Acórdão nº 0660/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Julho de 2013
Magistrado Responsável | VALENTE TORRÃO |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. A……., SA, com os demais sinais nos autos, veio recorrer do acórdão proferido por este STA em 31.10.12 (v. fls. 143/169), com fundamento em oposição com o acórdão proferido por este mesmo Supremo Tribunal em 19.02.2003 – Processo nº 026435 (v. fls. 370 a 376).
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Admitido o recurso por despacho do Relator de fls. 192, a recorrente veio produzir alegações tendentes a demonstrar a oposição entre os citados acórdãos (v. fls. 197/199).
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Por despacho do Relator de fls. 200, foi julgada verificada a oposição entre os citados acórdãos, tendo sido produzidas alegações ao abrigo do nº 5 do artº 284º do CPPT, nas quais a recorrente concluíu: A). A aquisição de salvados pela seguradora é um elemento do processo de indemnização no âmbito do contrato de seguro, pois a seguradora não celebra como o segurado qualquer contrato de compra e venda.
B). A seguradora adquire a propriedade do salvado unicamente ao abrigo do contrato de seguro, e em resultado do pagamento da indemnização, sendo a transferência de propriedade inerente à obrigação legal de pagamento de indemnização e, portanto, inerente à própria atividade seguradora.
C). A aquisição dos salvados não é, simplesmente, uma “atividade conexa” ou “complementar” da atividade seguradora, mas sim uma das diversas operações em que se decompõe a atividade seguradora, que envolve a prática de vários atos jurídicos, em que se desdobra um negócio jurídico complexo.
D). A tese que recusa a isenção de IVA assenta numa autêntica ficção: de que as seguradoras, para além da respetiva atividade, exercem uma outra, de compra e venda de salvados.
E). Além disso, a AT não pode exigir que a Seguradora apresente fatura ou documento equivalente de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 35º do CIVA, ou que a impugnante demonstre que não lhe foi liquidado IVA por parte dos anteriores proprietários dos salvados, dado que a aquisição dos salvados resulta de um processo de pagamento de indemnizações no âmbito de um contrato de seguro e não de um contrato de compra e venda.
F). Por esse motivo, não há lugar à emissão de uma fatura, nem essa aquisição dá origem a liquidação de IVA.
G). Sendo assim, porque os atos e contratos relativos a salvados são inerentes à atividade seguradora e indissociáveis dessa atividade, a aquisição e subsequente venda de “salvados” pelas companhias de seguros, no âmbito de contrato de seguro automóvel, abrangendo bens exclusivamente afetos a atividade isenta (operações de seguro, resseguro e prestação de serviços conexos) que não confere direito à dedução, integra a isenção prevista pelo artº. 9º, nº 29 e 33 do CIVA.
Face ao exposto, deverá a identificada oposição de acórdãos ser resolvida firmando-se jurisprudência no sentido de que a aquisição e subsequente venda de “salvados” pelas companhias de seguros integra a isenção prevista pelo artigo 9º, nºs 29 e 33 do CIVA.
Mais deverá, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, e ser substituído por outro que confirme a douta sentença que anulou os atos impugnados, assim se fazendo JUSTIÇA.
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O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 233/234 no qual se pronuncia no sentido de ser julgado findo o recurso, uma vez que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA exarada no Acórdão do Pleno desta Secção (votado por unanimidade) de 23.01.2013.
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Antes de mais, e apesar de o Relator ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (hoje artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma).
Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).
Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:
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Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito; b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos: - de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06; - de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).
A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.
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Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos: A) No acórdão recorrido: A) A Impugnante dedica-se ao exercício da atividade de seguro e resseguro para todos os ramos técnicos, excluindo o ramo “vida”, sendo que, no âmbito dessa atividade, efetua a aquisição de veículos salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados, procedendo, posteriormente, à sua venda - cfr. 16 a 63 do PA apenso aos autos.
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A coberto da ordem de serviço n.º 01200800287, de 21107/2008, a Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT), da Direção Geral dos Impostos, levou a cabo um procedimento instrutivo externo à ora Impugnante, em resultado do qual lhe foram efetuadas, além do mais, correções de natureza meramente aritmética, em sede de IVA, no valor de € 117 413,64, relativas ao ano de 2006, com base nos seguintes fundamentos: “Apurou-se imposto em falta relativo à venda de salvados no montante de 117.413,64€, resultante da aplicação da taxa (de 21%) prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º º Código do IVA sobre o valor tributável determinado nos termos do disposto no Despacho n.º 185412002 - XV, de 18 de dezembro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (adiante designado SEAF), o qual se encontra apurado conforme Anexo 5.
A venda de salvados é qualificada...
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