Acórdão nº 1445/08.3TBAMT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDO BENTO
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça RELATÓRIO AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra “CC, S.A.”, DD e mulher, EE, e FF e mulher, GG, pedindo a condenação destes a pagar-lhes: a) A quantia de 50.000,00 €, a título de compensação pela perda do direito à vida do seu filho; b) A quantia de 25.000,00 € a cada um dos Autores, a título de compensação pelos danos não patrimoniais próprios, relativos ao sofrimento com a morte do filho; c) A quantia de 15.000,00 €, enquanto sucessores daquele filho, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que aquele sofreu entre a data do acidente e a morte; d) A quantia de 15.000,00 €, a título de danos patrimoniais relativos à perda de contribuições mensais que o falecido deixou de lhes prestar; e) Juros de mora à taxa legal, calculados sobre as ditas quantias, desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto alegam, em síntese, que: - No dia ……..20…, entre as … horas e a … hora, ocorreu um acidente no lugar de ..., ..., A..., no qual foi interveniente o ciclomotor de matrícula -AMT-, conduzido pelo filho dos Autores, HH, e um cão, propriedade dos Réus DD e mulher, mas que naquela data se encontrava na residência dos Réus FF e mulher; - Na altura do acidente, o filho dos Autores circulava ao volante do AMT no sentido G…/A..., pela faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não superior a 30 Kms./hora, quando, junto à casa dos Réus FF e mulher, lhe surgiu, súbita e inesperadamente, o referido cão, no qual o AMT veio a embater; - Com o embate no cão, o filho dos Autores perdeu o controlo sobre o ciclomotor que conduzia e despistou-se, tendo o seu corpo sido projectado contra o piso da via, onde ficou imobilizado; - O acidente provocou naquele filho dos Autores, directa e necessariamente, múltiplas lesões traumáticas no crânio, meninges e encéfalo, que foram causa directa e necessária da sua morte, passados seis dias do embate; - A presença do cão na faixa de rodagem ocorreu por violação do dever de cuidado e do dever de vigilância sobre esse animal; - Ao tempo do acidente, o Réu DD tinha celebrado com a Ré seguradora um contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, mediante o qual transferiu para a última a responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros pelo cão; - Na altura do acidente, o falecido vivia com os Autores e contava 36 anos de idade.

Os 2ºs e 3ºs Réus contestaram impugnando parte da matéria alegada pelos Autores, sustentando que apenas sabem que o cão é propriedade dos 2ºs Réus e se encontrava na casa dos 3ºs Réus, preso com um cadeado, em virtude dos primeiros se irem ausentar de férias.

Mais alegaram não terem sido eles, Réus, que soltaram o cão do cadeado e que desconhecem quem o fez; Alegaram ainda que, no dia do acidente, o filho dos Autores não fazia uso de capacete, que o ciclomotor não era sua propriedade, que aquele não possuía licença de condução, uma vez que esta se encontrava apreendida à ordem do Processo n.º 742/01.3GBAMT, do 1º Juízo deste Tribunal, e que o filho dos Autores conduzia o referido ciclomotor com uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,52 g/l, pelo que não foi o cão quem provocou o eventual despiste do condutor do ciclomotor, mas antes o condutor que, atentas as condições de estado de embriaguez em que se encontrava, embateu no cão.

Pediram, em conclusão, a sua absolvição do pedido.

A Ré seguradora contestou aceitando que à data do acidente vigorava o contrato de seguro com um capital de 100.000,00 € por anuidade e sinistro, com uma franquia a cargo do segurado de 50,00 €, que incluía a garantia da responsabilidade civil por danos causados a terceiros por um cão, da raça pastor alemão, de cor preta e castanho e com o nome de “...”, propriedade do co-Réu DD; Excepcionou, sustentando que o acidente dos autos não se encontra abrangido pela garantia conferida por esse contrato de seguro, uma vez que, na altura do acidente, o cão se encontrava na residência dos 3ºs Réus, há mais de um mês, que o guardavam, exerciam sobre ele o controlo físico e o utilizavam no próprio interesse, recaindo sobre eles exclusivamente o encargo de vigilância do animal.

Finalizou pedindo a sua absolvição do pedido.

Os Autores replicaram, impugnando a matéria de excepção invocada pelos Réus e concluindo como na petição inicial.

Dispensou-se a realização de audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória com os factos controvertidos considerados relevantes, não tendo havido reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento respondeu-se à matéria vertida na base instrutória, sem qualquer crítica das partes.

