Acórdão nº 1765/06.1TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução11 de Julho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 1765/06.1TVLSB.L2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., nº …, ….º …, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P., com sede na Avª. da República, nº 57, 6.º, Lisboa e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Avª. João XXI, nº 63, Lisboa, pedindo que sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de 111.709,00€, acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir da citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que pretende efectivar a responsabilidade contratual do 1.° réu, IGCP, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, em virtude do incumprimento do contrato de subscrição de certificados de aforro celebrado entre ambos, por este réu ter permitido, negligentemente, o resgate ilícito, por terceiros, de tais certificados que eram da titularidade do autor, não verificando a assinatura deste, nem a certificação do seu bilhete de identidade, que eram falsas, sendo certo que o 1.º réu só podia, legalmente, promover o resgate e entregar o respectivo valor ao autor, seu titular.

Já quanto à 2.ª ré, CGD, o autor pretende efectivar a sua responsabilidade extracontratual, pelos mesmos danos, por ter permitido, negligentemente, a abertura, por terceiros e de forma fraudulenta, de uma conta bancária em nome do autor, na qual se procedeu ao depósito e ao levantamento dos cheques emitidos pelo 1.° réu para pagamento do resgate mencionado.

Regularmente citados, contestaram ambos os réus.

O 1.° impugnou a factualidade alegada e concluiu pedindo a improcedência da acção, já que os seus funcionários procederam com a diligência necessária e deram cumprimento a todos os deveres a que o IGCP estava obrigado.

A CGD impugnou igualmente a matéria aduzida pelo autor por entender que observou todas as normas e princípios a que estava adstrita pelos usos bancários, argumentando que não existiu da parte dos seus funcionários qualquer comportamento que possa ser conotado com falta de zelo ou negligência geradora de qualquer tipo de responsabilidade.

O autor replicou, mantendo a versão expressa em sede de petição inicial.

Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, realizou-se prova pericial (cf. relatório inserto a fls. 477 a 483) e efectuou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos (fls. 629 a 639).

Inconformado, apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 23/11/11, decidido anular a decisão de facto quanto às respostas aos arts. 5.º, 10.°, 14.° e 17.° da base instrutória e, consequentemente, a sentença recorrida, ordenando a repetição do julgamento quanto a esses pontos da base instrutória (fls. 727 a 752).

Repetiu-se o julgamento, nos termos determinados, respondendo-se aos citados arts. n°s 5, 10, 14 e 17 da matéria de facto. Seguidamente foi proferida nova sentença, tendo o tribunal de 1.ª Instância decidido nos mesmos termos, julgando a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados (fls. 820 a 831).

O autor apelou de novo, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 06/12/12, por unanimidade, julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos (fls. 945 a 977).

