Acórdão nº 71/11.4GCALD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 11 de Setembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 71/11.4GCALD que corre termos no Tribunal Judicial de Almeida, Secção Única, em 19/9/2012, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “Por todo o exposto, julgo a acusação pública totalmente procedente, por provada, e em consequência, decido: a) Condenar o arguido A...
pela prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 13º, 14º nº 1, 26º e 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito) euros, o que perfaz o montante global de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros); b) Condenar o arguido A...
na pena acessória de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no artº 69º, nº 1, al a) e nº 2, do C.P.
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Condenar o arguido A...
no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC (artigos 513º nºs 1 a 3 do Código Penal e art. 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto lei nº 34/2008 de 26/02 por referencia à tabela III e aplicável a estes autos por força do disposto no art. 8º nº 1 da Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro).
Mais decido: a) Absolver o arguido A... do pedido de indemnização civil formulado pela lesada Unidade de Saúde Local da Guarda, E.P.E..
Advirto o arguido que deve entregar o título que o habilita a conduzir na secretaria deste Tribunal, ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal (cfr. artº 69º, nº 3, do CP e artº 500º, nº 2 e 3, do CPP).
Sem custas na parte cível (artigo 4º nº 1 alínea n) do Regulamento das custas Processuais).
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal, nos termos do artigo 5º n.º 1 alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 57/98 de 18/08 e do artigo 6º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 381/98 de 27/11.
Comunique a presente decisão à A.N.S.R. nos termos do disposto nos arts. 69º, nº 4, 1ª parte, do CP e 500º, nº 1, do CPP. Comunique igualmente ao I.M.T.T.
Notifique e deposite (artigos 373º nº 2 e 372º nº 5 do C.P.P).” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 23/10/2012, o arguido, pedindo a sua revogação e sua substituição por outra que o absolva, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida, embora douta, padece de erro na apreciação da prova, nulidade por utilização de meios de prova proibidos e inadmissíveis, inconstitucionalidade por violação grosseira das garantias de defesa do arguido e violação do princípio in dubio pro reo.
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Foram incorrectamente julgados e dados como provados os factos 1, 2, 4, 5 e 6 dos factos dados como provados.
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O depoimento da testemunha B...
, transcrito em 5.º desta alegação de recurso, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, impunha decisão diversa, devendo ter sido dados como não provados os mencionados factos (principalmente de minuto 00.55 a minuto 03.20; de minuto 04.05 a minuto 04.47; de minuto 07.11 a minuto 08.40; de minuto 19.00 a minuto 19.55 e de minuto 24.00 a minuto 24.25).
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O único meio de prova nos presentes autos é a “confissão” do arguido ao agente participante de que seria o mesmo o condutor da viatura em causa nas circunstâncias de tempo e lugar a que se reportam os presentes autos. Ora, tal meio de prova é inatendível, por proibida, pois as chamadas conversas informais dos arguidos com os agentes policiais não podem ser valoradas em sede probatória. O uso de conversas informais não documentadas e fora do controlo traduz uma verdadeira fraude à lei.
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Refere-se, na douta decisão recorrida, que nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo das diligências efectuadas, incluindo o conteúdo de conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio. Ora, tal entendimento é claramente ilegal e inconstitucional, na exacta medida em que visa contrariar a proibição contida no artigo 356.º, do CPP, e viola claramente as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas.
6. Note-se que as declarações do militar da GNR não incidem sobre diligências probatórias que o mesmo tenha levado a cabo para apurar a verdade material. As declarações do militar incidem, única e exclusivamente, sobre o teor de uma conversa informal que o mesmo teve com o arguido e que, no dizer da própria testemunha, deveria ter sido reduzida a auto, apenas não o tendo sido porque o arguido se encontrava ferido e a necessitar de assistência médica urgente, tendo sido, de imediato, transportado ao hospital. Tal facto resulta, inequivocamente, das declarações da testemunha que se deixam transcritas.
