Acórdão nº 27/12.0GBAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução26 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I.

Relatório.

1.1.

A...

, arguido entretanto com os demais sinais nos autos, submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material e concurso efectivo de infracções, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art.º 202.º, al. e), todos do Código Penal; de um outro crime de furto, mas este previsto e punido pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.ºs 2, al. e) e 4, por referência ao art.º 202.º, al. f), todos do Código Penal; de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c), do Código Penal; e, por fim, de um crime de uso de documento de identificação alheio, previsto e punido pelo art.º 261.º, n.º 1, do Código Penal, realizado o contraditório, eximido da responsabilidade assacada quanto ao segundo dos ilícitos assacados (crime de furto simples), acabou condenado, além do que por ora irreleva, e quanto ao demais objecto processual, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, em concurso real com a prática de um crime p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma, na pena de 3 meses de prisão, e, de um crime p. e p. pelo art.º 261.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico logo operado quanto a tais penas parcelares, viu-se o mesmo arguido condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão.

1.2. Inconformado com o veredicto emitido, veio ele interpor o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Mostram-se incorrectamente julgados, por uma errónea valoração do material probatório produzido em audiência, o primeiro ponto do ponto 2 e o ponto segundo do ponto 2 dos factos provados pelo acórdão recorrido, ou seja, não poderia ter ficado como assente que foram retirados “Uma pen drive, da TMN, com valor de € 30,00 e um telemóvel de marca HUWAI da VODAFONE com o valor de € 50,00”, nem que foi retirada “uma libra em ouro amarelo”.

  1. Isto porquanto tal ilação não decorre dos depoimentos das testemunhas C...

    – em suporte multimédia, com início às 10.21.51 do dia 15 de Janeiro de 2013 –, e, D...

    – em suporte multimédia, com início às 10.33.37 do mesmo dia 15 de Janeiro de 2013 –, nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção. Com efeito, 3. Deve questionar-se, desde logo, a credibilidade e isenção atribuídas à primeira que, quando questionada pela defensora acerca do porquê de o arguido ter levado a pen e não o computador já que se encontrava na mala deste responde: “T: Não. Porque já tinha desaparecido um computador da primeira vez também não ia levar o computador porque dava mais nas vistas.” 4. Denota-se assaz confusa ab initio quando a instâncias do Ministério Público afirma que apresentou queixa “para depois dar o dito pelo não dito” ao ponto de o M.mo Juiz Presidente ter tido necessidade de fazer um ponto de ordem conforme resulta da audição da audiência.

  2. Os ofendidos não tiveram a percepção de terem sido assaltados, o que decorre da inquirição a instâncias da defensora: “T: Não, quer dizer, estava tudo conforme estava 07.58” – quanto à testemunha C...; “Eu não sabia que tinha sido assaltado (…) Entretanto fui trabalhar… a GNR apareceu no local de trabalho na parte da tarde” quanto à testemunha E....

  3. Assim, só após contacto da GNR com os ofendidos por causa do furto do ouro é que associaram o desaparecimento da pen e telemóvel ao arguido tanto que como afirma o ofendido pensou que “eram outros”; “dei falta pelo tlm à noite disse à minha filha telefona para o meu n.º para ver se aparece o meu tlm atendeu uma voz do outro e eu desconfiei que eram outros por isso é que não apresentei queixa”.

  4. Contudo, não hesita em afirmar que o furto de tal objeto só poderia ter ocorrido naquele dia.

  5. No que diz respeito à libra de ouro resulta do depoimento de ambos os ofendidos, de forma clarividente que, há muito tempo, nem um nem outro olhavam para o guarda-jóias onde habitualmente guardavam o ouro: “Def.ª: Há quanto tempo não olhava para a cómoda e para as jóias de ouro? T: Lá está, eu não olhava porque eu não utilizava aquilo.” Palavras do ofendido: “Pronto era muito raro mexer naquilo.” 9. Nem tão pouco sabiam a localização da caixa de jóias, a ofendida mulher afirma que “Tinha numa caixinha de porcelana”; Def.ª: Em que sítio?”; T: “Em cima da cómoda”, ao passo que para o marido “Costumava estar debaixo da cama… sempre que saia escondia-o.” 10. Ora, não se pode concluir que por dizerem os ofendidos, apesar de não olharem para as jóias, há bastante tempo, conforme supra demonstrado, que havia uma libra agarrada a um cordão e que a mesma lá estivesse de facto e que tivesse sido furtada.

