Decisões Sumárias nº 358/13 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução04 de Julho de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA Nº 358/13

Processo n.º 494/2013

  1. Secção

Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

  1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, e do n.º 3 do artigo 72.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão aí proferida, que recusou a aplicação, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas previstas no §7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril, e no artigo 3.º, n.º 2, alínea e), do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de dezembro, conjugado com o artigo 74.º, do CIEC, na redação anterior às alterações introduzidas pelo artigo 69.º, da Lei n.º 53-A/06, de 29 de dezembro.

    No requerimento de interposição de recurso, o recorrente esclarece que pretende ver apreciadas as mencionadas normas, quando interpretadas “no sentido de que responsabilizam os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito”.

  2. Em causa nos autos estava a impugnação judicial de uma liquidação de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, efetuada pela Alfândega de Aveiro, relativa a um período de tempo compreendido entre os anos 2006 e 2008. Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, concluiria que:

    (...)

    Verifica-se que no caso dos autos, toda a tributação impugnada se fundou no aludido §7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril e no artigo 74º do CIEC na redação anterior à Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, padece de ilegalidade resultante da apontada inconstitucionalidade orgânica, que é de conhecimento oficioso nos termos do disposto no art.º 204.º da CRP.

    Por isso, a impugnação procede nesta parte (sendo de anular a liquidação de ISP no valor de € 21.701,18 e respetivos juros compensatórios, no valor de e € 2.558,96, no total de € 24.260,14).

    A entrada em vigor, em 1-1-2007, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que alterou o artigo 74.º do CIEC, sanou a apontada inconstitucionalidade orgânica de que padecia o n.º 7 da Portaria nº 234/97, de 4 de abril.

    Por isso, a impugnação improcede na parte restante, sendo de manter o ato impugnado na parte relativa aos anos de 2007 e 2008.

    (...)

  3. Ora, já teve o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 176/10, tirado em Plenário (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), ensejo de se pronunciar sobre a identificada questão de constitucionalidade, tendo aí julgado organicamente inconstitucionais as normas cuja aplicação foi recusada in casu. Tal aresto assentou, fundamentalmente, na seguinte argumentação:

    (...)

    8. É inquestionável que o princípio da legalidade fiscal impõe que seja a lei, ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, a criar os impostos e também a definir os seus elementos essenciais (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, da Constituição).

    Expressando o entendimento seguido por este Tribunal a esse respeito, disse-se no Acórdão n.º 127/2004:

    O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103º, n.º 2.

    Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da autotributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante atualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objetiva e subjetiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

    É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

    Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei.

    Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua aceção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

    Assim, não oferece dúvida que os elementos do tipo tributário têm de ser definidos por lei aprovada pela Assembleia da República ou por decreto-lei emitido pelo Governo ao abrigo de autorização legislativa que incida sobre esse elemento.

    No caso dos autos, é indiscutível que a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97 tem natureza meramente regulamentar.

    Por outro lado, o Código dos IEC, onde se insere o questionado artigo 3.º, n.º 2, alínea e), foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, emitido ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 35.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, da qual apenas constava que o Governo ficava autorizado a codificar num único diploma o regime dos impostos especiais de consumo incidentes sobre o álcool e bebidas alcoólicas, sobre os produtos petrolíferos e sobre os tabacos manufaturados, então previstas em diplomas dispersos, «no sentido de harmonizar os diversos regimes entre si e com a Lei Geral Tributária e prosseguir a harmonização com as diretivas comunitárias, sem alteração das regras de incidência e das taxas».

    Não consta, assim, da autorização legislativa que a Assembleia Legislativa concedeu ao Governo qualquer referência à possibilidade de proceder à modificação e/ou ampliação do universo de sujeitos passivos dos referidos impostos especiais e, concretamente, do imposto sobre os produtos petrolíferos, sendo certo, pelo contrário, que a referida autorização excluía expressamente a “alteração das regras de incidência e das taxas”.

    Cumpre ainda referir que, mesmo que a norma do artigo 3.º, n.º 2, alínea e), do Código dos IEC, tenha resultado da obrigação de transposição das diretivas comunitárias, ainda assim, tal transposição teria que obedecer às exigências constitucionais da reserva de lei fiscal.

    Dito isto, a questão a decidir nos presentes autos é, pois, a de saber se, não constando as normas questionadas de lei nem de decreto-lei autorizado, as mesmas são inovadoras relativamente ao quadro legal que vigorava à data da sua aprovação. Como o Tribunal Constitucional tem várias vezes afirmado, uma norma emitida sem autorização parlamentar só padece do vício de inconstitucionalidade orgânica quando estipula qualquer efeito de direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da República; não sendo possível imputar-lhe esse vício quando se limita a reproduzir o regime preexistente (cfr., entre os mais recentes, os Acórdãos n.ºs 310/2009 e 211/2007).

    Cumpre salientar que este problema, assim equacionado, já não se coloca no quadro normativo atualmente vigente. Na verdade, o n.º 5 do artigo 74.º do Código dos IEC, na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de dezembro, acolheu, com ligeiras alterações, o disposto na norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, no segmento em questão, determinando a responsabilidade do proprietário ou responsável legal pela exploração dos postos autorizados «pelo pagamento do imposto resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos».

    Contudo, no caso sub judice, a liquidação de ISP incide sobre factos relativos ao período de 2002 (cfr. o enunciado de factos dados como provados pelas instâncias), aos quais não pode ser aplicada a nova redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, sob pena de violação do princípio da irretroatividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).

    Cumpre, ainda, notar que, para a solução da questão colocada no presente recurso, não é, por si só, relevante a posterior adoção, por lei da...

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