Acórdão nº 193/10.9TAMLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: 1.

No Tribunal Judicial da Mealhada, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, casado, psicólogo, nascido a 29.10.1955 em (...), Oliveira de Azeméis, filho de (...) e de (...) , Titular do C.C. n.º (...) e residente na Rua (...) , Santa Maria da Feira, sob imputação, na acusação pública de fls. 212/217, da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento, de um crime de burla qualificada, de um crime de furto e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p., respectivamente, pelos artigos 256.º, n.ºs 1 e 3, 218.º, n.º 1, 203.º e 359.º, n.º 2, todos do Código Penal.

*2.

“D...

, Lda.” deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, solicitando a condenação deste a pagar-lhe, para ressarcimento de danos patrimoniais , a quantia de € 19998,66, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 2749,13, e vincendos até integral pagamento.

*3.

Por sentença de 9 de Outubro de 2012, o tribunal proferiu decisão deste teor: A) Condenou o arguido A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, ambos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo compêndio legislativo, e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2, ainda do referido diploma, nas penas de 9 meses de prisão (o primeiro dos dois ilícitos) e 3 meses de prisão (o outro crime); B) Condenou o arguido A...na pena conjunta de 11 (onze) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova.

  1. Condenou o arguido/demandado no pagamento à sociedade “D...

, Lda.” da quantia de € 19.998,66 (dezanove mil novecentos noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados, à taxa legal, desde a data da “citação” e até integral e efectivo ressarcimento.

* 4.

Inconformado, o Ministério Público interpões recurso, tendo extraído da motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Vem presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos na parte em que considerou que o crime de burla, p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, e o crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma, se encontram numa relação de concurso aparente, sendo o segundo consumido pelo primeiro.

  1. - Invocando o tribunal a quo como fundamento da sua decisão a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do STJ n.º 8/2000.

  2. - Ora, da mera leitura da fundamentação expendida pelo tribunal a quo para fundar a sua decisão resulta que o mesmo fez uma errada interpretação da doutrina vertida no referido aresto, escudando-se nessa errada interpretação para fundar a sua decisão e acabando por desaplicar tal jurisprudência uniformizada.

  3. - De facto, de tal fundamentação resulta que, na perspectiva do tribunal a quo, o mencionado aresto distinguiria duas situações: aquela em que o crime de falsificação se autonomiza face ao crime de burla (concurso real ou efectivo) e aquela em que a prática do crime de falsificação é apenas o meio de burlar alguém (concurso aparente).

  4. - Entendendo o tribunal a quo que o caso dos autos se integrava nesta segunda situação.

  5. - Ora, uma leitura avisada do mencionado aresto e do Acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 1992, publicado no DR 1.º série-A, de 9 de Abril de 1992, cuja doutrina foi declarada vigente pelo primeiro aresto, leva-nos a concluir que a interpretação feita não encontra nos referidos arestos qualquer sustentação.

  6. - Na verdade os referidos arestos afirmam, de forma peremptória, a existência de concurso real ou efectivo entre os aludidos crimes, não distinguindo qualquer situação como pretende fazer crer o tribunal a quo.

  7. - Esta errada interpretação conduziu a que o tribunal a quo, em clara contradição, desaplicasse a jurisprudência uniformizada no Acórdão do STJ n.º 8/2000.

  8. - Embora a jurisprudência uniformizada não seja obrigatória, tem-se entendido que os tribunais apenas deverão desaplicar jurisprudência uniformizada quando a mesma se mostre ultrapassada, quer porque surgiu alteração doutrinal, jurisprudencial ou legal relevante nesse sentido ou porque surgiu argumento novo relevante que não foi ponderado aquando da prolação do aresto que uniformizou jurisprudência.

  9. - O tribunal a quo não invocou nenhuma das aludidas situações para justificar o afastamento de jurisprudência uniformizada, talvez, como supra se aludiu, porque não teve intenção, de forma directa, de afastar a referida jurisprudência, julgando erroneamente que a sua decisão estava conforme a tal jurisprudência.