Mantendo-se irresignado, o autor interpôs, agora, recurso de revista, para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações (fls. 1033 a 1040): 1. Com a presente Revista pretende o ora Recorrente a revogação da decisão recorrida, atenta a errónea aplicação do Direito à factualidade vertida nos autos, em violação dos institutos jurídico-civis da responsabilidade civil contratual e extracontratual, o que motivará a condenação das ora Recorridas no pedido formulado; 2. Ficou demonstrado que o ora Recorrente era titular de contas de certificado de aforro abertas junto do Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público, I.P.; 3. Entre o ora Recorrente e o Primeiro Recorrido foi celebrado um contrato específico de subscrição de certificados de aforro, sujeito a um regime legal próprio, constante do Decreto-Lei n°. 172-B/86; 4. A existência de um contrato com um regime contratual próprio desenhado na lei não importa a inaplicabilidade das regras gerais da responsabilidade contratual previstas no Código Civil, se e quando haja um incumprimento do mesmo; 5. Mesmo face a um contrato legalmente tipificado e com um regime próprio toda a doutrina e regime geral do cumprimento e não cumprimento das obrigações tem plena susceptibilidade de aplicação; 6. As regras da responsabilidade contratual assentam nos comandos gerais do artigo 483.° do Código Civil e que são próprias da responsabilidade civil extracontratual; 7. A grande diferença entre ambos os tipos de responsabilidade assenta na matéria relativa ao ónus da prova da culpa no (in)cumprimento das obrigações, conforme resulta do artigo 799.°, n°. 1, quando em contraposição com o disposto no artigo 487.°, n°. 1, ambos do Código Civil; 8. Demonstrada a existência de uma relação contratual, resultou invertido o ónus da prova no cumprimento das obrigações emergentes de tal relação jurídica, ficando assim inquinada, por erro na aplicação do Direito, a decisão recorrida que considerou que o ónus da prova no incumprimento contratual cabia ao ora Recorrente; 9. Sem prejuízo da presunção de culpa incidente sobre o Primeiro Recorrido, o ora Recorrente fez mais do que aquilo a que estava obrigado, visto ter demonstrando a culpa concreta do Primeiro Recorrido no incumprimento das suas obrigações; 10. O Tribunal recorrido estava munido dos elementos necessários a uma correcta aplicação jurídica do direito aos factos em crise nos presentes autos; 11. Celebrado o contrato de subscrição de certificados de aforro ficou o Primeiro Recorrido obrigado ao cumprimento das obrigações próprias do regime legal que regula este tipo contratual, e, em particular, ao cumprimento da obrigação de apenas aceitar uma ordem de resgate dos fundos por parte de quem demonstrasse ser o efectivo titular da conta; 12. Ao Primeiro Recorrido cabia demonstrar o uso da diligência e zelo necessários e próprios de uma instituição com a natureza do ora Primeiro Recorrido no cumprimento das suas obrigações; 13. Presidem à relação em crise nos presentes autos princípios fundamentais de segurança, certeza e prudência jurídicas, estes impostos como forma de protecção da parte mais fraca; 14. Semelhantes desígnios têm que ser preservados com maior acuidade por uma Instituição do Estado Português como é o Primeiro Recorrido; 15. Ao Primeiro Recorrido são aplicáveis os princípios básicos da segurança e prudência bancárias, ficando este obrigado à sua estrita observância, com os contornos que lhes são próprios, dado ser este um sector especialmente dominado pelo valor da confiança; 16. Tal circunstância decorre do Preâmbulo do diploma que criou o ora Primeiro Recorrido, que determina a assumpção de uma natureza próxima das Instituições financeiras; 17. O contrato de subscrição de certificados de aforro tem uma natureza análoga à figura do contrato de depósito bancário, pelo que o Primeiro Recorrido ficou investido na obrigação de guarda e conservação dos fundos junto de si depositados; 18. Tal facto determina que o Primeiro Recorrido só se desoneraria das suas obrigações para com o ora Recorrente, houvesse cumprido perante ele ou perante pessoa devidamente autorizada, como é próprio do regime jurídico que regula este contrato; 19. Aquela obrigação foi totalmente atropelada pelo Primeiro Recorrido, que aceitou, como documento de identificação válido, uma fotocópia certificada de bilhete de identidade, quando a lei exige a apresentação de um documento autêntico para efeitos do disposto no artigo 363.° do Código Civil, não substituível por documento com força probatória inferior; 20. Considerado o círculo especial de relação e actuação do agente, o Primeiro Recorrido muito mais cuidado teria que ter na conferência da identidade de quem se apresenta como aforrista e movimentador; 21. Resultando provado que a identificação do titular da conta assentou na conferência de fotocópia autenticada do bilhete de identidade do ora Recorrente, ficou demonstrado o incumprimento do Primeiro Recorrido das suas obrigações legais e contratuais; 22. O referido incumprimento consubstancia um verdadeiro e facto ilícito grosseiramente negligente susceptível de indemnização; 23. Destarte, violaram-se os padrões de exigência impostos ao bom pai de família, enquanto homem médio do circuito de actuação do ora Primeiro Recorrido, atentas as exigências que a este tipo de instituições são impostas e que derivam do seu próprio estatuto, cabendo assim ao Primeiro Recorrido elidir a presunção de culpa que sobre si recai enquanto depositário (bancário) de certificados de aforro; 24. Vai, pois sancionando o entendimento da Relação de Lisboa, quando impõe ao ora Recorrente o ónus da prova da culpa do lesante; 25. Além do mais, o quadro legal que circunda a relação jurídica estabelecida constitui um campo normativo destinado à protecção de direitos de terceiro; 26. O Primeiro Recorrido é uma instituição profissional no âmbito da sua área de actuação, o que impõe o cumprimento de regras e princípios profissionais em si mesmo considerados; 27. As regras e princípios profissionais são geradores de confiança enquanto valor máximo tutelado pelo direito, devendo observar-se estritamente o normativo vertido nos artigos 73.° e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que se destinam à protecção de interesses alheios nos termos e para os efeitos do artigo 483.°, n°. 1 do Código Civil; 28. Todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos, visto a relação material controvertida assentar no...

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