  6. Que se conclua, como fez menção o acórdão sob censura: “a libra encontrava-se presa ao fio subtraído pelo que teria necessariamente de ser subtraída com aquele”.

  7. Tais depoimentos não podem ser credibilizados como não foram os factos questionados a instâncias do Ministério Público em que o ofendido afirma peremptoriamente que o arguido teria de lá ter voltado uma segunda vez para lhe tirar o bilhete de identidade, certeza que o Ministério Público habilmente deitou por terra posição com a qual o Acórdão recorrido concordou ao não condenar o arguido por uma segunda deslocação à casa de habitação.

  8. Também não se compreende a credibilidade conferida às declarações das testemunhas/ofendidos em matéria de bens furtados quando, em sentido inverso, não são credibilizados quanto ao eventual furto das chaves conforme narrado na acusação deduzida não obstante a certeza afirmada pela ofendida/mulher não ter dúvidas em que tinha sido roubada.

  9. A pen é um objecto facilmente perdível sendo a ofendida a única que afirma que estava na pasta do computador; ora, não se percepciona que, atendendo à confissão do arguido, que admitiu o furto de outros objectos, bem mais valiosos, não tivesse admitido o furto da pen se efectivamente o tivesse cometido. Não se vislumbra a valorização do depoimento da testemunha em detrimento da confissão do arguido. Não descurando que não constam, dada a forma rápida como a GNR actuou, do auto de apreensão os objectos mencionados (fls. 11 a 17).

  10. O Tribunal a quo atribuiu pois credibilidade manifestamente exagerada ao depoimento destas testemunhas. Sem conceder, 16. À conclusão vertida no acórdão recorrido obsta o princípio do in dúbio pro reo, plasmado no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, quando impõe que um non liquet em matéria probatória deve funcionar sempre em beneficio da posição processual do arguido.

  11. No que concerne, a decisão recorrida padece também de manifesta insuficiência da matéria de facto provada, de acordo com o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.

  12. Verifica-se concurso de crimes em todos os casos em que o comportamento global do agente preenche mais que um tipo legal – ou o mesmo tipo legal várias vezes – concretamente aplicáveis o que, não significa, que o tratamento em termos de punição deva ser igualitário ex vi art.º 77.º do Código Penal sobretudo, nos casos em que os conteúdos de ilícito – segundo o seu sentido no contexto do comportamento global – se interceptam parcialmente em maior ou menor medida. É a hipótese do concurso aparente, impróprio ou impuro, em que apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude e que a ele corresponde uma preponderante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos-típicos praticados.

  13. A significar, que esta ideia tem a capacidade de abranger aqueles casos de relacionamento entre um ilícito puramente instrumental (crime-meio) e o crime-fim correspondente, em que o ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos.

  14. Esta problemática foi muito discutida a propósito da relação entre falsificar um escrito unicamente como meio de burlar alguém, tendo a este propósito Figueiredo Dias, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 1019, considerado que em principio não levanta qualquer óbice em “… convir na solução do concurso aparente.” 21. De igual modo a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu no tipo do crime de uso de documento alheio como, aliás, também no de falsificação, a expressão “com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.” 22. Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, a propósito do crime de falsificação para onde remete no comentário ao crime de uso de documento alheio, “o legislador deixou claro que a ação típica (…) pode ser querida exclusivamente com a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime, sendo este elemento subjectivo típico parte constitutiva do proprio ilícito subjetivo e não um fator de agravação (…). Sendo assim, a punição nestes casos em concurso efectivo redundaria numa dupla punição do mesmo facto.” 23.

    In casu, com a punição do uso de documento de identificação alheio protege-se o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório.

  15. Com a falsificação de documentos protege-se a especial segurança e credibilidade do tráfico jurídico probatório, evitando a ocorrência de ameaça ou perigos de lesões a esses bens.

  16. Da dinâmica do crime perpetrado provado ficou que desde o primeiro momento que o arguido pretendeu obter a troca do ouro pelo dinheiro só o conseguindo através do uso de documento de identificação alheio.

  17. Sendo seu entendimento que pelo mesmo facto...

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