Acórdão nº 08A3089 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 18 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher, BB, intentaram, em 25.11.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca Tomar - 2º Juízo - acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: - CC - DD e mulher, EE, e; - FF.
Afirmando serem donos de um prédio urbano, composto de casa de habitação e logradouro, sito na freguesia de Olalhas em Tomar, cuja aquisição por usucapião invocam.
Referem, de seguida, ser tal prédio dominante relativamente a uma "servidão de pé, carroça e carro" da qual são servientes três prédios pertencentes, respectivamente, ao 1º Réu, 2ºs RR. e 3ª Ré, indicando as características dessa servidão, ademais daquelas ("servidão de pé, carroça e carro").
Referindo que a mesma, em 1986, mudou para o local onde presentemente se encontra, invocam os AA., enfim, a constituição por usucapião dessa mesma servidão, relativamente à sua configuração actual, formulando, em função de actos de perturbação do exercício da mesma que imputam aos 2ºs RR., os seguintes três pedidos: " [...] B - Declarar-se que os AA. são os únicos donos e legítimos proprietários, com exclusão de outrem, de todo o imóvel [dos AA.]; C - Declarar-se constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé e de carro, com 60 m de comprimento e 3 m de largura, a favor do prédio dos AA. e que onera o prédio dos RR. A servidão nasce junto à estrada, segue no sentido sul-norte, a poente do prédio da 3ª Ré, e segue depois no sentido nascente-poente, sobre a parte sul dos prédios dos 2ºs RR. e do 1º Ré, até atingir o prédio dos AA., estando 29 metros a onerar o prédio da 3ª Ré, 16 m a onerar o prédio dos 2ºs RR. e 15 metros a onerar o prédio do 1º Réu.
D - Devendo, também, os RR. serem condenados a absterem-se da prática de actos que impeçam o acesso dos AA. à referida servidão.
[...]".
Contestaram os 2ºs RR. e a 3ª Ré (fls. 47/71), excepcionando a falta de registo da acção, negando a existência da servidão indicada pelos AA. e pugnando pela improcedência da acção.
O 1º Réu, por sua vez (a fls. 84/88), reconhecendo a existência da servidão invocada pelos AA., pugna pela procedência da acção.
Saneado o processo, fixados os factos nessa fase provados e elaborada a base instrutória (despacho de fls. 175/186), avançou-se para o julgamento documentado a fls. 337/343, 359/364 e 375/376 (com gravação dos depoimentos), ao qual se seguiu a Sentença constante de fls. 384/402, dada posteriormente sem efeito pelo despacho de fls. 448/452, que também julgou nulos todos os actos de produção de prova sujeitos a gravação, determinando a sua repetição (tudo isto se ficou a dever a deficiências da gravação efectuada nesse julgamento).
Realizou-se, assim, com gravação e nos termos documentados a fls. 569/574, 577/580 e 581/583, a repetição do julgamento, finda a qual, apurados os factos provados em julgamento (através do despacho de fls. 584/590).
*** Foi proferida a Sentença de fls. 594/612 que culminou com o seguinte pronunciamento decisório: " [...]
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Declaro que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio descrito no art. 1º da petição inicial; b) No demais absolvo os RR.
[...]" Estribou-se este pronunciamento decisório na consideração de terem os AA. logrado provar a aquisição por usucapião do prédio identificado nas alíneas A) e F) dos factos, e na consideração, referida à servidão por eles invocada, de não terem logrado demonstrar (provar) os elementos respeitantes à constituição da mesma por usucapião, ou seja, que por aí passavam há mais de 50 anos, " [...] a pé, com tractores e de carro à vista de toda a gente, ininterruptamente [...] e faze[ndo-o] convencidos de que têm o direito de passar pelo caminho e que ao fazê-lo não ofendem direitos de outrem" (transcrição de fls. 610), acrescentando-se na sentença o seguinte: " [...] Em sede de julgamento pretendeu-se dizer que houve uma mudança da serventia, do local assinalado a azul picotado no croqui de fls. 239 para o local assinalado a castanho (caminho aberto) do mesmo croqui.
Só que não foi uma mudança de serventia que os AA. pediram.
[...]" - [transcrição de fls. 611].
*** Inconformados, os AA.
interpuseram recurso (fls. 619), para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 1.4.2008 - fls. 751 a 782 - depois de ter alterado parcialmente a matéria de facto, julgou o recurso improcedente, posto que com fundamentação divergente da da sentença.
*** De novo inconformados, recorreram os demandantes para este Supremo Tribunal e, alegando, formularam as seguintes conclusões: A) - O douto acórdão revidendo alterou a decisão sobre a matéria de facto acrescentando-lhe dois novos números - os números 17 e 18; B) - No primeiro, deu-me como provado que em 1991 todos os interessados concordaram em alterar o sítio por onde fazia o trânsito no prédio em causa; C) - No segundo, deu-se como provado que há mais de 20 anos se transitava por determinado sítio no mesmo prédio rústico, sem oposição de ninguém e como se a passagem pelos utentes representasse o exercício de um direito legítimo; D) - No desenvolvimento do douto acórdão revidendo reconhece-se que os interessados transpuseram as utilidades do caminho velho para o caminho novo, com um sentido que revelava alguns elementos de continuidade.
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- Donde se extrai que a posse do direito de passagem pelo caminho velho não se extinguiu e se manteve o mesmo, apesar de ser diferente o percurso utilizado; F) - O direito de posse só se extingue nos termos previstos no n°1 do art. 1267° do Código Civil; G) - No caso em julgamento, não ocorre nenhuma das situações previstas neste preceito; H) - Assim sendo, a posse do direito de passagem pelo caminho velho, só pode ser a mesma que continuou a ser exercida pelo caminho novo I) - Tanto significa que os Recorrentes e os demais interessados vêm passando pelo prédio serviente, tal como já vinham passando há mais de trinta anos, antes da data da propositura da presente acção.
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- Essa passagem sempre se fez de boa fé, pacificamente, com continuidade e sem oposição de ninguém; K) - E deixou marcas aparentes, bem visíveis e permanentes no terreno; L) - A posse deste direito de passagem pode ser adquirida por usucapião ao abrigo do disposto no art. 1296° do Código Civil, porque se mostram reunidos todos os pressupostos de que depende a aquisição; M) - A solução acolhida no douto acórdão revidendo de que com a passagem pelo caminho novo se iniciou uma nova posse viola o princípio da boa fé consagrado no art. 334° do Código Civil; N) - Na verdade, foi o próprio dono do prédio serviente (o recorrido), quem pediu aos possuidores do direito de passagem para utilizarem outro percurso dentro do mesmo prédio; O) - Por isso, a opor-se agora à constituição pela usucapião da servidão de passagem assume um comportamento contraditório, violador da confiança que transmitiu aos utentes do caminho; P) - O douto acórdão revidendo, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 334°, 1267°, n°1, e 1296° todos do Código Civil.
Nestes termos, deverá dar-se provimento ao recurso revogando-se o douto acórdão revidendo e julgar-se procedente a acção, tudo por imperativo da lei e da Justiça.
Contra-alegou o recorrido CC, pugnando pela revogação do Acórdão.
*** Atempadamente os AA. juntaram aos autos um Parecer - fls. 849 a 879 - subscrito por eminente Professor de Direito.
*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: Da Matéria de Facto Assente:
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No dia 13 de Dezembro de 1951, na Secretaria Notarial de Tomar, Ana... e Maria .... declararam dar a seu único neto e filho, respectivamente, o autor AA, que declarou aceitar, além de outro imóvel, o seguinte: "Casa de habitação e quintal, no lugar de Olalhas, a confinar do Norte, com herdeiros de António...a, Sul e Poente, com a estrada pública e Nascente com herdeiro de José..., inscrita na matriz sob o art. 82 urbano e 537 rústico...".
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Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, referidas em A), Ana... e Maria ...declararam que reservavam para elas "o usufruto vitalício" do mesmo prédio.
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No dia 29 de Janeiro de 1953, faleceu Ana ....
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No dia 12 de Novembro de 1967, faleceu Maria ....
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No dia 25 de Abril de 1954, o autor AA e autora BB celebraram, entre si, casamento, na Conservatória do Registo Civil de Tomar.
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Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 03877/000000, em 3 de Outubro de 2003, foi descrita a casa de habitação referida em A), com a seguinte composição: prédio urbano sito em Olalhas, casa de habitação, com a área de 63 m 2 e logradouro, com a área de 224 m2, a confrontar do Norte, com CC , Sul e Poente, com rua e Nascente com AA, inscrito na matriz, sob o art. 2008º.
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Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 01579/00000, freguesia de Olalhas encontra-se descrito o prédio misto composto de casa de habitação de rés-do-chão, com a área de 40 m2 e logradouro com a área de 240 m2 e terra de vinha, cultura arvense, oliveiras, pomar misto, cerejeiras, figueiras e pomar de citrinos com a área de 29.440 m2.
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Inscrito nas matrizes urbana, sob o art. 80º e rústica, sob o art. 228, Secção P, em nome do réu CC I) Em 19 de Abril de 2000, na mesma Conservatória do Registo Predial, foi registada a desanexação do nº 03173/000000, ficando a parte rústica restante do prédio identificado em G) e H) com a área de 28.440 m2.
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Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 03173/000000, encontra-se descrito o prédio urbano sito em Carvalheiro ou Carvalheira, composto de terreno destinado a construção, com a área de 1000 m2, a confrontar do Norte com CC; do Sul com AA e outros; do Nascente com CC da e do Poente com estrada, desanexado do nº 01579/260793, inscrito na matriz, sob o art. 2114º.
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Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 01086/000000, em 28 de Agosto de 1992, foi descrito o prédio misto sito em Olalhas, composto de casa de habitação de rés-do-chão com 72,20 m2 e primeiro andar com 55,20 m2...
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Acórdão nº 126/10.2TBSRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Novembro de 2013
...parte integrante do terreno dos Autores? (13º) [17] Cf., a propósito, a situação versada no acórdão do STJ de 18.11.2008-processo 08A3089, publicado no “site” da [18] Cf. a “nota 16” e a decisão sobre a matéria de facto de fls. 362 e seguintes. [19] Porventura derivada de se ter seguido e a......
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