Acórdão nº 5523/05.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2013
Magistrado Responsável | GREGÓRIO SILVA JESUS |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Recurso de Revista nº 5523/05.2TVLSB.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA S.A., com sede no Largo … de …, .., ..., e BB, com domicilio na Rua ..., nº …, ….º …., Lisboa, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra CC e DD, com domicílio na Rua ..., …, …, EE, S.A., com sede na …, …, …, ..., e FF-..., S.A., com sede na Rua ..., …, …, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento: - à 1.ª e 2.º autores uma indemnização pelos danos negativos ou de confiança por eles sofridos, respectivamente, nos valores de 445.448,00€ e 459,029,50€; - ao 2.º autor uma indemnização pelos danos positivos no valor de 11.375.000,00€.
Para tanto, alegaram, em síntese, que em Março de 2003, o 1.º réu - CC - contactou formalmente o 2.º autor apresentando-lhe um projecto de investimento que consistia na constituição de uma sociedade em Portugal, cujo objecto seria o da produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda com ou sem compromisso de recompra por preço certo ou aleatório e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como de, qualquer um dos seus derivados ou transformados.
O objectivo da parceria proposta seria o lançamento, em fase ulterior, do primeiro Fundo Florestal Português, constituído exclusivamente por activos do sector florestal. O Fundo seria constituído por propriedades rústicas em Portugal, compradas ou arrendadas a terceiros, que seriam geridas por aquela nova sociedade a constituir em parceria com a EE, S.A.
No decurso das negociações, das várias reuniões havidas entre as partes, dos protocolos de intenções e da minuta de parceria elaborados, os autores convenceram-se justificadamente de que o projecto seria concluído.
Acontece que os réus, não obstante a expectativa e confiança geradas, não avançaram com o negócio e à revelia do dever de conclusão que sobre eles impendia, optaram por fazer uma parceria com outras entidades, nomeadamente, o grupo FF.
Ao romperem de forma arbitrária e unilateralmente as negociações violaram os elementares princípios da boa-fé na formação dos contratos, constituindo-se na obrigação de ressarcir os danos negativos e positivos causados.
Regular e pessoalmente citados, a ré FF, na sua contestação, excepcionou a ineptidão da petição inicial e impugnou o alegado pelos autores afirmando nunca ter sido parte no negócio, concluindo pela sua absolvição da instância e do pedido.
Por seu turno, os réus CC, DD e EE, S.A., excepcionaram a ilegitimidade da 1.ª autora e do 1.º, 2.º e 4.ª ré, impugnaram em grande parte o alegado pelos autores, e concluíram pela absolvição da instância dos 1.º, 2.º e 4.ª ré e do pedido de todos os réus, assim como pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé em indemnização no valor de 122.795,00€ e em multa condigna.
Replicaram os autores e treplicou a ré FF.
No despacho saneador decidiu-se pela improcedência das excepções dilatórias arguidas, à excepção da 4.ª ré - FF- que foi considerada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância.
Condensado o processo, com reclamação dos réus desatendida, rogada à Justiça Espanhola a inquirição de algumas testemunhas, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguida da prolação da sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos, bem como os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Inconformados, apelaram os autores, mas a Relação, por acórdão de 4/10/12 (fls. 1769 a 1958), julgando a apelação improcedente manteve na íntegra a decisão recorrida.
Ainda não convencidos, dele interpõem o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.
Com as suas alegações juntaram um Parecer do Professor Doutor Júlio Vieira Gomes, e nelas formulam as seguintes conclusões: 1. O Acórdão sob recurso procedeu à alteração da decisão sobre a matéria de facto; 2. Na sequência do que considerou verificados os seguintes requisitos da responsabilidade civil aquiliana, que se aplica, segundo a doutrina e Jurisprudência maioritária, à responsabilidade civil pré-contratual: julgou verificado a existência de um facto voluntário, ilícito e culposo; 3. Porém, por erro na aplicação e interpretação do direito aplicável, não considerou verificado o requisito do Dano e do respectivo nexo de causalidade entre facto ilícito e dano.
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Foi pedido uma Opinio Juris ao Professor Doutor Júlio Vieira Gomes, sobre o Acórdão a quo, o qual se requer a sua junção e se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos.
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"(...) parece-nos que existe, no entanto, uma contradição entre os factos apurados e dados como provados e a conclusão do Tribunal de que o 2. ° Autor não teria sofrido danos, não havendo, pois, lugar a responsabilidade civil dos réus.
".
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Em primeiro lugar, sublinhe-se, que é dado como assente no ponto 28 que "devido à expectativa na realização deste investimento, desde 2003 que não voltou a ser plantado tabaco na Herdade ... e na Herdade de ..., como se fazia de há vários anos até então ". Foi igualmente dado como provado (ponto 53) que a Herdade ..., com cerca de 110 hectares e a Herdade de ..., com cerca de 420 hectares, não voltaram a ser arrendadas, para a eventualidade de virem a ser arrendadas à sociedade a constituir pelo 2.° autor e pela 3.ª ré.
