Acórdão nº 01119/08.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução11 de Outubro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ” (doravante «MFF»), R. na presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 05.07.2012, que julgando parcialmente procedente a ação movida por PNMF... e HSJMCF...

o condenou a pagar aos AA. a “… quantia de 2.880,06 € como indemnização pelo danos materiais correspondentes à perda dos vencimentos de arquiteto estagiário que o Autor, desempregado desde agosto - outubro de 2002, inclusive, deixou de auferir …”, a “… quantia de 3.000 € a título de indemnização pelas despesas com honorários forenses pagos pelos Autores no Recurso Contencioso n.º 392/2002 …” e a “… quantia de 20.000 €, como indemnização por danos morais ...

” quantias essas às quais “… acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação do Réu nestes autos …”.

Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respetivas alegações [cfr. fls. 397 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Não é devida indemnização aos AA. pelo reputado dano perda de chance de uma carreira de arquitetos na função pública e a residir na Figueira da Foz.

  2. Com efeito, traduzindo-se a perda de chance numa perda definitiva de oportunidade de obter uma futura vantagem, essa perda não se verificou in casu, pois o réu executou a sentença anulatória proferida no processo 393/2002 (factos M e N), retomando o procedimento concursal e chamando os AA. (facto O) para tomarem posse, o que estes não fizeram porque não apresentaram os documentos necessários, prescindindo da nomeação objeto do concurso.

  3. Ao atribuir uma indemnização por tal dano, a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no art. 483.º, 1 e art. 496.º, 1 e 3 do Cód. Civil.

  4. Considerando a disciplina dos arts. 496.º, 3, 1.ª parte e 494.º do Cód. Civil, bem como a jurisprudência seguida pelos nossos Tribunais relativamente à condenação por danos não patrimoniais, não deverá arbitrar-se uma indemnização superior a 1.500,00€ a cada um dos AA. pelo desânimo e revolta sentidos.

  5. Ainda que se aceite integralmente o raciocínio do Tribunal quanto a todos os danos morais elencados na página 19 da sentença (perda de chance, expectativas goradas, desânimo e revolta), não pode aceitar-se em todo o caso a indemnização arbitrada de 10.000,00€ a cada um dos recorridos, por desproporcional e irrazoável. Ao decidir nos moldes decididos, o Tribunal violou o disposto no art. 496.º, 1 e 3 e 494.º do Cód. Civil. Assim, admitindo-se, por hipótese, verificados todos os danos não patrimoniais vertidos na douta decisão recorrida, o montante a arbitrar a cada um dos recorridos não deverá ser superior a 2.000,00€.

  6. O Tribunal a quo não dá como provado que arquiteto seria posto no lugar a concurso, apenas admite que seria provável que isso acontecesse [«(…) que lhe impunham praticar o ato final do concurso, que haveria de ser, com toda a probabilidade, o ato de homologação, a que se seguiria, com toda a probabilidade, o provimento e o início dos estágios»]. Apesar disso, condenou o R. no pagamento de réu da perda salarial sofrida pelo A. marido verificada durante 3 meses, num total de 2.880,06.

  7. Por não passar de uma séria probabilidade, o que está verdadeiramente em causa é uma perda de chance do autor de auferir um vencimento de 960,02 € durante 3 meses. Como assim, devia o Tribunal julgar segundo juízos de equidade, atendendo às possibilidades de o lesado obter o benefício que podia resultar da chance perdida (também assim o Ac. Tr. Rel. Lisboa, 04/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, sendo Relator o Desembargador Bruto da Costa). Não o fazendo, violou o disposto no art. 566.º, 1 e 3 do Cód. Civil.

  8. O valor a arbitrar, justo e razoável para compensar aquela perda de oportunidade, não deverá ser superior a 1.000,00 € …”.

Os AA., aqui recorridos, devidamente notificados vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 409 e segs.

] nas quais sustentam a manutenção do julgado e para o efeito formularam o seguinte quadro conclusivo: “...

  1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município da Figueira da Foz da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 5 de julho de 2012, por discordância com a quantia atribuída pelo Tribunal a quo a título de danos morais a cada um dos Autores, e com a verba atribuída ao Autor por perdas e diferenças salariais, apontando à sentença recorrida um alegado erro de julgamento, que rebatemos por manifestamente infundado, subscrevendo na íntegra o entendimento plasmado na douta sentença.

