Acórdão nº 2293/11.9TAVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelCOELHO VIEIRA
Data da Resolução26 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2293/11.9TAVCD.P1 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO No T. J. de Vila da Conde ( 1º Juízo Criminal) foi pronunciado para julgamento por tribunal singular em processo comum o arguido: B….., divorciado, agente da P.S.P., filho de C…. e de D…., nascido em 1/10/1961, em Vila Chã, Vila do Conde, residente na …, n.º …, …, Vila do Conde, titular do cartão de cidadão n.º 073651672ZZ9, sob a imputação da prática, como autor material, de um crime de peculato, p. e p. pelo art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal.

*Foi designada data para a realização da audiência de julgamento.

O arguido contestou, oferecendo o merecimento dos autos, e requereu a audição de testemunhas.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.

*Mantêm-se válidos e regulares os pressupostos da instância, inexistindo nulidades ou quaisquer questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.

*Na sequência da audiência de discussão e julgamento foi exarada sentença, dela constando o seguinte DISPOSITIVO:- (…) 1. Condeno o arguido B….pela prática, como autor material, de um crime de peculato, p. e p. pelo art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, a uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do art.º 50.º do Código Penal.

  1. Custas criminais: vai o arguido condenado a 2 UC´s de taxa de justiça e nos encargos do processo.

Notifique e deposite.

Após trânsito, comunique à Direcção-Nacional da PSP para os fins tidos por convenientes.

Boletins à DSIC.

*Vila do Conde, 12 de Dezembro de 2012 (Certifico que o presente documento foi por mim elaborado e integralmente revisto, nos termos do art. 94.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) O Juiz de Direito, Joel Agante da Silva (…) XXX Inconformado com o decidido o arguido veio interpor recurso, motivando-o e aduzindo as seguintes:- CONCLUSÕES: 1ª O teor da matéria provada e constante do ponto (§) 3 deverá ser alterado para o seguinte teor: “Passados poucos minutos, após averiguar a quem pertencia a carteira e a morada onde residia a sua proprietária, o arguido dirigiu-se à residência da mesma, sita na Rua …, nº … – …., em Vila do Conde, e fez-lhe a entrega da carteira, que a proprietária reconheceu como sendo sua, sem que esta tivesse verificado o seu conteúdo nesse acto e na presença do arguido.” 2ª Tal factualidade com o teor aqui proposto resulta não só do depoimento do arguido mas também das declarações de E….., tendo aquele referido que, no contacto havido com a dona da carteira, após lhe ter perguntado pelo seu nome e se a carteira lhe pertencia, a mesma se identificou e referiu ser sua aquela carteira, o que foi igualmente confirmado pela referida E…..

  1. Quanto ao diálogo havido nessa altura entre o arguido e a dona da carteira, as versões de ambos são totalmente divergentes e, dado ter sido uma conversa havida apenas entre ambos, dos seus depoimentos nenhuma segurança probatória resulta acerca de mais qualquer facto, designadamente, de o arguido lhe ter perguntado se a carteira tinha dinheiro e de a mesma responder que sim, ao que aquele retorquiu que, se tinha já não tem.

  2. Por outro lado, quanto aos fundamentos probatórios de se considerar o montante de € 140,00 como estando guardado no interior da carteira no momento em que foi perdida, das declarações da sua dona, a referida E…., resulta clara a incerteza quanto ao montante que a mesma alegou existir no interior da carteira no momento em que a perdeu, conforme excerto do mesmo que supra se transcreveu.

  3. E da prova produzida resulta apenas que esse valor de € 140,00 só surge no dia seguinte, em conversa havida com o arguido, sendo dito a este que a carteira tinha € 140,00 no seu interior, muito embora do depoimento da dona da carteira resulte que ela mesma não tinha a certeza de qual o montante de dinheiro que a carteira conteria. Sabia que tinha ido levantar € 100,00 e que teria mais algum dinheiro na carteira, mas não especificou nem justificou o exacto montante, num depoimento cheio de incerteza e insegurança, nomeadamente quanto a esta questão.

  4. Também do depoimento da testemunha F…., pessoa que encontrou a carteira caída na rua, resulta ter sido a mesma clara em afirmar o desconhecimento de qual o valor exacto de dinheiro que a carteira conteria, afirmando ter aberto a carteira quando a apanhou do chão e ter visto “um molhinho em notas de 20 e de 10”, mas logo dizendo não ter contado o dinheiro.

  5. Esta declaração, para além de ter sido negada pelo arguido, que referiu também não ter sido feita qualquer inspecção ao conteúdo da carteira para além da verificação da existência da carta de condução que permitiu a identificação da dona da mesma, visível logo que foi aberta a tampa da carteira, tem um sentido curioso, no qual importa atentar: é que, segundo o seu depoimento, a primeira coisa que essa testemunha disse ao arguido foi referir-se ao dinheiro que a carteira continha, dizer que estava ali todo mas que não o tinha contado.

