de ordem pública, o que importa aferir é a extensão e consequências da sua "imperatividade" no caso concreto; C. Quanto a este aspeto entendem as Venerandas Desembargadoras que a simples verificação dos requisitos enunciados no art. 398º do CSC implica, per se, a suspensão do contrato de trabalho do trabalhador que a dado momento é nomeado administrador, sendo completamente irrelevante a situação fáctica que se verifica antes, durante e depois da nomeação como administrador, operando a referida suspensão automaticamente, não sendo necessário proceder a mais nenhuma indagação! D. Acontece que não podemos nunca deixar de procurar reconstituir na letra da lei o pensamento jurídico e, sobretudo, como determina o nº 1 do art.º 9.º do CC, de ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; E. Situações existem em que o contrato de trabalho executado por um trabalhador nomeado administrador, por não ofender os interesses públicos que a norma visa proteger e tendo sido executado e produzido efetivamente efeitos, não se poderá ter por suspenso, sendo quando muito nulo; F. Tanto assim é que, como podemos verificar a Lei laboral (lei especial) vem, desde 91, admitindo o exercício das funções de administrador em regime de subordinação jurídica, no âmbito de uma contrato de trabalho, como acontece no caso da comissão de serviço; G. Para situações como a dos autos, em que o exercício das funções de administrador ocorre numa sociedade dependente ou dominada e por um trabalhador subordinado da sociedade dominante (a Ré), defende-se uma interpretação restritiva da regra do art. 398.º nº 2 do CSC, apoiada na ratio da própria norma e que vai no sentido de permitir a acumulação da qualidade de administrador ou titular do outro órgão social na sociedade dominada ou dependente; H. No mesmo sentido temos, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 3364/2007-4, a 04-07-2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt, e ainda as referências de Raul Ventura in " Nota sobre a interpretação do artigo 398.º do CSC" publicado na Revista do Direito, Ano 125,1993, III-IV - e de Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, parte II - Situações laborais individuais, 4ª Edição, pág. 66, a sustentar que a regra constante do nº 1 do art. 398º do CSC tem de ser aplicada restritivamente quando o exercício de funções de administrador ocorre numa sociedade dependente ou dominada por um trabalhador subordinado da sociedade dominante já que, neste caso, a empresa dependente não tem influência na vontade da empresa dominante; I. Esta interpretação do disposto no nºs 1 e 2 do art.º 398º do CSC, está conforme o disposto no art.º 9.º do C. Civil; J. Pelo que, ao considerar que o contrato de trabalho não se suspendeu, e ao não aplicar o nº 2 do art. 398.º do CSC ao caso dos autos, a sentença não violou o disposto neste normativo, fazendo uma correta interpretação do mesmo devendo por isso ser mantida; K. Continua o Acórdão sob censura/afirmando que nada importa que se tenha provado que enquanto foi Administrador da B..., o Autor tenha continuado a exercer, efetivamente, as mesmas funções que vinha exercendo para a Ré e em regime de contrato de trabalho, pois tal situação apenas pode ser entendida como uma situação de fato em violação da lei de lei imperativa, "que não pode ser tutelada pelas leis laborais, mas tão só, pelo instituto do enriquecimento sem causa”; L. Acontece que, pelo simples fato de ter aceite, na sua qualidade de trabalhador da Ré, ser administrador de uma empresa dominada pela Ré mas sem direito a qualquer retribuição, o Autor não adquiriu uma posição de igualdade negocial que lhe permitisse dispor de direitos até então indisponíveis; M. Por outro lado, tendo continuado a prestar a sua atividade para a Ré como Diretor de Serviços, Adjunto da Administração e finalmente como Comercial, o autor foi remunerado por isso, remuneração essa que foi definida pela Ré, tendo por base o contrato de trabalho com ela estabelecido, conforme ficou bem expresso no acordo a que se refere o ponto 12. da fundamentação de fato; N. Parece-nos evidente pois que, não sendo possível à Ré devolver ou repor o trabalho prestado em situação de subordinação jurídica de que beneficiou, este trabalhador merece tutela dos seus direitos, liberdades e garantias de trabalhador como qualquer outro; O. O fato não pode deixar de estar relacionado com o princípio que vai inscrito na parte final do artigo 2.º e na alínea d) do artigo 9.º da CRP. Se se partir da asserção, segundo a qual, o termo trabalhadores, usado pelo texto constitucional, inclui seguramente todos aqueles que prestam a outrem trabalho subordinado - e se se entender que as relações de trabalho subordinado se não configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilística dos contratos (acórdão nº 581/95) -, então a intenção da constituição de proteger especialmente a condição existencial do trabalhador, pretende afinal garantir que a validade dos contratos de trabalho dependa não apenas do consentimento e da vontade das partes mas também que esse consentimento se haja dado dentro de um enquadramento jurídico normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada ao do outro; P. Ou seja, mesmo que se entenda que a manutenção do contrato de trabalho durante o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT