Acórdão nº 530/08 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução11 de Novembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 530/2008

Processo n.º 589/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A. formulou diversos pedidos de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos judiciais, que vieram a ser indeferidos pelos serviços de segurança social de Coimbra, por decisão datada de 10 de Agosto de 2007.

      Tendo sido deduzida impugnação judicial na qual a impugnante veio requerer a final a produção de prova testemunhal, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, por sentença de 18 de Abril de 2008, julgou materialmente inconstitucional, por violação do artigo 20° da Constituição da República, a norma do artigo 27º, n° 2, da Lei n.º 34/04 de 29 de Julho, na parte em que estatui que é apenas admissível, para efeito da dedução do pedido de impugnação, prova documental.

      A decisão encontra-se fundamentada, na parte que mais interessa considerar, nos seguintes termos:

      Na presente impugnação judicial, interposta da decisão de não concessão do apoio judiciário, ao abrigo do art. 27°, n° 2, da Lei n° 34/04, de 29 de Julho, a impugnante A. arrolou prova testemunhal.

      A referida norma apenas admite prova documental.

      A impugnante A. veio alegar factos que carecem de prova testemunhal.

      Além disso acrescem factos que só através deste meio de prova poderá demonstrá-los.

      São estes: vive em casa emprestada pelos sogros; vive com ajuda económica dos pais para a satisfação das necessidades básicas dos seus filhos menores uma vez que não tem emprego nem rendimentos para além da prestação mensal de 200 € que recebe do seu marido de quem está separada de facto desde finais de 2006.

      Acontece, porém que a norma que regula este tipo de recurso não admite prova para além da documental (art. 27°, n° 2, da Lei 34/04, de 29 de Julho, que nesta parte não sofreu alterações com a Lei n° 47/07, de 28 de Agosto).

      Contudo, afigura-se-nos que tal norma à luz da Constituição da República Portuguesa poderá ser inconstitucional, em concreto violando o art. 20º da Lei Fundamental.

      Com efeito tem-se entendido que a efectiva garantia de acesso ao direito e aos Tribunais importa a consagração de um verdadeiro «direito de prova» e «a eliminação de disposições especiais que (...) limitassem o tipo de meios probatórios admissíveis»’

      Não se pretende, como é claro, que o princípio seja interpretado corno a consagração constitucional da livre admissibilidade dos meios de prova. A lei ordinária consagrava várias limitações ao exercício do direito de defesa no acesso aos meios probatórios umas de índole material, (como as dos arts. 364° e 393° do Código Civil) e outras adjectivas, com finalidades como a eficácia e celeridade processuais.

      No presente caso a lei determina que “recebida a impugnação, esta é distribuí1a e imediatamente conclusa ao juiz, que por meio de despacho concisamente fundamentado, decide” por conseguinte a produção da prova testemunhal não é incompatível com tal procedimento.

      Apesar de o prazo para tal efeito não ter sido fixado na lei, ele não poderá ser menor que aquele que está previsto para os processos urgentes, e, também, não se vê que a eficácia da actuação da administração ou do cidadão saia prejudicada.

      Diga-se por fim que, no âmbito do processo tributário, inúmeros processos urgentes (recurso da decisão do órgão de execução fiscal, arrolamentos e arresto) comportam prova testemunhal sem qualquer prejuízo para a celeridade processual.

      A oportunidade da admissão deste meio de prova é, no direito tributário, concretamente ponderada pelo juiz, que poderá dispensar ou não as provas através de um juízo de prognose sobre a necessidade da mesma.

      Por outro lado, ainda sob a motivação de descongestionamento dos tribunais foi substancialmente reformulado o regime decorrente dos DL°s 387/87, de 29 de Dezembro, e 391/88, de 26 de Outubro, através da Lei 30-E/00, de 20 de Dezembro, e das Portarias n°s 1200C/2000, de 20 de Dezembro, e 1223-A/2000, de 29 de Dezembro, atribuindo aos serviços de segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, mas manteve sempre a prova da insuficiência económica por qualquer meio idóneo, também a prova testemunhal, não se olvidando que a mais das vezes esta é a prova mais adequada e a única para determinados factos que estão em apreciação no âmbito da necessidade de apoio judiciário.

      Não há dúvida que uma tutela efectiva tem de passar também pela consagração efectiva de um processo equitativo que assegure a igualdade de armas na tramitação processual, como decorre do n° 4 do art. 20° da Lei Fundamental.

      Não é, por isso, difícil descortinar que a prova testemunhal nestes processos, em que está em causa insuficiência ou até ausência de meios económicos para assegurar a defesa dos seus direitos em tribunal, se apresente como a mais adequada e até a única capaz de esclarecer alguns dos factos controvertidos.

      Desta feita, julgando-se materialmente inconstitucional, à luz do art. 20° da Constituição, a norma do art. 27, n° 2, da Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, na parte em que estatui que: «sendo apenas admissível prova documental», impede o recurso à prova testemunhal, admito a inquirição da prova arrolada.

      Desta decisão, interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, vindo a apresentar, no seguimento do processo, as seguintes alegações:

    2. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.

      O presente recurso obrigatório vem interposto de decisão – proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em processo de impugnação judicial do indeferimento administrativo de apoio judiciário, intentado por A. – que recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma constante do artigo 27º, nº 2, da Lei nº 34/04, de 29/07, na parte em que apenas admite a produção de prova documental nos processos em que – como nos presentes autos – o interessado questiona a legalidade do indeferimento da pretensão que dirigiu à Segurança Social.

      Sobre questão idêntica corre termos o p. nº 559/08.

      Na verdade – e por força da norma desaplicada – no pedido de impugnação apenas é admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal – não prevendo o artigo 28º a possibilidade de o juiz determinar, mesmo...

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