Acórdão nº 07B2724 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 26 de Novembro de 1999, T... - Financiamento de Aquisições a Crédito, SA (posteriormente denominada Banco M..., SA) instaurou contra AA e BB uma acção na qual pediu que fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 2.742.753$00, acrescida dos juros vencidos (404.274$00), do imposto do selo sobre esses juros (16.171$00) e ainda dos juros que se vencessem, à taxa anual de 26,9%, até integral pagamento, e correspondente imposto do selo.

Para o efeito, alegou ter celebrado com o primeiro réu, em 10 de Julho de 1998, um contrato de mútuo no montante de 2.150.000$00, com juros à taxa nominal de 22,9% ao ano, destinado a financiar a compra de determinado veículo automóvel; que ficou acordado que tal quantia, somada com os juros e com o valor do prémio do seguro de vida, deveria ser paga por transferência bancária em 48 prestações mensais de 70.327$00, vencendo-se a primeira em 10 de Agosto de 1998; que a falta de pagamento de qualquer prestação implicava o vencimento imediato das demais e que, em caso de mora, se somariam 4 pontos percentuais à taxa de juro contratual, a título de cláusula penal.

Não tendo o primeiro réu pago a 10ª prestação, nem as seguintes, venceram-se todas as outras.

Para além disso, a autora alegou ainda que o segundo réu se tinha constituído fiador e principal pagador de todas as obrigações decorrentes do contrato, por termo de fiança datado também de 10 de Julho de 1998.

Contestaram AA e BB, este através de representante. Sustentaram, por entre o mais, que só a primeira prestação tinha sido paga por AA, porque o mesmo tinha acordado com a autora e com o vendedor Stand U..., Lda, a transmissão da dívida, porque desistira da compra, transmissão que a autora expressamente aceitara; que a respectiva desistência tinha sido aceite por este Stand, que nunca chegara a entregar-lhe o veículo, que lhe entregara a quantia relativa à prestação que desembolsara e que assumira o encargo de pagar as restantes prestações.

BB negou ter-se constituído fiador e ter assinado qualquer documento nesse sentido, concluindo ser parte ilegítima.

Requereram a intervenção do Stand U..., Lda.

A autora replicou, nomeadamente alegando não ter tido conhecimento de qualquer acordo feito com a U..., Lda e nunca ter consentido em qualquer transmissão, nem a ter ratificado. Afirmou ter recebido cheques do Stand U..., Lda, para liquidação de prestações do contrato de mútuo, mas que tal pagamento não significava que o Stand tivesse assumido a dívida dos réus.

Por despacho de fls. 161, foi julgado findo o incidente da intervenção, que havia sido admitida apesar da oposição da autora, por se ter mostrado inviável a citação pessoal do representante do interveniente.

Por despacho de fls. 168, foi decidido que "nos termos do artº 40 do C.P.Civil", ficava "sem efeito a contestação de fls. 18 e segs. quanto ao réu BB".

A acção prosseguiu e veio a ser julgada procedente, por sentença de fls. 363.

  1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 477 foi negado provimento à apelação interposta pelos réus.

    Em particular, interessa agora referir que a Relação entendeu não ter fundamento a ampliação da matéria de facto pretendida pelos recorrentes e, quanto à solução de direito, que "os RR não alegaram, como lhes competia à luz do disposto no artº 342º, nº 2, do Cód. Civil, factos suficientes para caracterizar uma situação de ligação funcional entre a venda e o mútuo e de funcionamento do «mecanismo de rescisão ou do arrependimento» pelo que, à luz do thema decidendum construído pelas partes neste processo, não há que entrar sequer na disciplina jurídica da união de contratos, pelo que não ocorre qualquer falha na determinação das normas aplicáveis à união de contratos"; e ainda que " a assunção da dívida por terceiro só extingue a obrigação do devedor primitivo, se o credor assim o declarar expressamente. Nessa medida, o efeito liberatório do antigo devedor não se basta com a ratificação ou aceitação expressa, por parte do credor, do acordo de assunção de dívida, mas requer a declaração expressa de exonerar o devedor primitivo. Ora, não tendo os apelantes logrado provar, como lhes competia, à luz do disposto no artº. 342º, nº 2, do Cód. Civil, os factos caracterizadores da assunção de dívida liberatória no âmbito das obrigações por si assumidas no domínio do contrato de mútuo celebrado (cfr. artºs. 4º, 5º e 6º da contestação; quesitos 3º, 4º e 5º da base instrutória; respostas restritivas aos quesitos 3º e 4º e negativa ao quesito 5º), outro não poderia ser o desfecho da acção que não o da sua procedência, com a fundamentação ora traçada".