  2. É devida aos Autores indemnização pelo dano perda de chance de uma carreira de arquitetos na função pública; volvidos sete anos entre a prática do ato ilícito e a retoma do concurso, e atendendo às necessárias mudanças operadas na vida dos Autores - tiveram que prosseguir com a sua vida, trilhando um caminho de assumidas opções irreversíveis - terá que considerar-se que perderam definitivamente aquela oportunidade concreta e certa de, em 2002, ocuparem os lugares da categoria de estagiários e que perderam consequentemente a chance, se não mesmo a oportunidade certa de, a partir daquela promoção, lhes ser proporcionada a possibilidade de ingressarem e progredirem na carreira de arquiteto na função pública, e de manter a sua residência na Figueira da Foz.

  3. Afirmar-se que os Autores não perderam a oportunidade definitiva de acederem à função pública e de residirem na Figueira da Foz, porque passados sete anos essa oportunidade lhes foi novamente concedida, revela inconsciência das consequências reais que provocou a prática do ato ilegal no início da sua vida; os Autores poderiam ter beneficiado dessa oportunidade única se, em 2002, ao invés de revogar o ato que autorizou a abertura do concurso, em manifesta violação dos princípios da boa fé e da confiança, o Réu tivesse emitido o ato final do procedimento.

  4. A incapacidade da Autora para, em 2008, aceitar o cargo de estagiária não pode servir de fator que subvalorize a ilegalidade cometida pelo Réu em 2002 e conduzir à sua desresponsabilização; foi o Réu quem impossibilitou que os Autores beneficiassem da vantagem real de que demonstraram ser merecedores ao longo de todo o procedimento concursal; se os Autores não tivessem perdido definitivamente a oportunidade de, em 2002, terem ocupado os lugares para a categoria de estagiários, as probabilidades de ingressarem na carreira de arquitetos na função pública e de residir na Figueira da Foz eram reais, sérias, consideráveis, estando mais do que justificado ser o dano indemnizável.

  5. O grau de consistência e certeza de provimento dos Autores nos lugares postos a concurso e a probabilidade do seu posterior ingresso e progressão na carreira na função pública era de tal forma forte que é forçoso concluir-se pela verificação do dano perda de chance, e consequentemente, que a sentença não incorreu em qualquer erro de julgamento ou violação do disposto nos artigos 483.º n.º 1 e art. 496.º n.ºs 1 e 3 do Código Civil.

  6. Ainda que se só tivessem sido considerados pelo Tribunal a quo os danos morais traduzidos no desânimo e na revolta dos Autores, o valor de 1.500,00€ sugeridos pelo Réu sempre seriam insuficientes e irrazoáveis, por não representarem uma justa reparação dos prejuízos que se demonstrou terem sofrido os Autores.

  7. Não merece também acolhimento o entendimento de que, mesmo que se venha a manter a decisão quanto aos danos morais considerados e elencados na página 19 da sentença recorrida, designadamente os danos relativos à perda de chance, é excessiva a indemnização de 10.000,00 € arbitrada não devendo este montante ser superior a 2.000,00 € para cada Autor.

  8. Não se pode desconsiderar que em consequência da revogação do concurso, os Autores se viram forçados a abandonar um conjunto de atividades integrantes da sua vida profissional, no qual vinham a trabalhar há dois anos àquela parte, e que passaram a exercer um diverso conjunto de atividades integrantes da mesma profissão, e que para um arquiteto em geral é menos interessante (cfr. ponto 10.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento).

  9. Não se pode menosprezar que os Autores tivessem a sua vida familiar e profissional organizada e sedeada na cidade da Figueira da Foz, onde era sua intenção continuar a residir e a trabalhar (cfr. ponto 7.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento), e que por força do ato ilegalmente emitido pelo Réu, se viram obrigados a efetuar uma mudança para uma outra cidade (cfr. ponto 8.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento).

  10. O facto de à data da prática do ato ilegal os Autores serem pessoas jovens não significa que não tivessem sofrido desgostos, desânimo e revolta pelo facto de lhes ser coartada a oportunidade de serem promovidos na categoria de estagiários de arquiteto e, posteriormente, de poderem ingressar e progredir na carreira de arquiteto na função pública; não pode questionar-se a dimensão do sofrimento dos Autores, digno de indemnização, não podendo classificar-se os prejuízos com todo esse processo de mudança e readaptação às circunstâncias, como meros incómodos e pequenas contrariedades corriqueiras.

  11. Quanto à douta jurisprudência citada pelo Recorrente, é incorreta a comparação entre danos que são, na realidade, incomparáveis, entre danos que decorrem de circunstâncias diversas da do caso concreto e que são produzidos na esfera pessoal de indivíduos diferentes dos Autores.

  12. Outra não poderá ser a decisão do Venerando Tribunal ad quem, senão concluir pela inexistência da alegada violação dos artigos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT