Acórdão nº 9-B/1991.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A… propôs, no longínquo ano de 1996, no 2º Tribunal Judicial da Comarca de Figueira da Foz, por apenso ao inventário instaurado por óbito de F…, M… e P…, contra o cabeça-de-casal, B…, acção especial de prestação de contas, pedindo que o último lhe prestasse contas da sua administração.

Fundamentou esta pretensão no facto de o demandado haver assumido o cabeçalato com a morte do primeiro inventariado, ocorrida em 28 de Maio de 1991, tendo passado, nessa qualidade, a receber as rendas, a cobrar dívidas da herança, a receber outros rendimentos e proveitos e, sobretudo, a gerir o estabelecimento comercial, e de não ter apresentado, até então, quaisquer contas aos restantes interessados.

O réu apresentou, no dia 18 de Outubro de 1996, sob a forma de conta-corrente, as contas relativas aos anos de 1991 a 1995, referentes a todos os bens descritos no inventário, com excepção do estabelecimento comercial, e no dia 25 de Novembro de 1997, as conta-correntes daquele estabelecimento, dos anos de 1991 a 1997.

Por despacho de 3 de Julho de 2001, declarou-se que o autor não contestou as contas relativas ao estabelecimento comercial, e, por despacho de 19 de Novembro de 2003, admitiu-se a intervenção principal, ao lado do autor, de F… e L...

Após vicissitudes várias, o réu, P…, requereu, em 16 de Julho de 2007, se procedesse à perícia da contabilidade do estabelecimento comercial, por um único perito de nomeação judicial, tendo como objecto – de harmonia com requerimento incluso a fls. 322 - averiguar se a contabilidade daquele estabelecimento espelha os valores constantes das contas correntes relativas aos exercícios dos anos de 1991 a 1997, juntas em 25 de Novembro de 1997.

O autor, A…, requereu, através de requerimento inserto a fls. 335 - a ampliação do objecto da perícia, para que o perito averiguasse também desde 27 de Novembro de 1991 até 9 de Maio de 2007, qual o foi o volume de compras efectuado pelo estabelecimento comercial, desde 27 de Novembro de 1991 até 9 de Maio de 2207, e, dentro do mesmo lapso de tempo, qual foi o volume de vendas realizado pelo estabelecimento.

Sobre estes requerimentos recaiu, no dia 21 de Janeiro de 2008, este despacho: Fixo o objecto da perícia nos quesitos de fls. 322 e 335.

A sentença final da causa – proferida no dia 3 de Março de 2012 – depois de observar que as contas apresentadas em 18 de Outubro de 2006 merecem aprovação e que as contas relativas ao estabelecimento comercial apresentadas pelo réu, referentes ao período compreendido entre Maio de 1991 e Outubro de 1997 (dado que o cabeça-de-casal apresentou contas em 25 de Novembro de 1997) não merecem reparos, concluiu que as contas apresentadas pelo réu deverão ser consideradas válidas, com ressalva do valor de 100$00 a acrescer à despesa – e julgou as contas validamente prestadas, apenas com a correcção aludida.

O autor e o chamado L… requereram ao Sr. Juiz de Direito a aclaração da sentença, de modo a esclarecer se esta teve em conta a pendência do processo durante todos estes anos em que corre seus termos ou se, inversamente, tinha sido entendido que aquela obrigação legal respeitava tão só ao hiato temporal balizado pelo início do desempenho do cabeçalato e a data da instauração – mas o requerimento foi indeferido, por inexistir qualquer obscuridade ou ambiguidade que justifique o pedido de aclaração.

O autor e o chamado L… interpuseram recurso ordinário daquela sentença, no qual pedem que seja revogada e se ordene a continuação do processo com a notificação do réu para prestar contas da administração exercida desde 1996 até à data do trânsito em julgado da decisão que, no processo de inventário, o libertou, acolhendo o seu pedido de escusa do exercício do cabeçalato.

O recorrente rematou a sua alegação, no tocante ao objecto do recurso, com estas conclusões: No petitório respectivo apresentado em Juízo em 1996, fez-se apelo à inexistência de contas … O réu P… e o chamado, F…, concluíram, na sua resposta ao recurso, pela improcedência dele.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Os factos que relevam para o conhecimento do objecto do recurso são os que, em síntese apertada, o relatório documenta.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do objecto do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    O Direito Civil português disponibiliza uma previsão, com carácter geral, da obrigação ou do dever de informar (artº 573 do Código Civil). Doutrina e jurisprudência são acordes em que a constituição dessa obrigação de informação exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: a dúvida fundada, do titular de um direito, sobre a sua existência ou o seu conteúdo; a existência de outrem em condições de prestar as informações necessárias (artº 573 do Código Civil)[1].