  10. - De qualquer forma sempre diremos que, na nossa perspectiva, a doutrina consagrada pelo Acórdão do STJ n.º 8/2000 se mantém actual e se encontra ainda reforçada e legitimada pelo teor da alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que, na nossa perspectiva, consagrou, de forma expressa, a referida jurisprudência uniformizada.

  11. - Ora, a consagração expressa na letra da lei de que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime (…)” (negrito nosso) afasta definitivamente o argumento da instrumentalidade invocado pelos apologistas da existência de concurso aparente entre o crime de burla e de falsificação e também propugnado na sentença recorrida.

  12. - Ao decidir da forma descrita, violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 30.º, 217.º, 218.º e 256.º, do Código Penal, e ainda desaplicou, sem fundamento sério e válido, jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal n.º 8/2000.

  13. - Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene, para além do mais, o arguido na prática do crime de burla p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, e do crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, em concurso real ou efectivo, tal como constava da acusação.

    Decidindo nestes termos, far-se-á justiça.

    * 6.

    O arguido respondeu ao recurso, conclusivamente nestes termos: 1. O tribunal a quo fez “…uma errada interpretação do referido aresto e do Acórdão do STJ de 9 de Abril de 1992 e, consequentemente, ter proferido decisão contrária à jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

    1. “Ao decidir da forma descrita violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 30.º, 217.º, 218.º e 256.º, do Código Penal, e ainda desaplicou, sem fundamento sério e válido, jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal n.º 8/2000”.

    2. Termina o recorrente concluindo que: “Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene, para além do mais, o arguido na prática do crime de burla p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, e do crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, em concurso real ou efectivo, tal como constava da acusação”.

    3. Ora, salvo o devido respeito, a decisão proferida pelo tribunal a quo é integralmente acertada.

  14. - Verifica-se, in casu, uma situação de concurso aparente entre os dois crimes em questão (burla e falsificação de documento).

  15. - Com efeito, a conduta do arguido, no que concerne ao crime de falsificação, constituiu um meio para chegar a um fim, subsumível no crime de burla de que foi acusado.

  16. - Não se verificando qualquer autonomia entre os dois crimes supra referidos mas sim uma relação de dependência entre os mesmos.

  17. - Na verdade, como já se referiu, a conduta subsumível pelo crime de falsificação de documento foi o instrumento, privilegiado, para levar ao erro e, consequentemente, para atingir o fim a que se propôs.

  18. - Não se pode afirmar, salvo melhor opinião, que o crime de burla teria sido consumado e bem sucedido se o arguido não tivesse utilizado um instrumento para induzir em erro, instrumento esse que está na origem do crime de falsificação de documento.

  19. - A falsificação de documento fez parte integrante e indissociável do logro levado a cabo para atingir o fim proposto.

  20. - Por conseguinte, não se pode defender a sua autonomização criminal mas sim a sua relação de interdependência que levará, salvo melhor opinião, a um concurso aparente entre os crimes.

  21. - Pelo exposto, considerando que o crime de falsificação de documento fez parte integrante do crime de burla e que, por esse motivo, não poderá ser autonomizado, o primeiro terá, forçosamente, que ser consumido pelo segundo.

  22. - Se isso não acontecer, verifica-se uma clara violação do princípio constitucional de non bis in idem.

  23. - Porquanto o arguido estaria a ser julgado e condenado pelo mesmo crime duas vezes.

  24. - Pelo que a douta sentença a quo procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, processual ou constitucional, devendo ser integralmente mantida.

    Em consequência, deverá o presente recurso ser rejeitado, porque manifestamente improcedente, nos termos das conclusões enunciadas, devendo ser integralmente mantida a douta sentença a quo, assim se fazendo inteira e sã justiça! * 6.

    Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 364/367, manifestou-se no sentido da procedência do recurso.

    *Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.

    *7.

    Colhidos os vistos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT