Acórdão nº 1231/11.3T3AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho proferido em 7 de Março de 2013, nos presentes autos de instrução, em que são arguidos “A..., S.A.” e B...

, a Ex.ma Juíza 2, do Juízo de Instrução Criminal, da Comarca do Baixo Vouga – Aveiro, decidiu julgar não regularmente cumprida a notificação estatuída no art.105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, e, em consequência, determinar a devolução dos autos ao Ministério Público a fim de a mesma ser correctamente cumprida.

Inconformado com o douto despacho dela interpôs recurso o Ministério Público concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.º O presente recurso vem interposto da decisão instrutória proferida a fls. 320 e ss. dos autos em epígrafe, pela qual a Mª Juiz de Instrução decidiu a final a fase de instrução requerida pelo arguido B..., na sequência de acusação que contra o mesmo e a sociedade “ A..., SA” havia sido deduzida pelo Ministério Público, por factos integradores do crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 6.º, 105.°, n.° 1, e 107.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT); 2.º Na decisão sob recurso, a Mª Juiz a quo decidiu não pronunciar os arguidos, entendendo que a notificação feita àqueles nos termos do artigo 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT, não foi regularmente cumprida, e determinou “a devolução dos autos ao Ministério Público a fim de a mesma ser correctamente suprida” (sic) - porquanto, no seu entendimento, tendo aqueles sido notificados para proceder ao pagamento de quantia igual à por eles devida e declarada à segurança social, mas superior ao montante (parcelar daquela) que nos autos fundamentou a imputação do crime referido, não se poderia ter tal notificação por válida e suficiente para fundamentar a verificação da condição objectiva de punibilidade; 3.º Entende o Ministério Público que a notificação em causa foi realizada nos termos legalmente prescritos, pelo que, subsistindo o incumprimento após o prazo previsto naquela norma legal, está verificada a condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT, aplicável por via do artigo 107.°, n.° 2, do mesmo diploma legal; 4.º Tendo a sociedade arguida declarado à segurança social, em conformidade com o processamento das remunerações aos respectivos trabalhadores nos meses de Julho a Agosto de 2010, ter feito retenção das quotizações por estes devidas no valor global de € 23.103,86 e omitindo o pagamento das mesmas para além do prazo legalmente prescrito e para além dos 90 dias posteriores ao termo de tal prazo, é com referência a tal valor que deve ser feita a notificação referida — independentemente de se vir a apurar que não ocorreu pagamento efectivo da totalidade das remunerações que servem de base de incidência para cálculo de tais quotizações; 5.º A condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT, pressupõe apenas e tão só que após a aludida notificação permaneça por pagar a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração - sendo referente do valor a constar da notificação o vertido na declaração e correspondente ao devido (n.° 7 do artigo 105.°); 6.º Ora, as prestações que devem ser comunicadas e pagas à segurança social são os tributos (contribuições e quotizações) devidos, calculados por aplicação das taxas legalmente fixadas ao valor da remuneração que lhe serve de base de incidência (que é a devida ao trabalhador) - e não apenas os retidos sobre os rendimentos efectivamente pagos - como decorre das disposições conjugadas dos artigos 4.º, 5.º, n.° 2, e 6.º do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9 de Maio, do artigo 10.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de Junho, do artigo 57.°, n.° 1, da Lei n.° 4/2007, de 16 de Janeiro, e dos artigos 13.°, 14.°, 37.° e 38.°, n.°s 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro; 7.° Ou seja, a constituição da obrigação contributiva depende apenas da prestação da actividade profissional por parte do trabalhador, desconsiderando-se para efeitos do vencimento da obrigação a circunstância de as remunerações terem ou não terem sido efectivamente pagas — abrangendo a obrigação contributiva tanto a obrigação de declaração como a de pagamento das contribuições e quotizações constitui-se, a qual se vence mensalmente.

  1. De onde se conclui que a notificação posta em causa no despacho recorrido foi feita de forma perfeitamente regular e em conformidade com o legalmente determinado — não se prevendo no RGIT, ou em qualquer outro diploma legal, uma qualquer segunda notificação com o respectivo valor alterado em função do que venha a ser indiciado ou provado no futuro procedimento criminal e da evolução do respectivo objecto processual; 9.º Por outro lado, entendemos não ser legalmente admissível (na hipótese de se vir apurar, no decurso do procedimento criminal, não estar verificada a condição objectiva de punibilidade em apreço) que a autoridade judiciária titular de uma determinada fase processual conforme os trâmites processuais por forma a fazer verificar tal condição, de que depende a existência de um crime - nomeadamente que se possa determinar, como se fez no despacho recorrido, ‘a devolução dos autos ao Ministério Público’ (fazendo-os recuar à fase de inquérito) para que este órgão diligencie por que seja ‘correctamente suprida’ a notificação de que depende a ocorrência de tal condição de punibilidade.