Por fim, foi proferida a sentença que absolveu do pedido os Réus FF e GG do pedido, e condenou solidariamente os Réus Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A., DD e EE a pagarem aos Autores a quantia de 92.450,00 €, condenando ainda os Réus DD e EE a pagarem aos Autores a quantia de 50,00 (cinquenta) euros, a título de compensação por todos os danos não patrimoniais que sofreram, quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 11.07.2008 até integral pagamento.

Fundamentalmente, entendeu a 1ª instância que os RR FF e GG lograram afastar a presunção legal de culpa prevista no art. 493º nº1 CC e, por isso, absolveu-os, que os RR DD e EE, como proprietários do animal, eram responsáveis pelo risco, nos termos do art. 502º CC e que a Ré CC, SA era responsável por via do contrato de seguro de responsabilidade civil do cão.

Os RR DD e EE e a CC, S.A. apelaram, questionando a desconsideração, quer da alcoolemia do condutor do ciclomotor e da sua influência causal no acidente, quer do concurso dos riscos do ciclomotor e do cão e ainda impugnando o valor das indemnizações atribuídas.

A Relação do Porto, porém, julgou improcedente a acção e absolveu os RR do pedido, porque não se teria provado que o cão entrara súbita e inesperadamente na via pública, logo, inexistiria o fundamento da responsabilidade civil objectiva que presidira à condenação dos RR, apelantes.

Novo recurso, agora dos AA, de revista para este STJ, pugnando pela revogação de tal acórdão.

Os RR contra-alegaram em defesa do acórdão recorrido.

Remetido o processo a este STJ, após a distribuição e o exame preliminar, foram corridos os vistos.

Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.

FUNDAMENTOS DE FACTO As instâncias deram, como provados os seguintes factos: A. Os Autores são pai e mãe do falecido HH.

B. O HH nasceu no dia … de … de 19….

C. No dia … de … de 20… ocorreu um embate, no lugar de ..., da freguesia de …, do concelho de A..., no qual foram intervenientes o ciclomotor de matrícula -AMT-, marca “F…”, modelo “…” e o cão, propriedade dos Réus DD e esposa, de raça “Pastor Alemão”, com 40 quilos de peso.

D. O referido pastor Alemão, nessa data, encontrava-se na residência dos Réus FF e esposa, para onde o Réu DD o tinha levado alguns dias antes.

E. O corpo do HH ficou caído e imobilizado no pavimento.

F. Ao tempo em que ocorreu o sinistro, o Réu DD tinha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil por eventuais danos causados pelo cão junto da Ré “CC, S.A.”, titulado pela apólice n.º ....

G. O acidente referido em C. ocorreu a hora não concretamente apurada, mas entre as 23.00 e as 24.00 horas do dia 14 de Julho de 2005 – resposta ao ponto 1º da base instrutória.

H. O ciclomotor de matrícula -AMT- era conduzido pelo HH – resposta ao ponto 2º da base instrutória.

I. O HH circulava no sentido G… - S… – resposta ao ponto 3º da base instrutória.

J. Quando HH circulava no sentido de marcha referido em I., ao volante do ciclomotor, em circunstâncias não concretamente apuradas, ocorreu o embate entre o ciclomotor e o cão identificado em C. – resposta ao ponto 7º da base instrutória.

K. A via pública onde se deu o sinistro tem uma largura de 6,20 metros – resposta ao ponto 8º da base instrutória.

L. O local é uma recta de boa visibilidade e com iluminação nocturna – resposta ao ponto 9º da base instrutória.

M. Na sequência do embate referido em J., HH acabou por estatelar-se no piso da via – resposta aos pontos 10º e 11º da base instrutória.

N. Nas circunstâncias referidas em E., o corpo do HH ficou a perder sangue pelos ouvidos – resposta ao ponto 12º da base instrutória.

O. No local ficou uma mancha de sangue, à distância de 1,90 metros do limite do lado direito da faixa de rodagem – resposta ao ponto 13º da base instrutória.

P. O sinistro provocou no HH, directa e necessariamente, lesões traumáticas no crânio, meninges e encéfalo – resposta ao ponto 14º da base instrutória.

Q. Nas paredes do crânio ocorreu infiltração da aponevrose epicraneana, bilateralmente, mais acentuada à direita, onde se localizou um hematoma na região temporal – resposta ao ponto 15º da base instrutória.

R. E infiltração sanguínea do músculo temporal direito – resposta ao ponto 16º da base instrutória.

S. E fractura com infiltração sanguínea dos topos ósseos, localizada na região temporal direita – resposta ao ponto 17º da base instrutória.

T. E fractura...

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