Acórdão nº 08S2306 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução05 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 30 de Setembro de 2004, no Tribunal do Trabalho da Maia, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB - COMÉRCIO E ALUGUER DE VEÍCULOS E EQUIPAMENTOS, S. A., pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento, com todas as consequências legais, e a ré condenada (i) a reintegrá-lo no respectivo posto de trabalho, com respeito pela antiguidade, categoria e demais regalias, caso opte pela reintegração, (ii) a pagar-lhe o valor de todas as retribuições mensais vencidas e vincendas desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, (iii) caso não opte pela reintegração ou esta não se venha a verificar, além daqueles montantes, a pagar-lhe o máximo de indemnização legalmente estipulada por cada ano de antiguidade ou fracção, (iv) a pagar juros de mora, à taxa legal, contados sobre as importâncias em dívida, desde a data de vencimento respectiva até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em suma, que, em 1 de Maio de 1991, firmou contrato de trabalho com a ré, competindo-lhe, inicialmente, o exercício das funções de chefe da secção de tesouraria e pessoal, posteriormente, de tesoureiro e, a partir de Julho de 2002, de coordenador do Núcleo de Recebimentos da ré e da sociedade FF - SFAC, S. A., ambas pertencentes ao Grupo F..., e que foi despedido, por carta de 2 de Agosto de 2004, despedimento esse que é ilícito, quer por invalidade do processo disciplinar - violação do direito de audição do arguido e ilegitimidade da ré no processo disciplinar -, quer por inexistência de justa causa.

A ré contestou, impugnando os sobreditos vícios formais do procedimento disciplinar, aduzindo que, perante a impugnação da validade do processo disciplinar, «resolveu reabri-lo, nos termos do art. 436.º/2 do Código do Trabalho, e enviar ao A. nova nota de culpa, estando já a correr prazo para a defesa», e, depois de alegar os factos que consubstanciavam a justa causa do despedimento, sustentou a sua licitude, por fundamentado, e, consequentemente, a improcedência da acção.

O autor respondeu à contestação, alegando, quanto à invocada reabertura do processo disciplinar, nos termos do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que «esta disposição legal não é aplicável entre as partes, pois está ainda em vigor o CCT para o Rent a Car, celebrado com a ARAC - Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, que vincula a Ré, e não prevê a hipótese de sanação posterior de vícios de um processo disciplinar», e que, ainda que fosse aplicável essa disposição legal, a ré estava a fazer dela uma utilização manifestamente abusiva, já que «constata-se pela leitura atenta da Contestação - que em parte reproduz a nova Nota de Culpa - que a Ré não vem sanar nenhuma das invalidades alegadas pelo Autor [aliás, «a Ré não assinala quais as invalidades do processo disciplinar que pretende sanar e corrigir, nem indica quais serão as invalidades que aceita estarem a viciar o processo disciplinar impugnado, dever que lhe competia, desde logo por uma questão de boa fé», afirma-se no artigo 12.º da resposta à contestação], mas aproveita a ocasião para aprimorar ou melhorar a acusação anteriormente formulada».

Assim, prossegue, «deve ser julgada inadmissível a elaboração da nova nota de culpa, considerando-se como não escrito tudo aquilo que desta é transcrito para a Contestação, ou então, se assim não for entendido, deve ser totalmente desconsiderado o que, da nova nota de culpa e, por consequência, da contestação que a reproduz, não tem como finalidade exclusiva sanar invalidades do processo disciplinar» (artigos 24.º e 25.º da resposta do autor à contestação), concluindo que é «inadmissível a dedução da nova nota de culpa e os factos que dela constam».

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, considerando não haver «fundamento de facto ou de direito para considerar inválido o processo disciplinar em causa» e existir justa causa para o despedimento, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados pelo autor.

  1. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, arguindo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre as questões referentes à prescrição das infracções disciplinares anteriores a 2002 e à impossibilidade de elaboração de nova nota de culpa por parte da ré, tendo impugnado a decisão do tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto, sustentado a ilegitimidade da ré como arguente no processo disciplinar e a inexistência de justa causa de despedimento, e pedido, a final, a revogação da sentença recorrida.

    Relativamente à arguida nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da impossibilidade de elaboração de nova nota de culpa por parte da ré, nos termos do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, o autor sustentou, no requerimento de interposição do recurso de apelação, o seguinte: «Nos artigos 8.º a 25.º do articulado de resposta do Autor - fls. 153 e seguintes - o aqui Apelante invocou que não era possível à Ré elaborar uma nova nota de culpa para suprir invalidades do processo disciplinar inicial, ao abrigo do disposto no artigo 436.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

    Defendeu-se, por um lado, a este respeito, que tal disposição legal não é aplicável entre as partes, pois ainda estava em vigor o Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector de Rent a Car, celebrado com a ARAC - Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis Sem Condutor, que vinculava a Ré, e não previa a hipótese de sanação posterior de vícios de um processo disciplinar.

    Mais uma vez a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre esta questão essencial, pelo que também nesta parte deverá ser julgada nula, por via do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.C., que aqui se invoca para todos os efeitos.

    Por outro lado, e no mesmo articulado - artigos 11.º a 25.º - o Apelante invocou que ainda que se admitisse que a Ré pudesse reformular a nota de culpa para suprir invalidades do processo disciplinar, ao abrigo da citada disposição legal, deveria dizer expressamente quais as invalidades que aceitava estarem a viciar o processo disciplinar impugnado, o que não fez, tornando inócua a nova nota de culpa... Por outro lado, invocou a apelante que a Ré não poderia utilizar o expediente da reformulação da nota de culpa para suprir invalidades do procedimento disciplinar e com isso aprimorar a nota de culpa, acrescentando-lhe factos completamente novos que não constavam da nota de culpa anterior.

    O Apelante fez a descrição de tais factos absolutamente novos alegados em sede da contestação da Ré e que não faziam parte da nota de culpa inicial - cfr. artigos 14.º a 22.º do articulado de resposta.

    Ora, se poderá aceitar-se do ponto de vista meramente processual que tais factos pudessem ser incluídos no questionário por terem sido alegados pela Ré em sede de contestação, já não é de todo admissível que tais factos novos - aliás extremamente importantes no conjunto da acusação elaborada pela Ré e recebida quase textualmente pela douta sentença recorrida - possam servir de moldura de facto para qualificar negativamente a conduta do Autor.

    Mais uma vez a douta sentença recorrida não se pronuncia sobre esta questão importantíssima, invocada pelo Autor num dos seus articulados e que merecia atenção por parte da Meritíssima Juiz a quo.

    Aliás, a Doutrina tem-se pronunciado, unanimemente, no sentido de ser inaceitável a invocação de factos que não foram objecto de acusação no momento inicial do procedimento disciplinar, quando o processo disciplinar é reaberto ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho [...].

    [...] Assim, a reabertura do processo disciplinar nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho só permite à entidade patronal expurgar vícios procedimentais, como sejam a falta da comunicação da intenção de despedir, desrespeito pelo formalismo subjacente à nota de culpa, violação do princípio do contraditório quanto à resposta à nota de culpa, falta de redução a escrito da decisão de despedimento, e nunca para invocar factos novos.

    É que é a nota de culpa que delimita o objecto do processo e a decisão sancionatória não pode invocar factos que não constem da nota de culpa, conforme impõe o artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

    A decisão do Tribunal, ao validar a decisão sancionatória da Ré, recebeu os vícios desta, uma vez que se socorreu também de factos novos alegados em sede de reformulação do...

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