Acórdão nº 3460/11.0TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução20 de Junho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou, em 20 de Junho de 2011, acção de impugnação de paternidade presumida contra BB e CC, pedindo que se declarasse que o 1.º réu não é pai do 2.º réu; que se anulasse o registo de paternidade presumida do 2.º réu, constante do assento de nascimento n.º ..., do ano de 19.., e que se ordenasse o cancelamento da inscrição de paternidade do 1.º réu no referido assento de nascimento.

Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora, em síntese, que foi casada com o réu, tendo o casamento sido dissolvido no ano de 20…; o menor CC (2.º réu) nasceu em … de Novembro de 20…, na constância do casamento da autora com o 1.º réu, pelo que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 1826.º do Código Civil, foi lavrado assento de nascimento, onde consta que o 1.º réu é pai do menor; posteriormente, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, por decisão de 17.12.2009, cabendo a ambos os “progenitores” (autora e 1.º réu) o exercício de tais responsabilidades; porém, o 1.º réu não é pai do menor CC (2.º réu), já que o menor CC é filho de DD, com quem a autora mantém, desde 2007, relações sexuais regulares.

Foi nomeada curadora provisória ao menor e réu CC (fls. 38), após o que os réus foram citados, não tendo havido contestação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença a julgar verificada a excepção da caducidade do direito da autora em intentar a presente acção e, em consequência, julgando improcedente a acção.

Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, que, todavia, a Relação julgou improcedente, começando por fixar a seguinte factualidade relevante: 1. Autora e réu BB foram casados entre si tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado pela Conservatória do Registo Civil de ..., por decisão de 17 de Setembro de 2009, proferida no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento 10171/2009; 2. No dia 12 de Novembro de 2007 nasceu o CC, o qual tem a paternidade registada em nome do aqui réu BB e a maternidade registada em nome da aqui autora AA; (fls. 40 e 41) 3. O réu CC não nasceu fruto de relações sexuais de cópula completa entre autora e réu BB; (relatório pericial de fls. 57 e seguintes).

  1. A acção foi intentada no dia 12 de Junho de 2011.

  2. De seguida, pronunciando-se sobre a questão jurídica subjacente ao recurso, considerou a Relação, no acórdão ora recorrido: A recorrente começa por admitir que a acção deu entrada decorridos mais de três anos sobre o nascimento do menor (conclusão 5.ª), restringindo o objecto do recurso à questão da constitucionalidade do referido prazo de caducidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil.

    Preceitua o artigo 1842.º do Código Civil, na redacção que lhe conferiu a Lei 14/2009, de 1 de Abril: 1 - A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada: a) Pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade; b) Pela mãe, dentro dos três anos posteriores ao nascimento; c) Pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.

    2 - Se o registo for omisso quanto à maternidade, os prazos a que se referem as alíneas a) e c) do número anterior contam-se a partir do estabelecimento da maternidade.

    Os prazos previstos no normativo em apreço são de caducidade, de conhecimento oficioso, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil, considerando que está em causa matéria excluída da disponibilidade das partes[1].

    No decurso do prazo previsto na alínea b) do n.º 1 da disposição legal citada, a 2 de Abril de 2009, entrou em vigor a Lei n.º 14/2009, de 01 de Abril (art. 2.º), que alterou o referido prazo, de dois para três anos, estipulando expressamente o seu artigo 3.º, que a nova lei se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor[2].

    A questão que se coloca é a de saber se o estabelecimento de um prazo de caducidade para a investigação da maternidade ou de paternidade constitui uma restrição ao direito fundamental à identidade pessoal[3] (artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), restrição vedada pelo artigo 18.º, n.º 2[4], da Lei Fundamental e, consequentemente, materialmente inconstitucional.

    A resposta a esta questão obriga a distinguir entre restrição de um direito fundamental e um mero limite desse tal direito, distinção proposta pelo Professor Jorge Miranda nestes termos[5]: «A restrição não se confunde com outras realidades normativas como o limite ou limite de exercício, o dever, a auto‑ruptura e, noutro plano, com a regulamentação, a concretização e a suspensão de direitos.

    A restrição tem que ver com o direito em si, com a sua extensão objectiva; o limite ao exercício de direitos contende com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular. A restrição afecta certo direito (em geral ou quanto a certa categoria de pessoas ou situações), envolvendo a sua compressão ou, doutro prisma, a amputação de faculdades que a priori estariam nele compreendidas; o limite reporta-se a quaisquer direitos. A restrição funda‑se em razões específicas; o limite decorre de razões ou condições de carácter geral, válidas para quaisquer direitos (a moral, a ordem pública e o bem‑estar numa sociedade democrática, para recordar, de novo, o art. 29.º da Declaração Universal).

    O limite pode ser absoluto (vedação de certo fim ou de certo modo de exercício de um direito) ou relativo. Neste caso, desemboca em condicionamento, ou seja, num requisito de natureza cautelar de que se faz depender o exercício de algum direito, como a prescrição de um prazo (para o seu exercício) […]. Uma coisa é regulamentar, por (como já se disse) razões de certeza jurídica, de clarificação ou de delimitação de direitos; outra coisa é restringir com vista a certos e determinados objectivos constitucionais […]».

    No caso dos autos, está em causa, como já se disse, o estabelecimento de um prazo de caducidade para o exercício de uma faculdade legal que se funda no direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26º, nº 1 da CRP), cabendo-nos averiguar se o estabelecimento de tal prazo, considerando a sua duração, contende ou não com a extensão objectiva desse direito.

    Na apreciação da constitucionalidade material dos prazos de caducidade no domínio da investigação de paternidade, o Tribunal Constitucional tem posto o acento tónico na questão de saber se o prazo fixado permite, em concreto, o exercício do direito em tempo útil ou, pelo contrário, se é de tal modo exíguo que inviabiliza ou dificulta gravemente esse exercício, tornando-se numa verdadeira restrição ao direito fundamental à identidade pessoal[6].

    Nas conclusões de recurso, a recorrente funda essencialmente no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006[7], a sua pretensão recursória de recusa de aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, com base em inconstitucionalidade material.

    No entanto, na fundamentação do aresto citado enfatiza-se o facto de a inconstitucionalidade não se reportar à existência do prazo de caducidade, mas apenas ao “concreto limite temporal” nele previsto, que sofrerá do vício imputado, apenas na eventualidade de se revelar exíguo ao ponto de inviabilizar o exercício do direito.

    Mais uma vez, não falamos de restrição do direito, mas apenas dos limites desse direito, legitimados por outros valores, como a segurança jurídica.

    No acórdão invocado, enfatiza-se a questão nestes termos: «Importa começar por deixar bem vincado que, na averiguação da conformidade constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na norma ora em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição constitucional de uma “ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação”. Pese embora a tese defendida pelo recorrente, de que qualquer caducidade da acção de investigação de paternidade é inconstitucional, no presente recurso está apenas em questão o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação (portanto, no máximo, os vinte anos de idade do investigante). Não constitui, assim, objecto do presente processo apurar se a imprescritibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente conforme. Antes o que está em causa é, apenas, a constitucionalidade da específica limitação prevista nesta norma, que (salvo casos excepcionais, como o da existência de “posse de estado”) exclui o direito a averiguar a paternidade depois dos 20 anos de idade: a acção “só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”. É este limite temporal de “dois anos posteriores à maioridade ou emancipação”, e não a possibilidade de um qualquer outro limite, que cumpre apreciar – e, consequentemente, só sobre aquele específico limite temporal, previsto actualmente no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, se poderá projectar o juízo de (in)constitucionalidade a proferir».

    Apesar de no acórdão citado se circunscrever o seu âmbito de apreciação à questão do juízo de exiguidade do prazo [e à consequente possibilidade de tal exiguidade restringir o direito] e não à existência de prazos de caducidade nas acções de investigação e de impugnação de paternidade[8], a verdade é que se verificou uma inflexão na jurisprudência do STJ, que reiteradamente passou a emitir juízos de inconstitucionalidade sobre os aludidos prazos de caducidade, por os considerar “limitadores da possibilidade de impugnação a todo o tempo”[9].

    Não é, entanto, essa a posição maioritariamente assumida pelo Tribunal Constitucional, que, várias vezes chamado a pronunciar-se, reiteradamente o fez no sentido de...

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