Acórdão nº 5118/06.3TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2013
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA - Comércio de Calçado, S.A. demandou BB, L.
da, CC e DD, alegando, em síntese, que exerce o comércio de calçado e é titular do nome comercial e da marca AA, dispondo de uma rede de estabelecimentos comerciais distribuídos pelo país, comercializando produtos de sapataria e calçado.
A ré BB, L.
da exerce o comércio de calçado e acessórios num estabelecimento comercial sito no Centro Comercial ... Shopping, sendo os demais réus seus únicos sócios e gerentes.
No dia 25/10/2005, autora e ré BB, L.
da celebraram o contrato comercial de franchising.
De entre as várias obrigações decorrentes do contrato, a ré BB não entregou à autora os documentos destinados a garantir as obrigações decorrentes do contrato até ao limite de € 60.000,00 -uma letra de câmbio aceite pela ré e avalizada pelos seus sócios e gerentes e a respectiva autorização de preenchimento, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade de gerentes e pessoalmente, conforme minuta que lhe foi fornecida.
A ré CC, por e-mail, enviado em 4/05/2006, comunicou à autora que não entregaria os documentos de garantia, sabendo as consequências de tal recusa.
Acresce ainda que a ré não procedeu ao pagamento de algumas facturas, cujo montante soma € 27.886,05.
Pela violação destas obrigações e de outras que indica na carta que lhe enviou em 7/07/2006, a autora comunicava à ré a rescisão do contrato e que, em 9/07/2006, iria proceder ao levantamento dos produtos que se encontravam na loja.
Nesse dia, a ré BB, representada pela sua sócia CC, recusou-se a restituir e entregar o calçado que tinha na loja, nomeadamente, 2.889 pares de sapatos de diversos modelos e medidas, no valor de € 136.357,58 e ainda 58 pares de sapatos, no valor de € 1.366,51, que se encontravam em trânsito para serem entregues na loja da ré.
A ré apropriou-se do calçado e produtos da autora que continua a usar e vender, sendo certo que a partir de 9/07/2006, passou a vender calçado de outras marcas - EE -, passando a receber e servir os clientes da marca AA com descortesia, comportamento que desacredita a marca, tendo surgido reclamações várias.
A autora tinha a expectativa legítima de obter um lucro anual bruto não inferior a € 50.000,00, em cada um dos seis anos do contrato de franchising, estimando o lucro líquido anual de € 25.000,00.
Pede que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe o valor daqueles produtos, o valor das facturas e o valor do lucro líquido que esperava obter do contrato, tudo no montante global de € 190.610,24, acrescida dos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação.
Na contestação, o réu BB, excepcionou a sua ilegitimidade, sustentando que nunca exerceu as funções de gerência, impugnou o alegado pela autora e concluiu pela absolvição do pedido e pela improcedência da acção (fls. 70 a 77).
As rés deduziram reconvenção, concluindo pela condenação da autora no pagamento às rés BB, L.
da e CC, da quantia de € 240.000,00, correspondente a danos emergentes e lucros cessantes sofridos na decorrência da declaração resolutiva ilícita emitida pela autora, no pagamento à ré CC, da quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais e pela absolvição do pedido.
Impugnaram o alegado pela autora, sustentando que procederam à entrega da letra de câmbio devidamente preenchida, sempre cumpriram as cláusulas do contrato e não recusaram a entrega do calçado.
O incumprimento do contrato de franchising é imputável à autora, porquanto o seu serviço de gestão de stock e pós-venda era deficiente, não cumpria os prazos de entrega e devolução de artigos vendidos objecto de concertos na sequência de reclamações.
A resolução do contrato foi ilícita, causando danos e prejuízos.
A sociedade ré sofreu danos na sua imagem que computa em € 10.000,00.
Deixou de auferir lucros anuais, que estima na ordem dos 20% do valor da facturação, a qual, aquando da celebração do contrato, se estimava na ordem dos € 300.000,00 anuais, evoluindo 10% nos anos seguintes, pelo que contabiliza os lucros cessantes, reportados aos seis anos de contrato, em valor não inferior a € 180.000,00.
Computa o valor no reinvestimento de um novo negócio em € 50.000,00 (danos emergentes).
A ré CC sofreu enormes transtornos, angústia, ansiedade e desespero por recear a perda do grande investimento realizado com a instalação da loja e temer a subsistência do contrato de utilização outorgado com a sua representada (1ª ré) e o Centro Comercial, os quais computa em € 7.500,00 (fls. 106 a 127).
Na resposta à reconvenção e excepções deduzidas a autora concluiu pela improcedência das excepções e da reconvenção (fls. 166 a 168).
Foi proferido despacho saneador que julgando improcedente a excepção de legitimidade arguida, concluiu pela legitimidade do réu e foi elaborada a base instrutória (fls. 179 a 200).