  2. Novamente recorreram os réus, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações correspondentes, os recorrentes formularam as seguintes conclusões (consideram-se as que foram juntas aos autos a fls. 518, não se tomando em conta as diferenças encontradas nas versões posteriormente apresentadas): "1- O contrato de mútuo celebrado entre o recorrido e o recorrente U... teve por objectivo possibilitar a compra, por parte deste, de uma viatura automóvel, sendo o meio necessário e imprescindível à efectiva concretização da compra e venda realizada com o Stand U....

    2- No contrato de mútuo constam os elementos específicos do contrato de compra e venda, nomeadamente, quanto à identificação do seu objecto, do respectivo fornecedor, do preço e da discriminação do número e montante das prestações ao mesmo respeitante.

    3- A factualidade apurada nos autos é juridicamente enquadrável no âmbito dos contratos de crédito ao consumo, cujo regime se encontra previsto no Decreto-Lei nº 359/91 de 21.09.

    4- A celebração conjunta dos referidos contratos integra a figura jurídica da união de contratos, na forma de união interna, atenta a relação de dependência bilateral que reciprocamente os liga.

    5- A enunciação desta é sempre feita com referência a dois elementos: a pluralidade de contratos e a existência de um nexo entre os mesmos.

    6- O recorrido só concedeu o crédito em causa para que o recorrente U... procedesse à aquisição do veículo fornecido pelo Stand U..., sendo inquestionável que aquele contrato tenha tido como finalidade a aquisição daquele bem.

    7- O Stand U..., Lda. ao declarar por escrito que o recorrente U... havia desistido do contrato de compra e venda e assumindo o pagamento, em nome daquele, das prestações do contrato de mútuo, pagando diversas prestações do mesmo, aceitou tal desistência.

    8- Tais factos, associados à circunstância do veículo automóvel nunca ter estado na posse ou titularidade do recorrente indiciam que o referido Stand ficou com o mesmo, bem como com a quantia mutuada pelo recorrido.

    9- Estes factos consubstanciam, em termos jurídicos, uma revogação por mútuo acordo do contrato de compra e venda do citado automóvel, ocorrida entre o apelante U... e o Stand U..., Lda.

    10- Quando se dá como provado que o Stand U... não deu conhecimento ao recorrido de qualquer acordo feito com o recorrente U..., que o recorrido nunca recusou a revogação do acordo dos autos e que esta revogação nunca lhe foi solicitada, tal não significa que o recorrido não tenha tomado conhecimento da revogação do contrato de compra e venda.

    11- O recorrente U... deu conhecimento ao recorrido que pretendia entregar o veículo e, após tal comunicação, o recorrido aceitou cheques emitidos pelo Stand U..., Lda., para pagamento de prestações do contrato de mútuo.

    12- A existência de uma ligação genética e económica entre os referidos contratos (mútuo e compra e venda) implica consequências do ponto de vista jurídico.

    13- O contrato de compra e venda deu causa ao contrato de mútuo, sendo aquele o principal e este, o acessório.

    14- É princípio geral de direito que o acessório segue o regime jurídico do principal: "acessorium sequitur princípale': pelo que, revogado o contrato principal é posto fim também ao acessório.

    15- É da responsabilidade da U..., Lda., a responsabilidade perante o recorrido do pagamento das prestações vincendas do contrato de...

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