Acórdão nº 01341/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução11 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, julgou improcedente a reclamação deduzida, nos termos dos artigos 276º e seguintes do CPPT, contra o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela (no processo de execução fiscal nº 2704201001012339) de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão de tal processo de execução fiscal.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: A. O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A………… contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267°, nº 5, da CRP, 60° da LGT e 45° do CPPT.

  1. O Acórdão deste STA de 26.09.2012, acolhido e transcrito na decisão aqui posta em crise, acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa - cf., em particular, página 29 da sentença aqui posta em crise.

  2. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60° do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A…………, a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

  3. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

  4. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2° da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

  5. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cf. artigo 60°, nº 1, alínea b), da LGT -, sendo que os nºs. 2 e 3 do mesmo artigo 60° da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

  6. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

  7. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia - no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op. cit.

    I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, ac. STA de 28-05-2002, proc. 48378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento ((4) Nas expressivas palavras do Exmo. Senhor Dr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, em voto de vencido ao entendimento que fez maioria no mencionado Ac. deste STA de 26.09.2012: «O prazo de 10 dias para decidir o dito "procedimento" é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente. Daí que não nos devemos impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um "despacho" a justificar a urgência da decisão»), que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

  8. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 31 da sentença recorrida.

  9. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

    L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170°, nº 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa ((5) «No CPPT, quando se estabelecem restrições probatórias (que têm carácter excepcional, como se infere dos arts. 72° da LGT e 50° e 115°, nº 1, do CPPT), é utilizada uma referência explícita nesse sentido, como se constata nos arts. 146°-B, nº 3, 204°, nº l, alínea i), e 246° do CPPT» - cf. Jorge Lopes de Sousa, op. cit. -, o que não sucede no caso do pedido de dispensa de prestação de garantia.

    ) M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

  10. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá - e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental - em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45° do CPPT.

  11. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

  12. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária...

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