Na sequência de reclamação efectuada pelas rés, foi admitido o pedido reconvencional, tendo-se procedido à correcção da base instrutória (fls. 247/248).
Após julgamento, foi proferida a sentença: A - Julgando a acção parcialmente procedente, condenou: 1º - A ré BB, L.
da a pagar à autora a quantia de € 25.000,00, relativa ao lucro líquido de que a autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia pela ré bem como a quantia de € 27.886,05, correspondente ao valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato; 2º - Condenou as rés, BB L.
da e CC, solidariamente, no pagamento à autora da quantia de € 137.724,19, correspondente ao valor do calçado e demais produtos AA referidos em EE) e FF); 3º - Absolveu o réu BB; B – Julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido (fls. 372 a 392).
Inconformadas apelaram autora e rés (fls. 394 e 397). O recurso interposto pela sociedade BB, L.
da não foi admitido o (fls. 550).
Por acórdão de 15/09/2011, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença do Tribunal de 1ª Instância.
Interposto recurso de revista pela autora e pela ré CC, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão do dia 15-03-2012, concedendo as revistas, julgou nulo o acórdão recorrido, ordenando que a Relação devia conhecer das impugnações da matéria de facto deduzidas pelos recorrentes, nos termos que havia assinalado e depois das demais questões postas pelas mesmas.
No seguimento do assim ordenado, o Tribunal da Relação de Lisboa, em 28/06/2012, aditou aos factos provados uma nova alínea, designada por MMM e julgou, de novo, as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.
A autora e a ré CC recorreram, novamente, de revista, tendo a autora, além do mais, arguido as nulidades da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC e, por sua vez, a ré arguiu a nulidade da alínea d) do n.º 1 do mesmo preceito.
Por acórdão de 22/11/2012, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedentes as nulidades arguidas pela apelante AA e procedente a nulidade arguida pela apelante CC, e declarou a nulidade do acórdão de fls. 796 a 855, por omissão de pronúncia.
No seguimento desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Janeiro de 2013, julgou as apelações improcedentes e confirmou a sentença do Tribunal de 1ª Instância.
De novo, inconformadas, recorrem de revista a autora AA – Comércio de Calçado, S.A. e a ré CC , finalizando as alegações com as seguintes conclusões: AUTORA: 1ª - As decisões do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da decisão de facto são sindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, se não tiverem observado a norma legal do artigo 712º, n.º 2, que estabelece limites à sua liberdade de julgamento.
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- As Instâncias deram como provados os factos das alíneas F), G) a O), e X), "o Réu DD, intervindo na sua qualidade de sócio e gerente e em representação da ré BB, L.
da, subscreveu o contrato escrito de franchising dos autos", e "delegou os seus poderes de gerência na Ré CC" — e simultaneamente, deram como provado o seu contrário, ou seja, que "aquele nunca teve contactos com a autora, quer enquanto sócio-gerente da sociedade quer individualmente", "nunca tendo tido qualquer intervenção na vida da sociedade" - alíneas QQ) e SS) - da Matéria de Facto.
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- Os factos das alíneas F) e G) a O) estão provados por documentos assinados pelo Réu DD e foram por ele confessados no artigo 13º da sua contestação.
Mas a prova dos factos das alíneas QQ) e SS) assenta apenas no depoimento de testemunhas que nada sabiam das relações dos Réus com a Autora, e nem sequer valora correctamente a parte do depoimento da testemunha FF, parcialmente extractado a fls. 47 e 48 do douto acórdão recorrido.
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- Aliás, em regra, o franchisador e o franchisado limitam-se a assinar os respectivos contratos de franchising, sem necessidade de qualquer contacto prévio, nem actual, nem posterior, entre todos os respectivos gerentes e administradores.
E os actos relativos à execução do contrato são praticados, normalmente, pelos funcionários do franchisador, encarregados de proceder à selecção e entrega dos artigos destinados à venda no estabelecimento e de proceder à sua cobrança e ou à sua substituição, em contactos directos com o encarregado da própria loja do franchisado, tudo sem qualquer contacto entre os legais representantes de ambas as empresas.
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- A decisão proferida no douto acórdão recorrido sobre a matéria de facto dos artigos 12º, 14º e 16º da Base Instrutória está, assim, ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.
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- O Tribunal "a quo" deu provimento ao recurso da matéria de facto do artigo 13º da Base Instrutória e decidiu aditar aos factos provados sob a alínea MMM), o seguinte: - "Com a consciência que tais actos causavam danos à autora" (artigo 13 da Base Instrutória) ", mas certamente por lapso, proferiu depois a decisão final seguinte: - "Pelo exposto, acorda-se em julgar as apelações improcedentes e, consequentemente, confirma-se a sentença. Custas da apelação da AA a cargo desta [...]".
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