  6. Afirmação esta que é duplamente incoerente em si mesma, pois que, por um lado, a ter existido na realidade essa conversa, em momento algum do seu depoimento a testemunha F…. manifestou a menor estranheza pelo facto de, tendo dito ao arguido, enquanto agente de autoridade policial, que a carteira tinha dinheiro, não ter sido feita por este a verificação e contagem do mesmo na sua presença, pensamento este que seria minimamente exigível e óbvio que fosse expressado em Juízo, ainda por cima quando a mesma bem sabia que a razão de estar a prestar depoimento era exactamente a de se procurar apurar se a carteira continha ou não dinheiro no momento em que foi entregue ao arguido; 9ª E por outro lado, a testemunha realça no seu depoimento o teor da conversa com o arguido nesse pormenor do dinheiro, mas não tem qualquer certeza nem sequer ideia quanto à identificação de quaisquer documentos que a carteira continha, quando a tal propósito é questionada, nem sequer sabia dizer se o documento que o arguido viu para tentar identificar a dona da carteira era o cartão de cidadão ou carta de condução, antes dizendo que não tinha a certeza, que “parece que era da social”.

  7. A testemunha F.... tinha encontrado a carteira e verificado que a mesma tinha dinheiro na presença de sua filha e de uma amiga desta, conforme afirmou ao Mmº Sr. Juiz, o que constituía um entrave a qualquer tentação de não ir entregar a carteira à Esquadra da PSP, tanto mais que tinha dito à sua filha que a ia entregar à Esquadra e a amiga da filha também tinha presenciado esta conversa.

  8. Mas, durante o trajecto feito pela mesma testemunha, desde que deixou a filha e amiga à porta de casa de uma sua irmã até àquela esquadra, a mesma foi sozinha, sendo então legítimo colocar-se a hipótese de que o facto de ir sozinha lhe possibilitou concretizar a tentação de retirar o dinheiro da carteira, apossar-se dele e ir entregar a carteira à Esquadra, como o fez, mas já sem o dinheiro que ela continha.

  9. Para facilitar uma versão dos factos de intocável seriedade, ainda mais fácil se tornou a mesma pela circunstância de, quando foi atendida na Esquadra pelo arguido, a conversa havida com este não ter sido presenciada por mais ninguém. Depois seria só manter a versão perante a dona da carteira e sua filha de que entregou a carteira ao arguido na Esquadra com o dinheiro que a mesma continha (que até nem sabia quanto era mas que era em notas de 10 e de 20), para ser fácil apontar o dedo ao arguido e levá-lo a julgamento. Mas com algum constrangimento, como perpassou do seu depoimento em Juízo.

  10. Só que, a terem-se passado assim os factos, isto é, a ter sido a testemunha F.... quem se apossou do dinheiro que a carteira continha, então a sua versão não se mostrou nada coerente em audiência de julgamento, de que é exemplo a passagem do diálogo havido com a Exma. Sra. Procuradora, em que é perguntado àquela testemunha o porquê de não pretender ser testemunha.

  11. Mas mais estranho ainda é o facto de a mesma testemunha, a instâncias ainda da Exma. Sra. Procuradora, ter dito claramente que tinha pena do arguido, afirmação que não se justificava nem teria cabimento se tivesse sido este mesmo quem tivesse ficado com o dinheiro.

  12. Para tão estranha resposta só é viável uma resposta: é que a testemunha teve pena de incriminar quem nada tinha feito para merecer ser julgado, apesar de ter tentado esquivar-se a ser testemunha – como referiu a testemunha G…. (chefe da Esquadra) no seu depoimento -, mas quando se viu confrontada com essa inevitabilidade de ter que ser testemunha, só tinha que manter a versão que tinha contado à dona da carteira, apontando o dedo ao arguido.

  13. É que só se tem pena de um arguido quando se faz um depoimento falso contra ele, pois de contrário, o sentimento não é de pena mas de satisfação por se fazer justiça.

  14. Da gravação do seu depoimento resulta a incoerência e estranheza do depoimento desta testemunha F...., até pelas questões colocadas e diálogo com a mesma por parte da Exma. Sra. Procuradora, que supra se transcreveram parcialmente.

  15. Da audição do depoimento gravado desta testemunha resulta clara uma fundada dúvida sobre a veracidade da sua versão dos factos, sendo todo ele eivado de grandes incoerências que não ficaram de modo algum explicadas pela testemunha, não podendo do mesmo retirar-se a menor credibilidade para sustentar, com a mínima segurança que o Direito Penal impõe, a factualidade dada por provada de o arguido ter ficado com a quantia de € 140,00 em seu poder, fazendo-a sua.

  16. De modo idêntico, também o depoimento da dona da carteira, E...., se mostra visivelmente inconsistente e estranho, até mesmo anormal perante as circunstâncias concretas e os factos em apreciação na audiência de julgamento.

  17. Também este depoimento da dona da carteira é bastante estranho, pois que, pelo que relatou, não teve a menor preocupação de questionar o arguido sobre o dinheiro que a carteira conteria ou, ao menos, de tentar apurar se a mesma tinha...

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