Acórdão nº 08B2429 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 18 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA, S.A.
intentou, em 14.12.2005, pela 7ª Vara Cível de Lisboa, contra BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.
, acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 225.000,00, acrescida de juros de mora contados desde 21.03.2005 até integral pagamento e do correspondente imposto de selo sobre estes juros.
Alegou, para tanto, ter recebido uma proposta de compra de moedas de uma empresa estrangeira, cujo preço, de € 225.000,00, seria pago antecipadamente ao envio da mercadoria, e creditado numa conta bancária da autora, de que esta era titular no Banco réu. Essa conta foi creditada pelo réu e ficou livremente movimentável após a data-valor indicada, tendo disso o réu informado a autora, que confiou e expediu a mercadoria para o comprador. Porém, decorridos alguns dias, o réu debitou a conta da autora por idêntica importância, alegando não ter obtido cobrança do cheque interbancário, utilizado para o pagamento, o qual era falso. Acha-se assim a autora prejudicada no montante da transacção devido à informação errada do réu e ao indevido crédito na conta, sendo que, sem essa informação e sem o crédito da sua conta, não teria enviado a mercadoria, que não conseguiu recuperar.
O réu contestou, alegando que o saldo do cheque ficou imediatamente disponibilizado e livremente movimentável, como é prática bancária quando o cliente é digno de crédito, e não a partir da data-valor; mas, como o cheque havia sido recebido por depósito sujeito a "boa cobrança" e não foi bem cobrado, o seu valor foi posteriormente debitado na conta da autora. Conclui pela responsabilidade desta por ter confiado indevidamente na efectiva cobrança do cheque e não ter tomado as devidas cautelas em negócio com cliente que desconhecia, negócio que o réu ignorava, sem obrigação de o conhecer.
Seguindo o processo a sua normal tramitação, veio a ser efectuado o julgamento e a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.
A autora recorreu, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Do acórdão da Relação traz agora a autora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, finalizando as respectivas alegações com a enunciação das seguintes conclusões (aqui reproduzidas in integrum, apenas com alterações de pormenor): 1ª - "Quanto à INCM, a referida creditação da conta (sem especiais reservas e com imediata disponibilidade do valor) e a subsequente nota de crédito do BES surgiram no quadro de uma transacção vultosa em que a mercadoria deveria ser entregue após o pagamento do preço mediante creditação da indicada conta no BES"; 2ª - "A creditação ocorreu mais de uma semana após a INCM ter recebido notícia pela compradora de esta haver ordenado a prevista transferência e de o BES ter recebido um documento de pagamento equivalente (o «cheque» do Bank of Ireland)"; 3ª - "Em face do extracto e da nota de crédito, era normal pensar que, em vez da transferência, fora utilizado esse meio de pagamento bancário equivalente.
E, em vista do seu teor, do tempo em que ocorreram e do modo como o BES fez a creditação, era também normal pensar que já se tratava de um pagamento definitivo ou confirmado"; 4ª - "Quanto ao BES, ele recebeu esse meio de pagamento, com data de 4 de Março, mediante «depósito directo» - isto é, sem intervenção humana -, no dia 7"; 5ª - "Só o creditou e emitiu a nota de crédito no dia 16 (aliás, só recebida pela INCM a 21)"; 6ª - "Não informou esta da forma de depósito utilizada, que, pelo seu carácter impessoal, envolvia, se não um risco de cobrança comum, pelo menos um especial risco de o cheque ser falso, dado que não possibilitava qualquer avaliação ou controlo; nem sequer implicava uma identificação pessoal do depositante"; 7ª - "Pelo contrário, procedeu à creditação da conta sem alertar a INCM quanto a esse risco especial e, ainda por cima, em circunstâncias tais (quando ao tempo em que procedeu à mesma e, sobretudo, ao modo como o fez, com efeitos imediatos), que eram de molde a fazer crer que o pagamento estava realizado. E também guardou para si as naturais dúvidas e reservas que a simples análise do título não podia deixar de suscitar a um profissional como o BES"; 8ª - "Efectivamente, trata-se de um cheque bancário ou interbancário em que aparece como emitente o Bank of Ireland e a nota de crédito indica tratar-se de compra de cheques sobre o estrangeiro para crédito em conta, sem mais esclarecimentos, assinalando-se como data-valor o dia 21"; 9ª - Como se viu, quer a sentença, quer o acórdão recorrido alhearam-se do facto (essencial) provado nos autos - cfr. alínea H da Matéria de Facto Assente (correspondente ao alegado no artigo 15º da P.I.) - de que o cheque em causa era um cheque interbancário e não um cheque comum; 10ª - Nesse contexto, quanto ao título em causa, a corrente cláusula contratual geral de ressalva de boa cobrança, constante dos impressos/extractos utilizados e tipicamente aplicável aos cheques comuns, perde aqui todo o significado; 11ª - Daí também que se não tenha provado na acção, que seja prática normal a de um banco creditar os cheques depositados a favor de um seu cliente e tornar o seu valor disponível de imediato, ainda sem a cobrança; nem se provou que essa fosse a prática contratual concreta entre os aqui recorrente e recorrido; 12ª - "O BES teve pois todo o tempo que julgou oportuno para apreciar a situação e actuar em conformidade, salvaguardando os interesses contratualmente protegidos da INCM. Durante esse tempo (13 dias ao todo, 8 dias até à emissão da nota de crédito e à inscrição do valor em conta), podia perfeitamente ter confirmado junto do Bank of Ireland a genuinidade do título"; 13ª - "Havia mesmo circunstâncias especiais que, para afastar eventual responsabilidade, lhe impunham esse dever de diligência: a falta de controlo pessoal do depósito; o facto de se tratar de um draft nacional e não internacional, o valor «anormalmente elevado» em jogo, a data de emissão e o local do depósito, bem como outras circunstâncias apontadas"; 14ª - "O mesmo sucede quanto ao dever de diligência e de cuidado na creditação da conta e na emissão da nota de crédito"; 15ª - Por conseguinte, a relação bancária em questão, fundada no contrato de conta corrente, postulava aqui vários deveres, deveres que são de qualificar como fundamentais nessa relação: dever de prestação de serviços específicos; em razão da profissionalidade e competência própria do banco, encerra, ainda, «uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro», implicando uma «continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente», nesse domínio; engloba a «relação de confiança inerente a toda a actividade bancária», que assim se situava num plano contratual, não meramente legal; «típico contrato de salvaguarda de interesses»; «deveres gerais de informação, no seu sentido mais amplo», «incluindo deveres de esclarecimento, de aviso e de conselho». Deveres que no caso foram incumpridos pelo recorrido BES; 16ª - Até pelos deveres impostos pelas regras de ordem pública, postulava-se aqui a necessidade de cuidadosa verificação da regularidade/efectiva provisão do cheque, ademais, como se disse, tratando-se de título especial e de montante elevado: o BES estava aqui obrigado a empregar a diligência que lhe é exigível em face do conhecimento que tem ou deve ter relativamente a operações com cheques sacados sobre bancos estrangeiros; 17ª - Acresce que o controlo rigoroso dessa operação por parte do réu apenas exigia que este tivesse assegurado a creditação efectiva: não se pedia mais do que isso, mas exigia-se concretamente isso: ou confirmava, por contacto com o Banco sacado a regularidade do cheque, ou aguardava o seu efectivo desconto, operação após a qual creditaria a conta da recorrente-beneficiária; 18ª - O BES incumpriu assim os seus deveres contratuais de gestão criteriosa e cuidada dos interesses da INCM, designadamente de informação atempada, suficiente e inequívoca em ordem a evitar a produção de danos que ocorreu precisamente em função desse seu comportamento gravemente negligente: De resto, dada a relação contratual existente e a verificada produção do prejuízo, sempre lhe competiria provar o contrário, o que não fez, pelo que lhe cabe suportar, ou reparar, tais danos, repondo a situação que existiria sem esse comportamento; isto é, deverá considerar sem efeito o estorno e repor na conta a importância debitada; 19ª - O contrato de abertura de conta celebrado entre recorrente e recorrido postula...
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