  2. A notificação em questão não é um acto processual penal - é um acto administrativo, que incumbe à administração tributária, e tem, ou deve ter, lugar em momento que lógica e cronologicamente é prévio à existência do facto criminoso e, portanto, à existência de um qualquer procedimento criminal validamente instaurado.

  3. Assim sendo, proceder à mesma no âmbito do inquérito ou da instrução, ou ordenar à administração tributária que à mesma proceda, extravasa o âmbito e a finalidade do procedimento criminal, nomeadamente das fases processuais referidas; 12° Nos termos dos artigos 262.°, n.° 1, e 267.° do Código de Processo Penal, o inquérito tem como finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação, compreendendo o conjunto de actos e diligências que, sob a égide do Ministério Público, visam assegurar tais finalidades; 13° E findo o inquérito, ou existem indícios suficientes de se ter verificado crime e da respectiva autoria, caso em que o Ministério Público deduz acusação (ou opta por formas alternativas de resolução processual que tenham por pressuposto aquele esclarecimento), ou não se verifica tal indiciação suficiente, caso em que os autos são arquivados - artigos 277.°, 280.°, 281.° e 283.° do Código de Processo Penal; 14° Conforme decorre dos artigos 286.°, n.° 1, 289.°, n.° 1, e 290.°, n.° 1, do mesmo Código, a instrução, cuja direcção compete a um juiz de instrução, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento - sendo formada pelos actos de instrução necessários à realização daquelas finalidades; 15° E, no que toca ao conteúdo da decisão instrutória, resulta dos artigos 307.°, n.° 1, e 308.°, n.°s 1 e 3, que a mesma decide das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer, sendo proferido despacho de pronúncia ou de não pronúncia consoante tenham ou não sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança; 16.° Num caso como o dos autos, caso o juiz de instrução entenda não estar verificada uma condição objectiva de punibilidade, o que está em causa é a verificação de que não estão reunidos os pressupostos de que depende a existência de crime (como facto típico, ilícito, culposo e punível) — pelo que a decisão, a ter-se por correcta a conclusão da Mª Juiz a quo (o que não se concede), deveria ter sido a de não pronunciar os arguidos; 17.° O que não pode a Mª Juiz a quo fazer é promover, por via da ordem dirigida ao Ministério Público (como não o pode igualmente fazer este órgão), a completude da ocorrência de factos materiais e penalmente censuráveis dos quais, na sua tese, depende a existência do crime e, logo, a verificação dos pressupostos materiais da pronúncia; 18.° Pelo que vem exposto, conclui-se que ao proferir a decisão sob recurso a Mª Juiz a quo fez, antes do mais, errada interpretação e aplicação da norma jurídica decorrente das disposições conjugadas dos artigos 105.°, n.° 4, al. b), e 107.°, n.° 2, do RGIT — violando-a; 19.° Bem como violou, por não ter feito a aplicação devida das mesmas, as normas decorrentes da conjugação daquelas disposições com o disposto no artigo 105.°, n.° 7, do RGIT, por referência ao regime resultante do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9 de Maio (nos seus artigos 4.º, 5.º, n.° 2, e 6), do Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de Junho (no seu artigo 10.°, n.°s 1 e 2), da Lei n.° 4/2007, de 16 de Janeiro (no seu artigo 57.°, n.° 1) e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (nos seus artigos 13.°, 14.°, 37.° e 38.°, n.°s 1 e 2); 20.° Ademais, a Mª Juiz a quo, erradamente, interpretou e aplicou a norma jurídica decorrente dos citados artigos 105.°, n.° 4, al. b), e 107.°, n.° 2, ao considerar a notificação aí prevista, não como o acto administrativo e estranho ao processo penal que é, mas como se de um acto processual penal se tratasse — e ainda como se ferido de alguma irregularidade própria de processo de tal natureza, determinando ao Ministério Público que trate de a sanar; 21.° O que resulta de uma errada consideração das finalidades e âmbito do processo penal nas suas fases de inquérito...

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