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Resulta, também, dos factos assentes (n. ° 29) que "a conduta de CC e a da EE, SA, foi de tal modo convincente, regular e contínua na revelação do interesse na criação da parceria com o 2.° autor e do primeiro Fundo Florestal português que criou neste a confiança de que tal projecto seria concluído ".
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Ora, pergunta-se: deixar de plantar tabaco, em centenas de hectares, como se vinha fazendo há vários anos, não constitui um dano? E "imobilizar" tais terrenos não os arrendando como se poderia ter feito, por força da confiança gerada pela outra parte em que o projecto de negócio comum avançaria, também não representa um dano? 9.
O montante do dano - quer se considere aqui que a indemnização deve ater-se ao interesse contratual negativo, quer ao interesse contratual positivo - resulta, com efeito, em regra, da comparação entre a situação actual e real do lesado e a situação hipotética em que ele estaria (a situação em que ele estaria se não tivesse contratado, na hipótese de interesse contratual negativo e a situação em que ele estaria se o negócio se tivesse realizado, na hipótese de interesse contratual positivo), não fora o evento lesivo.
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Em suma, quem confiou na realização do negócio e agiu de boa fé, não esteve, precisamente, à procura de alternativas a partir do momento em que se dedicou a esse projecto e não se lhe pode exigir que as demonstre como se as tivesse procurado.
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O juízo sobre a probabilidade desta situação hipotética e, designadamente, sobre o lucro cessante é um juízo que se faz em termos de verosimilhança: se as terras vinham sendo cultivadas com tabaco há vários anos e deixaram de o ser na expectativa da realização deste investimento (n. ° 28), não nos parece que o mais provável fosse que elas permanecessem improdutivas quando já não o eram.
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E é claro que, se as terras estavam "reservadas"para a eventualidade de serem arrendadas à sociedade a constituir pelo 2.° Autor e pela 3ª Ré (n.° 53), o 2.° Autor perdeu, definitivamente, a possibilidade de as arrendar, por força da confiança legítima que tinha na concretização do projecto e, precisamente por isso, não cuidou de procurar alternativas.
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Em suma, o dano que sofreu, e que quanto a nós é um dano real, consistiu na lesão à liberdade de dispor do seu património, à liberdade de afectar aquelas terras a outros usos. Sofreu esse dano porque agiu de boa fé, de forma leal e fiel ao projecto e é quanto a nós surpreendente que quem causou esse dano por ter gerado a legitima confiança e expectativa de que o projecto se realizaria e de que a negociação seria conduzida de boa fé, venha agora alegar que não houve dano.
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A questão que se coloca ao Tribunal é esta: manter centenas de hectares "à espera" de um projecto de valorização dos mesmos e renunciar a outras utilizações produtivas não é em si mesmo um dano? E caso se considere que o que esteve em jogo foi um lucro cessante não pode e deve o Tribunal fixar o seu montante atendendo à equidade? 15.
Mas existem, e quanto a nós foram provados, outros danos.
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com efeito, foi provado e dado como assente, que, por um lado, o 2.° Autor contratou pessoas para fazer estudos económico-financeiros e acompanhar a formação da nova empresa (n.° 16).
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E ficou igualmente provado que "o 2.° autor dedicou tempo e disponibilidade em encontrar terras de regadio " (ponto 35).
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"despendeu um número de horas não concretamente apurado em reuniões com a Associação de …, com a Associação de ..., com o Conselho de Administração da 1ª Autora, com os Réus e com o seu colaborador, Dr. GG" (ponto 52).
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Resulta, aliás, de outros factos assentes, a participação do 2º Autor em múltiplas reuniões e encontros de negócios (vejam-se os pontos 5, 9, 14 e 15), deslocações a ... (veja-se o ponto 11) para dar andamento às negociações e ao projecto.
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Mais uma vez, com todo o respeito, parece-nos que o Tribunal da Relação de Lisboa incorre, nesta sede, num erro. O 2º Autor trabalhou num projecto que acreditava que era seu e em que tinha a legítima confiança, induzida pela contraparte. É natural, que, nestas circunstâncias, não se contabilizem, nem se faça um orçamento das horas dispendidas e das despesas de viagem realizadas.
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Pode até o 2º Autor ter afectado recursos humanos de que já dispunha, parcialmente a este projecto, mais uma vez sem discriminar valores. E isto porque o 2º Autor não tencionava apresentar as contas do seu trabalho e receber o pagamento como em um contrato de prestação de serviços.
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Assim, o dano da confiança sofrido pelo 2.° Autor e que consistiu na afectação do seu trabalho e dos seus recursos à realização do projecto, não pode, quanto a nós, deixar de ser reparado.
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