Acórdão nº 564/11.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelSÉRGIO POÇAS
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.Relatório AA intentou contra BB -Investimentos Imobiliários Ibéricos, SA acção declarativa com processo ordinário, alegando, em síntese, que no dia 21 de Novembro de 2007 o autor e a ré, na qualidade, respectivamente, de promitente comprador e de promitente vendedora, celebraram um contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio com a propriedade horizontal ainda por constituir, pelo preço de global de 352 000,00 euros, do qual o autor pagou o montante de 35 200,00 euros a título de sinal e princípio de pagamento, tendo a ré informado o autor, em 15/06/2009, de que tinha sido convertido em definitivo o registo de propriedade horizontal e, em 26/06/2009, de que estava marcada para o dia 28/07/2009 a outorga da escritura pública do contrato prometido, mas acordando as partes no dia 7/07/2009 que tal escritura não se realizaria no agendado dia 28 de Julho em virtude de a ré ter concedido ao autor a possibilidade de ceder a terceiro sua posição no contrato, sem fixar qualquer prazo para que tal cedência fosse concretizada.

Alegou ainda que, após uma visita à fracção onde constatou que as áreas da fracção não correspondiam às que foram acordadas no contrato promessa, dirigiu, em 22/09/2010, uma carta à ré onde lhe solicitava que tomasse medidas para resolver esta questão, não tendo a ré respondido a esta carta, mas enviando ao autor uma carta em 19/10/2010, onde lhe comunicava que já lhe havia enviado outra carta em 20/09/2010 que veio devolvida e na qual a ré já resolvera o contrato promessa invocando o incumprimento definitivo e culposo do autor por este não ter outorgado a escritura no prazo adicional fixado numa outra carta de 11/01/2009, sendo certo, porém, que o autor não recebeu estas cartas alegadamente enviadas pela ré em 20/09/2010 e em 11/01/2010, razão pela qual dirigiu à ré uma carta em 19/11/2010 manifestando a sua discordância com esta actuação e considerando-se desvinculado do contrato promessa, ao que a ré respondeu através de carta de 6/12/2010, mantendo a sua posição.

Mais alegou que a resolução do contrato promessa efectuada pela ré é ilícita e, como tal, constitui um incumprimento definitivo da ré, que faculta ao autor o direito de reclamar a restituição do sinal em dobro e que, se assim não se entender, deverá considerar-se nulo o contrato promessa nos termos do artigo 280° do CC, por impossibilidade de cumprimento das áreas acordadas.

Concluiu pedindo que fosse declarada ilícita a resolução do contrato promessa efectuada pela ré e definitivamente incumprido o contrato por esta e a sua condenação a restituir-lhe em dobro o sinal, no valor de 70 400,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Subsidiariamente, pediu a declaração de nulidade do contrato promessa e a condenação da ré a devolver-lhe em singelo quantia entregue a título de sinal, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

A ré contestou, alegando, em síntese, que nunca acordou com o autor em dar sem efeito a escritura agendada para o dia 28/07/2009 e em esperar que este arranjasse um terceiro a quem ceder a sua posição contratual, tanto que, por cartas de 24/08/2009 e de 11/01/2010, insistiu com o autor para que fosse outorgada a escritura, fixando-lhe prazo para o efeito, mas sem sucesso, pois este já havia perdido o interesse em celebrar o contrato, pelo que a contestante o resolveu por carta de 20/09/2010, não tendo o autor recebido essas cartas por culpa sua, em virtude de ter alterado a morada constante no contrato sem avisar a ré, sendo a lícita a resolução do contrato, face ao incumprimento definitivo do autor, mesmo porque o contrato continha uma cláusula que permitia a resolução caso o autor faltasse à outorga da escritura, como aconteceu logo no dia 28/07/2010, podendo, por isso a ré fazer sua a quantia entregou a título de sinal.

Alegou ainda que as alterações das áreas da fracção são de mero pormenor e ocorreram por exigências de execução do projecto e do licenciamento junto da Câmara Municipal, como aliás estava previsto no contrato promessa, não existindo qualquer nulidade.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que: 1.Declarou ilícita a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre as partes no dia 21 de Novembro de 2007, operada pela ré.

  1. Julgou, no entanto, improcedentes os pedidos do autor, deles absolvendo a ré e considerando consequentemente o contrato promessa em vigor, ou seja: 2.1.- o pedido no sentido de que seja "determinado que a ré, ao proceder à sua ilícita resolução, incumpriu definitivamente o predito contrato promessa"; 2.2- o pedido no sentido de que a ré "seja condenada a devolver em dobro ao autor a quantia por este entregue a título de sinal e princípio de pagamento no montante de 70 400,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento ".

