Acórdão nº 2848/10.9TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução12 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA, com os demais sinais dos Autos, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra «BB, S.A.

», pedindo, a final, que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, condenando-se a Ré a reintegrá-la e a pagar-lhe todas as retribuições intercalares desde os 30 dias anteriores à propositura da acção, incluindo prestações complementares de subsídio de alimentação e valores pecuniários correspondentes à utilização de viatura, gasolina, cartão de crédito e subsídio para despesas escolares dos descendentes.

Alegou para o efeito, em síntese, o seguinte: - A partir da década de 1990 começou a colaborar com a Ré na área da investigação aplicada, estudos e desenvolvimentos, em conexão com a sua actividade de docente na área de energia eléctrica, como professora do …; - Em Junho de 2001, foi designada vogal do Conselho de Administração da “CC”, uma empresa do ‘Grupo BB’, da qual a ora Ré era detentora de capital, desempenhando esse cargo e funções até terminar o mandato, em 25.06.2003; - A partir desta data, cessou funções de vogal do CA da “CC” e foi desempenhar funções de assessora do presidente do Conselho de Administração Executivo da ora Ré, sobretudo na área da formação avançada; - Iniciou então com a Ré uma verdadeira relação laboral, desempenhando essa actividade nas instalações da Ré, com carga horária superior de 7 horas diárias, com apoio administrativo da Ré, incluindo funcionários desta, que a co-adjuvavam, e na dependência das instruções do Presidente do CA da Ré; - Apesar disso, foi nomeada, em 25.06.03, vogal do CA de uma outra empresa do Grupo da Ré, a “DD”, cujo capital social era detido pela Ré, sociedade essa que apenas cobriu formalmente a relação contratual da A., sendo que tal sociedade praticamente já não tinha qualquer actividade, porque transferida para a Plataforma de Formação e Documentação de outra empresa do Grupo, a “BB/…”, limitando-se a A. a assinar a documentação necessária e a receber o seu vencimento processado através da referida empresa (DD); - Em Junho de 2006, foi novamente nomeada vogal do CA da “CC”, empresa do Grupo, cargo que desempenhou até Julho de 2009, sem que isso significasse qualquer alteração ao vínculo laboral que já detinha com a ora Ré; - Quando cessou funções no Conselho de Administração da “CC” pretendeu que a Ré lhe atribuísse novas funções, sendo que esta recusou reconhecer a existência de vínculo laboral, negando-se a assumir a posição de empregadora desde Agosto de 2009 em diante, o que equivale a um despedimento; - Além de, ultimamente, receber a quantia fixa de € 7.916,00 e subsídio de refeição, gozava ainda de outras regalias, como direito de uso de viatura, incluindo para uso pessoal, com gasolina paga, cartão de crédito para despesas de representação, complemento de despesas de descendentes, que igualmente fazem parte da retribuição e que devem ser incluídos nos intercalares.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Aduziu em sua defesa que: - A A. nunca manteve relação laboral com a Ré, mas sim uma relação de mandato com as empresas do Grupo BB e suas participadas, a saber, como vogal do Conselho de Administração da “CC – …, S.A.”, por deliberação de 28/06/2001, seguidamente de vogal do CA da “DD – …, S.A.”, por deliberação de 25.06.03, e, finalmente, vogal do CA da “CC”, por deliberação de 28.03.06, até Julho de 2009, altura em que deixou de ter qualquer vínculo com as empresas do Grupo BB.

Instruída, discutida e julgada a causa, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e declarou ilícito o despedimento de que a A. foi alvo, condenando a Ré a reintegrá-la em idêntica categoria àquela que detinha aquando da suspensão do contrato de trabalho, em Junho/2006, nos termos referidos, condenando ainda a Ré a pagar à A. o correspondente ao valor das retribuições (base e complementares, supra discriminadas) que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em incidente de execução, com desconto dos valores a que se refere o art. 390.º, n.º 2, a) e c), do Código do Trabalho/09.

2.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão prolatado a 6.2.2013, lhe concedeu provimento, assim revogando a decisão recorrida e absolvendo a R. do pedido.

É ora a A. que, irresignada, nos pede Revista.

Termina a alegação produzida com a formulação destas conclusões: 1. Importa começar por determinar se a actividade ao serviço da ré iniciada pela autora em 25 de Junho de 2003 e referida no n.º 8 dos factos da p. i., dados como provados, ocorreu antes ou após a eleição da autora como membro do Conselho de Administração da DD que teve lugar na mesma data.

  1. Para o acórdão recorrido, aquela actividade surgiu depois da eleição da autora com administradora – vide o penúltimo parágrafo da página 45 do acórdão.

