Acórdão nº 788/10.0GEBRG.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução16 de Junho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça I - O Exmo Magistrado do MINISTÉRIO PUBLICO junto do Tribunal da Relação de Guimarães, face ao trânsito em julgado do acórdão de 09/01/2012, proferido no recurso penal nº 788/10.0gebrg.g1, e inconformado com a decisão, agindo por obrigação legal, nos termos do art. 437º do CPPenal apresentou recurso extraordinário de fixação de jurisprudência desse acórdão para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação: 1. O acórdão recorrido considerou legal a modificação da matéria de facto realizada na audiência de julgamento sem que nela fosse produzida qualquer prova e sem que nela fosse dado cumprimento ao disposto no art. 358 do CPPenal, desqualificando, na sequência dessa alteração, a concreta imputação efectuada ao arguido dum crime de ofensa à integridade física qualificada em ofensa à integridade física simples, apelando para tanto ao próprio citado art. 358.º e à não ofensa à estrutura acusatória vigente no processo penal; 2. Diverge-se desta decisão porquanto se persegue o entendimento de que tendo sido recebida a acusação e designado dia para julgamento, não pode o juiz, no início da audiência, após a sua abertura, decidir que os factos da acusação não integram o crime nela mencionado, mas sim outro; 3. E assim acontece porquanto o entendimento diverso viola o princípio da identidade do objecto da acusação fixado por via da pronúncia ou do despacho que recebeu a acusação, variabilidade criadora de incerteza e de desrespeito pela segurança jurídica decorrente do recebimento por decisão judicial, incondicionada, de tal imputação formal.

4. Nada obsta ao conhecimento do recurso extraordinário porquanto o acórdão recorrido, transitado em julgado e com a posição jurídica supra mencionada, se apresenta em plena oposição ao que foi proferido a 06/07/2005 pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo 0541884.

Foi violado, por isso, o disposto nos artigos 311º, 358º e artigos 338.º, n.º 1 e 368º, n.º 1, todos do CPPenal.

V. Ex.as, com ponderação e saber, farão JUSTIÇA II - Instruído o recurso, e indo os autos à conferência, acordou-se em concluir pela oposição de julgados, prosseguindo o recurso nos temos da 2ª parte do artigo 441º nº 1, e cumprindo-se o disposto no artº 442º nº 1, ambos do CPP.

III - O Digníssimo Magistrado recorrente, nas alegações que apresentou, apresentou as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª A inserção sistemática do artigo 358.º do CPP no capítulo que define as regras e princípios que regulam a actividade da produção de prova, leva a concluir que o mecanismo da alteração da qualificação jurídica do n.º 3 daquele preceito foi previsto e tem aplicação já após a discussão da causa, após produção de prova.

  1. Ora, considerando que o referido nº 3 é uma norma integrada no contexto global do mecanismo da “alteração não substancial dos factos”, prevista no artº 358º CPP, e que a alteração dos factos (n.º 1) só pode ocorrer, necessariamente, após produção de prova, estabelecendo o nº 3 que aquele n.º 1 “é correspondentemente aplicável” à alteração da qualificação jurídica, não faria sentido que a alteração da qualificação jurídica pudesse ocorrer em momento processual diferente; 3.ª O n.º 4 do artigo 339.º do CPP estabelece qual é, em sede de audiência, o objecto da discussão da causa, reservando para tal momento, para além do mais e independentemente do regime aplicável à alteração dos factos que o tribunal possa vir considerar, a discussão de todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia; 4.ª O artigo 338.º, nº 1, do CPP, nos actos introdutórios, momento imediatamente anterior à discussão da causa, apenas prevê a possibilidade de o juiz conhecer de questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa, acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo conhecer 5.ª A apreciação sobre a qualificação jurídica efectuada na acusação, para além de ser questão sobre a qual já houve decisão (artigo 311.º) e que não obsta à apreciação do mérito da causa, não integra o conceito de questão prévia ou incidental; 6.ª Tendo o legislador consagrado a irrecorribilidade do despacho que recebe a acusação nos seus precisos termos e designa data para o julgamento (art. 313.º, n.º 4), é incoerente com o sistema o entendimento que permita ao próprio juiz de julgamento alterar decisão já proferida, tanto mais que, não se tratando de despacho de mero expediente, a sua prolação esgota o poder jurisdicional sobre tal matéria; 7.ª Este entendimento é o que respeita o princípio do acusatório, consagrado constitucionalmente no artigo 32.º n.º 5 da CRP, do qual decorre que a entidade que julga é diferente da entidade que acusa 8.ª Um dos corolários do acusatório é o princípio da vinculação temática, consubstanciado, na solução adoptada pelo nosso CPP, na ideia de que já na fase preliminar do julgamento se deve uma observância estrita do princípio do acusatório, com vinculação temática do juiz de instrução ao objecto formulado na acusação; 9.ª Fora da instrução, decorre do mesmo princípio não ser possível ao juiz efectuar uma fiscalização e controlo da actividade do Ministério Público, nomeadamente, de fazer um controlo substantivo da acusação.