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Os elementos de prova constantes dos autos criam a dúvida de que o arguido tenha, efectivamente, praticado os factos por que vem condenado e deveria a douta sentença recorrida ter absolvido o arguido nos termos do princípio in dubio pro reo. Como ressalta do teor da decisão proferida, o pai do arguido compareceu no hospital, no dia a que se reportam os autos, apresentando sinais visíveis de ferimentos e sangue seco no rosto. Das fotografias juntas aos autos, e referentes ao veículo em questão, resulta a existência de uma maior quantidade de sangue no airbag do passageiro, por comparação com a posição do condutor. As portas da viatura encontravam-se abertas. O arguido foi encontrado a deambular pela estrada nacional, a pé, gravemente ferido e notoriamente abalado, a vários metros da viatura acidentada.
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Nos termos da lei, compete ao Ministério Público a prova de que o arguido, a quem imputa a prática de determinado ilícito, praticou efectivamente o crime por que vem acusado, presumindo-se o arguido inocente até trânsito em julgado da decisão, princípios estes que, salvo o devido respeito, resultam evidentemente subvertidos do teor da decisão aqui posta em crise, uma vez que foi o arguido condenado sem existência de qualquer meio de prova válido que permita imputar-lhe a prática do crime.
**** C) O Ministério Público respondeu, no dia 13/11/2012, ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. Não se vislumbra na decisão recorrida qualquer incorrecta valoração da prova produzida, porquanto a livre convicção do julgador quanto aos factos dados como provados foi correctamente apoiada nas regras de experiência comum e encontra-se correctamente fundamentada, sem qualquer contradição entre os factos provados e os não provados ou erro notório na apreciação da prova.
2. Igualmente não se mostra minimamente violado o comando legal do artigo 356.º, n.º 7, do CPP, porquanto as declarações prestadas pelo arguido ao agente militar deram-se numa fase em que nem sequer havia inquérito (nem existiam razões para que se considerasse que iria ter lugar a abertura de inquérito), já que o militar estava a diligenciar por saber quem era o condutor do automóvel interveniente nos autos.
3. Aliás, não foi por acção do militar da GNR que o arguido se apresentou voluntariamente no posto a assumir os factos, sendo ainda certo que a prova produzida em julgamento é inequívoca em comprovar a actuação criminosa do arguido.
4. É a própria testemunha B... que confirma que o arguido nunca lhe falou que não era o condutor da viatura, nunca tendo mencionado o seu pai.
5. Na sentença recorrida, fez-se uma rigorosa apreciação da prova e uma judiciosa aplicação do Direito.
**** O recurso foi, em 21/12/2012, admitido.
Os autos, no dia 14/5/2013, foram remetidos ao TRC.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 29/5/2013, emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência do recurso, acompanhando a resposta atrás mencionada.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.
**** II. Decisão Recorrida: “1. RELATÓRIO Para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular o Ministério Público deduziu acusação contra: A..., solteiro, agente da PSP, filho de (...) e de (...), nascido em 07 de Agosto de 1985, natural de França, titular do bilhete de identidade nº (...), residente na (...), Imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69º do Código Penal.
* A fls. 74 a 77 veio a Unidade de Saúde Local da Guarda, E.P.E., ao abrigo do preceituado no art. 6º do Decreto-lei nº 218/99 de 15 de Junho, deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, alegando em suma que prestou assistência médica àquele na sequência do acidente de viação que o mesmo sofreu, orçando tais serviços na quantia de € 108,00 conforme factura que junta e cujo pagamento peticiona.
* A fls. 83 a 85 veio o arguido requerer a abertura de instrução reclamando o arquivamento dos autos e a sua não pronúncia pela prática do crime de que vinha acusado.
Tendo sido realizado o debate instrutório, a fls. 111 e ss., veio a ser proferido despacho de pronúncia do arguido pelo crime em causa. * A fls. 124 a 125 foi saneado o processo, recebido o despacho de pronúncia e designada data para a realização da audiência de julgamento.
O arguido ofereceu o merecimento dos autos e arrolou testemunhas (fls. 136). 2. SANEAMENTO Inexistem nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa, mantendo-se em consequência os pressupostos da instância válidos e regulares. Foi comunicada ao arguido a realização de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos e para os efeitos do...
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