  2. Esta posição contraria os princípios da repartição do ónus da prova, consagrados no art. 342.º do CC.

  3. Nesta sede, à autora compete demonstrar a existência do contrato de trabalho entre as partes – facto constitutivo do seu direito – e à R. que ele, a existir, se iniciou durante o período para o qual a autora foi designada administradora da DD, facto alegadamente extintivo do direito da Autora (n.º 1 do art. 398.º do CSC).

  4. A matéria de facto provada nada diz sobre este ponto, limitando-se a considerar demonstrado que ambos os factos ocorreram em 25 de Junho de 2003, sem qualquer indicação de sequência.

  5. Temos assim um non liquet que importa resolver.

  6. Competindo à ré a prova de que o contrato de trabalho, a existir, foi celebrado durante o exercício das funções de administração, e não tendo ela feito essa prova, a dúvida resolve-se contra a ré – art. 516.º do C.P.C.

  7. A posição do acórdão recorrido viola o disposto no art. 342.º do CC.

  8. Há, antes, que considerar provada a anterioridade do início da actividade da autora ao serviço da ré em relação ao momento da sua eleição para o conselho de administração da DD.

  9. O conhecimento desta matéria pelo STJ é admissível face à norma do art. 722.º, n.º 1, a), do CPC, pois que o acórdão recorrido violou o citado art. 342.º do CC e o art. 516.º do CPC.

  10. No que respeita à natureza do vínculo estabelecido entre as partes, todos os indícios apontam para que deva ser qualificado como laboral, pelo que o acórdão recorrido violou a norma do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 49.408, ao não reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre as partes.

  11. Assim, nos artigos 42.º a 68.º das presentes alegações, que se dão por inteiramente reproduzidos, são relacionados os factos provados nos autos que constituem indícios mais do que reveladores da existência desse contrato.

  12. Designadamente o comprovam as orientações dadas pelo GG da BB à autora, e os 12 (!) indícios entre os artigos 57 e 68 das presentes alegações e que se dão aqui por reproduzidos.

  13. Acresce que se encontra demonstrado, através de documentos particulares, com força probatória plena, nos termos do art. 376.º do Cód. Civil, a existência de orientações que constituem ordens directamente dirigidas pelo GG da ré à autora e que comprovam a existência da subordinação jurídica fora de qualquer ligação à DD.

  14. Trata-se dos documentos referidos nos artigos 46.º a 53.º das presentes alegações que, dada a sua força probatória, permitem ao STJ a apreciação da prova – n.º 3 do art. 722.º do CPC.

  15. Esses documentos traduzem uma evidente subordinação da autora à ré e são manifestamente incompatíveis com a tese de que a actividade da ré se inseria nas suas funções de administradora.

  16. Entendeu-se, no acórdão recorrido, que os apontados indícios "não assumem relevo significativo, dada a especificidade própria da actividade de um qualquer membro do conselho de administração de uma sociedade anónima, que deve respeitar a competência normal dos outros administradores ou conselho, nos termos da lei — arts 405.º a 407.º do Código das Sociedades Comerciais”.

  17. Diz-se também que um administrador não é o "dono e senhor absoluto da empresa"; integra sim uma equipa, "sendo absolutamente normal que deva obedecer às determinações do administrador competente nas outras áreas que não as que lhe estão atribuídas".

  18. Refere-se ainda que a actividade prestada pela autora teve em vista a "gestão da actividade" (sic) da DD.

  19. As expressões transcritas - como várias outras incluídas no Acórdão recorrido - são acriticamente importadas do acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2009 (Jusnet 96/2009), onde são emitidas a propósito de uma situação bem diferente da dos autos.

  20. Para chegar à conclusão que adopta – de que a actividade da Autora se insere nas suas funções de administradora – a Ré considera que a actividade da Autora, ao serviço da Ré, se inicia após a eleição, violando a norma substantiva do art. 342.º do CC.

  21. Deve, logo por aqui e em consequência, anular-se a conclusão do acórdão, fixando-se que a Autora exerceu a actividade provada ao serviço da Ré, ao abrigo de uma relação laboral.

  22. Por outro lado, a conclusão do Acórdão é nula nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, uma vez que os seus fundamentos estão em oposição à decisão tomada.

  23. Com efeito, estando provado – n.ºs 46.º a 50.º – que a DD não possuía qualquer actividade em Lisboa, é contraditório afirmar que a Autora exercia uma importante actividade em nome de uma sociedade que começou por dizer-se que não tinha qualquer actividade! 25. Por último, esta conclusão do acórdão recorrido viola as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 406.º do CSC.

  24. Nas sociedades anónimas a lei determina que a gestão é da competência do conselho de administração, sem interferência dos accionistas e da assembleia, salvo se tal lhe for expressamente solicitado pelo órgão de gestão – art. 373.º, n.º 3.

  25. Assim, o Presidente do Conselho...

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