  2. Ora, considerando que a acusação, definidora do objecto do processo, integra, para além dos factos, as disposições legais aplicáveis, ou seja, a qualificação jurídica (um dos requisitos obrigatórios da acusação cuja omissão acarreta rejeição - artigo 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP), a alteração da qualificação efectuada pelo juiz de julgamento mais não é do que um proibido controlo substantivo da acusação.

  3. A tese do acórdão recorrido conduz a uma solução inadmissível, pois a qualificação jurídica feita pelo Ministério Público seria mero exercício anódino. O juiz, previamente ao julgamento do mérito, passaria a poder ingerir-se em competências alheias, estruturando substancialmente a acusação, elegendo e impondo aos sujeitos do processo a qualificação correcta, que nenhum previamente (na fase própria) contestara.

Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos Relação de Guimarães, de 5 de Novembro de 2012 (recorrido), e da Relação do Porto, de 6 de Julho de 2005 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos: Aberta a audiência de discussão e julgamento, não pode o juiz, sem que se proceda à produção de prova, alterar a qualificação jurídica dos factos constante da acusação.

Deverá, assim, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, fixar-se a jurisprudência acima proposta.

IV - Por sua vez, o arguido, concluiu assim as suas alegações de recurso: i) As doutas Sentenças decidiram e bem pela aceitação da alteração da qualificação jurídica dos factos e pela extinção do procedimento criminal atendendo à desistência de queixa.

ii) Não existe fundamento para a aludida violação dos artigos 32º n,º 5 da Constituição da República Portuguesa, 311º n.º 1, 338 n,º 1 358.° e 368,º 1 lodos do Código de Processo Penal.

iii) Saliente-se que o Ministério Público não discordou da qualificação jurídica, em concreto, efectuada peto Meritíssimo Juiz “a quo”, mas tão só com o momento em que a mesma é operada.

iv) Ora, no que respeita ao momento da alteração da qualificação jurídica dos factos importa seguir as orientações do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/10/2007 segundo o qual, e desde logo “…não estamos na presença da uma alteração de factos. Antes, o tribunal, qualifica de forma diferente os factos que constam da acusação ou da pronúncia, sem nada lhes editar ou modificar" e dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29.09.2010, da Relação de Guimarães de 04.11.2002 e da Relação de Lisboa de 04.11.2009.

v) Importa pois atender, desde logo, que é o que sucede no caso em apreço. Trata-se meramente da diferente qualificação jurídica dos mesmos factos constantes da acusação; O Mm. Juiz. "a quo” não modifica nem adita quaisquer factos constantes da acusação, antes os qualifica de forma diversa, por entender que não preenchem o tipo legal da crime de que o arguido vinha acusado.

vi) Desta forma, à luz da factologia descrita na acusação, entendeu o Mm, Juiz "a quo” que mereciam os factos outra qualificação Jurídica, tratando-se de um crime de ofensa à Integridade física simples a não qualificada, vii) Cumpre, salientar que está em causa uma alteração da qualificação jurídica que é atribuída aos factos na acusação, pelo que, é unânime tratar-se de uma alteração não substancial nos termos do artigo 368.º nº 3 do Código de Processo Penal, veja-se a este propósito o Assento nº 2/93 do Supremo Tribunal de Justiça. Ora, dada a palavra ao arguido não se opôs o mesmo à alteração feita pelo Tribunal "a quo”, tendo sido observado o seu direito de defesa e o princípio do contraditório.

viii) Não se configurando qualquer violação à estrutura acusatória do processo penal e, consequentemente ao artigo 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

O tribunal continua vinculado ao conhecimento dos factos constantes da acusação, que fixam, como se disse, objeto de processo. Pelo que se respeita a vinculação temática em todas as suas dimensões; da Identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção. Mantém-se uma clara separação entre a entidade acusadora e o Juiz de julgamento, ix) Decorre da própria Constituição que "os tribunais são Independentes e apenas estão vinculados a lei" e que administram "a justiça em nome do povo", conforme artigos 203.° e 202.º n º 1. Pelo que, a sua atuação deva ser orientada pela aplicabilidade da lei e pela procura da solução justa e adequada para o caso concreto. Desta forma, deve aceitar-se que o juiz proceda à diferente qualificação jurídica dos factos, em sede de despacho de saneamento. O próprio texto constitucional e, de acordo com uma Interpretação teleológica...

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