  2. Mais julgou improcedente o pedido subsidiário do autor, dele absolvendo a ré, no sentido de que seja "declarada a nulidade do contrato promessa por impossibilidade superveniente do seu objecto, e, consequentemente, a ré ser condenada a devolver em singelo ao autor a quantia por este entregou a título de sinal e princípio e pagamento, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento ".

    Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação. A recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e interpôs recurso subordinado.

    O Tribunal da Relação decidiu: Pelo exposto, acorda-se julgar improcedente a apelação do autor e a apelação subordinada da ré e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

    Inconformado, o autor de acordo com o disposto no artigo 721º-A do CPC interpôs recurso de revista excepcional.

    A Formação a que se refere o nº 3 do mencionado artigo 721º-A decidiu a admitir a pretendida revista excepcional.

    Concluiu o recorrente: 1.ª Pelas razões acima expostas, o recorrente entende que está em causa uma questão de direito cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; 2.ª Com efeito, como se demonstrou, existe (ainda) controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto à apreciação dos efeitos da resolução ilícita do contrato-promessa, mais precisamente se, perante essa resolução, o promitente fiel pode considerar-se, desde logo, desvinculado do contrato (com fundamento em incumprimento definitivo derivado de recusa de cumprimento da contraparte) ou se, diferentemente, a resolução ilícita não significa uma recusa em cumprir o contrato, mas apenas uma mera imputação do incumprimento à contraparte, sem efeito destrutivo do vínculo contratual e, portanto, sem facultar à parte fiel o direito de se considerar desvinculada do contrato e de accionar o mecanismo sancionatório previsto no artigo 442.º, n.º 2, do CÓDIGO ClVIL; 3.ª O recorrente entende que está em causa uma questão complexa e fundamental cuja relevância jurídica ultrapassa claramente a importância do caso concreto, sendo determinante a adopção de uma posição uniforme a este respeito, de modo a que o promitente fiel possa saber como actuar perante a resolução ilícita do contrato-promessa pela contraparte; 4.ª Pode considerar-se desvinculado do contrato e accionar o mecanismo sancionatório previsto no artigo 442.º, n.° 2, do Código Civil ou, como se entendeu no douto acórdão recorrido, continua obrigado a cumprir um contrato ilicitamente resolvido pela contraparte? 5.ª A decisão recorrida conduz a uma solução que acaba por obrigar o contraente consumidor, que não incumpriu definitivamente o contrato-promessa, a ficar vinculado ao cumprimento de um contrato definitivamente incumprido pela contraparte (promotora imobiliária), em virtude de esta ter procedido à sua resolução ilícita; 6.ª Estando em causa, ademais, um negócio celebrado em 2007 é, assim, por demais evidente que a manutenção em vigor do contrato-promessa conduz a uma solução injusta, em detrimento, neste caso, do recorrente promitente-comprador; 7.ª No entender do recorrente, o douto acórdão recorrido colide, pois, com valores sociais dominantes que o direito visa tutelar pois, no seu entender, ninguém pode ser obrigado a cumprir um contrato ilicitamente resolvido pela contraparte e que esta, portanto, já recusou cumprir de forma expressa e categórica; 8.ª Os interesses em apreço ultrapassam significativamente os limites do caso concreto, dado que está em causa uma questão de particular interesse social - é socialmente abundante a celebração de contratos-promessa de compra e venda de imóveis, sendo essencial que o venerando stj se posicione de forma uniformizadora quanto à questão dos efeitos da resolução ilícita do contrato-promessa e ao modo como o contraente fiel pode actuar perante tal resolução, designadamente se pode considerar existir incumprimento definitivo da contraparte, se pode considerar-se desvinculado do contrato-promessa e se pode, em consequência, accionar o regime sancionatório do sinal; 9.ª Face ao exposto, o ora recorrente entende estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do presente recurso, com fundamento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do Código De Processo Civil; 10.ª No que tange ao mérito do recurso, salvo o devido respeito, que é muito, o ora recorrente entende que se impõe uma decisão inversa da recorrida quanto à questão de direito expendida nas alegações supra; 11.ª Não obstante ter considerado ilícita a resolução extrajudicial do contrato promessa efectuada por declaração receptícia da recorrida, não andou bem o tribunal recorrido ao manter a decisão de improcedência do pedido de condenação na devolução do sinal em dobro ao recorrente por entender que aquela resolução, embora ilícita, não constitui uma demonstração inequívoca da vontade de não cumprir; 12.ª a resolução operada...

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