    Caso concreto e particular de prestação de informações é o de prestação de contas, obrigação que, todavia, deve ser entendida, não como um simples dever de informação sobre o objecto do direito de outrem – mas como obrigação de informação detalhada das receitas e despesas efectuadas, acompanhada da justificação e documentação de todos os actos de que é uso exigir e guardar documento (artº 1016 do CPC).

    Exemplo de vinculado, por disposição legal específica, ao dever de prestar de contas, é o cabeça-de-casal (artº 2093 nº 1 do Código Civil).

    Se não cumprir voluntaria ou espontaneamente essa obrigação – i.e., se não oferecer as contas da sua administração do património hereditário – essas contas podem ser-lhe exigidas, quer dizer, o cabeça-de-casal pode ser forçado a prestá-las (artº 1014 e 1014-A nº 1 do CPC).

    Aquele que exija a prestação de contas deve alegar, como causa petendi, que tem direito a essa prestação de contas e que o réu tem a obrigação de as prestar, envolvendo o pedido de prestação de contas, necessariamente, o pedido de condenação no eventual saldo final[2]. No tocante às contas prestadas pelo cabeça-de-casal, o eventual saldo positivo deve ser distribuído pelos interessados, segundo o direito de cada um e não no momento do preenchimento dos respectivos quinhões (artº 2093 nº 2 do Código Civil)[3].

    A acção de prestação de contas deve ser proposta por todos os interessados, porque a falta de qualquer deles pode impedir que a decisão seja definitiva[4]. Trata-se, portanto, de um caso de litisconsórcio necessário natural (artº 28 nº 2 do CPC). Além de necessário, é um litisconsórcio unitário e recíproco; unitário, uma vez que a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, não podendo a acção ser julgada procedente quanto a um dos interessados e improcedente quanto outros; recíproco, dado que a pluralidade de partes determina um aumento do número de oposição entre elas: na acção de prestação de contas, verifica-se uma oposição entre cada um dos interessados e qualquer dos outros, pois a quantia do saldo que seja atribuída a um deles não pode ser concedida a qualquer outro.

    Aquele de quem é reclamada a prestação de contas pode defender-se alegando, designadamente, que não o liga ao autor qualquer relação jurídica por virtude da qual esteja obrigado a prestar-lhe contas, que essa relação jurídica existe mas dela não deriva a obrigação de prestação de contas ou, por último, que já as prestou, pelo que está desonerado da obrigação correspondente[5].

    Se o réu apresentar as contas[6] e o autor não as contestar, o réu é notificado para oferecer as provas que entender, e, uma vez estas produzidas, o juiz decide (artº 1017 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o juiz ordenará todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa que não é costume exigi-los (artº 1017 nº 5 do CPC).

    Na espécie do recurso, não se discute sequer a exactidão do julgamento das contas prestadas pelo réu – mas simplesmente a dimensão temporal do dever de prestar essas contas a que esse mesmo réu se encontra processualmente vinculado.

    Realmente, a sentença impugnada, salvo diferença de pormenor que para o caso não releva, teve por boas as contas prestadas pelo cabeça-de-casal, nos dias 18 de Outubro de 1996 - relativas à administração de todos os bens integrantes da herança, com excepção do estabelecimento comercial - e 25 de Novembro de 1997, relativas à administração deste último bem hereditário, exercida no período compreendido entre Maio de 1991 e Outubro de 1997.

    Todavia, segundo os recorrentes, a sentença não deveria julgar as contas já prestadas, relativas aquele período, antes deveria ter sobrestado na decisão, até que fossem prestadas as contas relativas ao período posterior, i.e., ao período compreendido entre 1996 e 2007.

    E isto seria assim, no ver dos apelantes, por duas razões: por o pedido – inicial – de prestação de contas ter sido objecto de ampliação por acordo tácito das partes; por o objecto do processo ter passado a ser constituído pela prestação de contas desde a data do óbito do de cujus F… até 9 de Maio de 2007, em razão da formação, sobre a questão da dimensão temporal da prestação de contas, no período posterior à data em que foram já prestadas, de caso julgado formal.

    O acordo tácito sobre a ampliação do pedido resultaria da ampliação, proposta por um dos apelantes, do objecto da perícia, a que o réu se não opôs; o caso julgado formal sobre a questão da dimensão temporal da prestação de contas ter-se-ia formado sobre a decisão que fixou o objecto da perícia. Maneira que – rematam os apelantes - a sentença apelada ao julgar as contas prestadas, relativas ao arco temporal compreendido...

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